Mônica Izaguirre, de Brasília
Os líderes dos partidos aliados ao governo tentarão, nos próximos dias, mobilizar suas bancadas em favor de três alterações na versão de reforma tributária aprovada em novembro de 2008 pela comissão especial da Câmara dos Deputados. Consideradas indispensáveis pelo Ministério da Fazenda, as mudanças foram acertadas em reunião com o ministro da pasta, Guido Mantega, anteontem, e tratam da tributação da cesta básica, da tributação da renda dos bancos e da convalidação de benefícios fiscais mais recentes do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Embora longe de transformar a reforma em ideal aos olhos do Executivo, que ainda prefere o texto original, os "ajustes" com os quais se comprometeram os líderes foram suficientes para que o governo voltasse a trabalhar de fato pela inclusão da respectiva Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nas prioridades de votação da Câmara - como vinha cobrando o relator, deputado Sandro Mabel (PR-GO).
As alterações defendidas por Mantega serão objeto de emenda aglutinativa global revendo, no caso da cesta básica, a isenção de ICMS. A não-incidência do principal tributo estadual sobre alimentos e outros produtos essenciais ao consumo da população foi incluída na PEC a partir de emenda do PSB, durante votação de destaques ao relatório de Mabel na comissão especial. A versão acertada com os líderes anteontem prevê que, em vez de isenção, a cesta básica tenha alíquotas reduzidas na legislação que regulamentá a reforma, unificando nacionalmente as alíquotas por produto.
O ministro justificou que Estados mais pobres não teriam condições fiscais de suportar a isenção, por causa do perfil de consumo de seus habitantes. Quanto menor a renda per capita, maior a participação de itens básicos nas vendas e, por consequência, na base de arrecadação do ICMS. O governo luta, nesse tema, para não perder apoio de Estados mais pobres à reforma, principalmente os do Nordeste. Alguns temem que a isenção da cesta básica neutralize ganhos esperados com a futura nova divisão, entre origem e destino, do ICMS cobrado nas operações interestaduais. A atual versão da PEC, que nesse ponto será mantida, manda que a alíquota na origem, hoje de 7% ou 12%, caia gradualmente, em 12 anos, até se estabilizar em 2%. Assim, o Estado de destino ficará com parte maior do imposto do que fica hoje.
O ministro também solicitou aos líderes inversão do critério de quorum do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz, formado pelos secretários estaduais de Fazenda e presidido pelo ministério) para julgar incentivos/benefícios fiscais de ICMS concedidos unilateralmente pelos Estados após 5 de julho de 2008. Em vez de maioria para derrubar, como decidiu a comissão especial, a emenda aglutinativa proporá maioria dos conselheiros para manter incentivos mais recentes. A mudança pode trazer como efeito colateral redução da resistência de São Paulo - Estado que mais reclama de incentivos alheios - à PEC.
O fim da guerra fiscal entre Estados é um dos pontos essenciais da reforma tributária. Serão proibidos novas reduções e isenções unilaterais de ICMS, hoje largamente usados pelos governos estaduais para atrair investimentos privados. O Ministério da Fazenda entende que, dada a generalização, esse mecanismo não mais estimula investimentos produtivos. Só transfere e ainda prejudica as condições de concorrência econômica.
A comissão especial já tinha definido que incentivos já existentes serão mantidos por até doze anos. Mas para evitar uma corrida de última hora pela criação de novos, colocou na PEC uma data de referência para garantia dessa convalidação (5 de junho de 2008). Os posteriores a essa data passarão pelo crivo do Confaz. É aí que entra a mudança aceita ontem pelos líderes sobre os critérios de aprovação. A Fazenda não quer exigência de maioria do Confaz para derrubar, por entender que isso ainda estimula Estados a aproveitar a defasagem de tempo entre a definição da nova regra (proibição de novos incentivos) e sua entrada em vigor (só quando a Emenda Constitucional for promulgada).
Mantega negociou ainda que a reforma manterá tributação maior e diferenciada para bancos, no caso de tributos sobre renda. Ao retirar do texto original que o futuro novo Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) possa ter alíquotas diferenciadas por setor, a comissão especial impediu que o setor financeiro continue sendo mais tributado do que outros. Isso porque hoje a diferenciação se dá via alíquotas da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (15%, em vez de 9%), tributo que, em princípio, desaparecerá com a reforma. Falta negociar se a diferenciação será mantida pelo resgate da proposta original do Executivo ou pela desistência de juntar CSLL e IRPJ num único imposto.
Guido Mantega assume dianteira das negociações
Cristiane Agostine e Arnaldo Galvão, de Brasília
O governo federal retoma a tentativa de aprovar a reforma tributária com uma agenda que se iniciou na quarta-feira com reunião entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o relator, Sandro Mabel (PR-GO) e os líderes da base aliada e prosseguirá na próxima semana em encontros com a oposição e os governadores. Mantega assumirá a dianteira das negociações pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da reforma tribtutária.
O mais resistente deles, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), já demonstrou sua aversão à retomada do texto patrocinado pelo governo. No mesmo dia da reunião de Lula e Mantega com os parlamentares governistas, o governador demonstrou discordância e disse esperar que a PEC não seja aprovada. "O projeto pega o sistema tributário e piora tudo o que ele tem de pior", criticou Serra na quarta-feira, após reunir-se com Lula. Serra não poupou críticas e disse que a PEC da reforma tributária é "uma das coisas mais horrorosas" que ele já viu e ironizou o texto, ao comentar que "é o Frankenstein do Frankenstein". "Deus do céu!", disse.
A resistência de Serra à proposta é compartilhada por outros governadores e parlamentares. Um dos pontos de discordância é a mudança em relação ao Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias (ICMS) - o governo propor uma lei única. O imposto, que corresponde à maior fonte de receita dos Estados, passaria a ser cobrado no destino das mercadorias. Por isso a resistência dos Estados produtores, como São Paulo e Minas Gerais.
O plano do governo é votar a matéria antes do recesso parlamentar que começa em 18 de julho, independentemente de acordo com oposição e governadores, disse o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS). Na avaliação de Mantega, a proposta de reforma tributária do governo não pode ser desfigurada porque ela é a que faz o país avançar.
"Chegamos à conclusão de que devemos encaminhar a reforma. O governo quer aprová-la, porém que seja de forma consensual com a maioria do Congresso, dos governadores e prefeitos. A reforma tributária tem de se manter íntegra em relação à proposição básica que o governo fez", afirmou Mantega na quarta-feira. Segundo o ministro, as mudanças feitas pelo relator na Câmara, Sandro Mabel (PR-GO), na proposta estão contempladas porque decorreram de entendimentos com vários setores da sociedade.
No Congresso, outro problema pode atrapalhar a votação da reforma tributária: o impasse entre governo e oposição sobre a instalação da CPI da Petrobras e a falta de entendimento dentro da própria base governista para definir o comando da comissão. PSDB e DEM ameaçam obstruir votações relevantes para o governo até que a CPI da Petrobras comece, no Senado.
Os senadores da base aliada e os da oposição não entraram em acordo na quarta-feira e a instalação da comissão foi adiada pela terceira vez. Uma das estratégias do governo é adiar ao máximo o início dos trabalhos da CPI e, se possível, instalá-la depois do recesso parlamentar. O adiamento, entretanto, pode manter o impasse e prejudicar a votação da reforma tributária.
Veículo: Valor Econômico