A ministra da Agricultura Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, disse hoje (6) que as críticas que vêm sendo feitas às autorizações dadas por sua pasta para o registro de agrotóxicos no país estão se transformando em “guerra política”, no âmbito nacional, com potencial de resultar, no âmbito internacional, em “guerra comercial”.
Em café da manhã com jornalistas, Tereza Cristina disse que as autorizações concedidas para uso de novos agrotóxicos são um “risco calculado” similar ao que ocorre em outros países. “Ninguém está colocando veneno no prato do consumidor brasileiro”, afirmou a ministra.
“O Brasil é o único país que tem uma lei segundo a qual não se pode aprovar nenhum registro mais tóxico ou igual ao que já existe no mercado [de agrotóxicos]”, disse Tereza Cristina.
A ministra abriu o encontro criticando artigos e matérias jornalísticas que abordaram o assunto. “Estamos incomodados com o fato de o tema ser transformado, aqui dentro, em guerra política e, lá fora, em guerra comercial”, disse a ministra.
“Tenho preocupação com o fato de passarmos imagens que resultarão em questionamentos no exterior. Se há, aqui dentro, dúvidas, por que lá fora não haveria?”, acrescentou, ao defender “unidade, não de pensamento, mas nos números” que são publicizados .
Segundo ela, dos 262 produtos registrados recentemente, apenas sete são novos. Os demais seriam genéricos ou equivalentes aos já existentes no mercado. “Nós não liberamos agrotóxicos. Nós concedemos registros para a produção industrial de formulados. E nem sempre a indústria coloca à venda, porque nem sempre há interesse. Prova disso é que 48% dos produtos formulados autorizados não foram comercializados”.
Para ajudá-la a embasar cientificamente suas argumentações, a ministra contou com a ajuda de alguns pesquisadores e especialistas do setor.
Também em tom crítico a matérias jornalísticas, o pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Caio Carbonari citou informações que considera sem sentido de que o Brasil seria o país que mais usa defensivos agrícolas. “Não faz sentido essa comparação [em termos absolutos] assim como não faria sentido dizer que São Paulo [a maior cidade do país] tem número maior de acidentes de trânsito do que [uma cidade de muito menor porte como] Boitucatu”, disse Carbonari.
De acordo com o pesquisador, a comparação deveria ser feita levando em conta o volume de defensivo aplicado por área, e não em termos absolutos. “Se normalizarmos os dados dessa forma, cairíamos para a sétima posição, atrás de Japão, Coreia, Alemanha, Itália, França e Reino Unido. E, se for por tonelada produzida, cairíamos para 13º lugar.”
Além do mais, é inadequado comparar a agricultura de países de clima tropical com a países de clima temperado, onde a baixa temperatura dificulta a ocorrência de determinadas pragas, acrescentou.
Carbonari argumentou que, dos 32 novos ingredientes que, há cerca de um mês, estavam na fila para registro no Brasil, 29 já são usados em países como os integrantes da União Europeia (que usa 16 dos 32 novos ingredientes a serem analisados pelas autoridades brasileiras), Estados Unidos (19 dos 32), Canadá (19), Austrália (18), Japão (17) e Argentina (15).
Uso cada vez mais reduzido
Segundo o pesquisador da Unesp, a tendência observada é que, com o avanço das pesquisas, os produtos utilizados como agrotóxicos apresentem cada vez menor risco e sejam usados em uma quantidade cada vez menor.
“Entre 2002 e 2015 houve uma redução de 51,91% do risco por hectare, para trabalhadores. Além disso, a quantidade de agrotóxicos usados por hectare no início dos anos 2000 corresponde a apenas 12% do que era aplicado na década de 70. Não se trata de produtos mais concentrados, e sim do ingrediente ativo usado”, disse Carbonari.
Ele lembrou que a evolução da produtividade – crescimento da produção em proporção bem maior do que o aumento da área plantada – foi conseguida com ciência, tecnologia e inovação, o que inclui, também, defensivos agrícolas. “O impacto do agronegócio na balança comercial não seria tão grande se utilizássemos produtos contaminados”, afirmou.
Uma das críticas pontuais foi apresentada pelo diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Renato Porto, e é relativa à divulgação, pelo Instituto Butantã, daqueles que seriam os 10 produtos agrotóxicos mais usados no Brasil. “Dos dez produtos citados pelo instituto, sete são autorizados em todo o mundo. Dos três restantes, um nunca foi autorizado; um foi proibido em 2017; e um foi permitido em 2013, mas com restrições.”
Classificação
Porto negou que as regras quanto ao uso de agrotóxicos tenham ficado mais brandas. “O que mudou foi o critério para a classificação, que passou a diferenciar letalidade de irritação [térmica, cutânea ou oftalmológica]. Esse tipo de classificação é importante porque, se todos os produtos tivessem a mesma classificação, a tendência de usar os piores seria maior.”
A professora da Faculdade de Farmácia da Universidade de Brasília (UnB) Eloísa Caldas acrescentou que “a opacidade ocular [causadas pela má aplicação do agrotóxico na produção], em muitos casos, é reversível” e que “a maioria de mortes [relacionadas a agrotóxicos] se deve à ingestão proposital, ou seja, suicídio, ou acidental envolvendo crianças”.
Segundo a professora, o nível de resíduos nos alimentos no Brasil não tem nada de diferente com relação à Europa ou a outros países. “Em cerca de 50% dos alimentos analisados, nenhum resíduo [de agrotóxico] foi encontrado apesar de eles terem sido aplicados”, disse. “Claro que risco zero não existe com relação a nada, mas posso dizer é que ele é baixo no que se refere ao uso de pesticidas no Brasil.”
Nova metodologia
A fim de dar mais celeridade e melhor definir a ordem de algumas análises de agrotóxicos que já são usados no país, a Anvisa apresentará, em breve, uma nova metodologia para a reavaliação desses produtos, de forma a definir critérios que priorizem a análise daqueles produtos que apresentam maior toxidade.
“Muitas demandas de reavaliação têm sido feitas a pedido do Judiciário. Com isso, a carga por eles imposta dificulta a definição da sequência de análises a serem feitas. Queremos – enquanto Anvisa – ser atores desse processo”, disse Porto.
Decreto
De acordo com o secretário de Defesa Agropecuária da pasta, José Guilherme Leal, será anunciado em breve um decreto com o objetivo aumentar o treinamento de agricultores para o uso de defensivos agrícolas. O decreto está praticamente pronto, informou Leal.
“O decreto tratará de procedimentos a serem adotados pelo aplicador, que deverá passar por um processo de qualificação para aplicar defensivos agrícolas”, disse o secretário. “Será uma espécie de cartilha, com o objetivo de mobilizá-los, com a ajuda de associações de classe, de forma a levar essas informações ao produtor rural”, acrescentou a ministra Tereza Cristina, ao destacar que haverá também um trabalho de fiscalização específico a ser implementado.
“Temos, como exemplo, casos de trabalhadores rurais que fumam sem luva após a aplicação de pesticidas. A ideia é colaborar para uma mudança de cultura dessas pessoas”, completou a ministra.
Fonte: Agência Brasil