Aplicação na produção de alimentos deve ser o grande "divisor de águas"

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Com um potencial revolucionário ainda limitado apenas pela imaginação dos pesquisadores, a nanotecnologia terá nas discussões científicas acerca de sua aplicação na produção de alimentos a grande batalha que definirá a velocidade de sua aceitação por consumidores mundo afora.

 

Nada muito diferente da trilha percorrida nas últimas décadas pelos organismos geneticamente modificados (OGMs). Considerados por seus defensores uma extensão natural da Revolução Verde de meados do século passado, os transgênicos começaram a ser adotados comercialmente na agricultura nos anos 90, bem depois que a engenharia genética gerou a insulina humana em laboratório, mas sua disseminação segue cercada de cuidados em diversos países (inclusive no Brasil) - em parte por questões ideológicas e econômicas, mas também por incertezas quanto aos efeitos de seu uso continuado à saúde e ao ambiente.

 

Ao mesmo tempo em que grandes grupos privados ampliam os investimentos - e os "segredos estratégicos" - em torno da nanotecnologia, com agentes públicos como as universidades a reboque, outros grupos independentes já se formam na investigação de seus potenciais e riscos. E, de acordo com muitos desses especialistas, tendem a florescer motivos para preocupações.

 

"O debate não pode ficar apenas em nível técnico", afirma Soraia de Fátima Ramos, pesquisadora do Instituto de Economia Agrícola (IEA), vinculado à Secretaria da Agricultura de São Paulo. Em parceria com Paulo Roberto Martins, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Soraia é organizadora do livro "Impactos das Nanotecnologias na Cadeia de Produção da Soja Brasileira" (editora Xamã, 2009), uma das iniciativas de se chamar a atenção para a revolução que espreita o campo.

 

Lançado com o apoio da secretaria e do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o trabalho foi costurado com a participação dos pesquisadores Richard Domingues Dulley, Elizabeth Alves e Nogueira, Roberto de Assumpção, Sebastião Nogueira Júnior, André Luiz de S. Lacerda e Marisa Zeferino Barbosa. Dulley, aos 70 anos, tem sido um dos principais fomentadores dessa discussão, abastecendo de dados sobre a nanotecnologia figuras atuantes no setor de agronegócios como o ex-ministro Roberto Rodrigues.

 

"São imensos os potenciais para a aplicação da nanotecnologia na agricultura. Passam por embalagens, nanosensores e pelo desenvolvimento de alimentos nutracêuticos, entre outras aplicações. Mas há riscos, e o problema para mensurá-los é a 'invisibilidade' da nanotecnologia, que decorre do fato dela não ter relação com tecnologias do passado", afirma Dulley.

 

Os pesquisadores dividem o avanço da nanotecnologia agrícola em duas frentes: "incremental", onde as pesquisas buscam melhorar o que já existe e o manancial é rico na agricultura de precisão, e "revolucionária", aquela "invisível" que exige mais cuidados e, certamente, investimentos. Segundo Dulley, até 2015 a nanotecnologia em geral terá absorvido US$ 1 trilhão em investimentos anuais.

 

É da frente "invisível" que esta manipulação artificial da matéria na escala das moléculas estudada pela nanociência pode ser surpreendente a ponto de permitir a "conversa do vivo com o não vivo" na forma, por exemplo, de um computador com proteína. Ou na construção de uma fábrica de banana capaz de usar como matéria-prima o quase universal carbono, base da química orgânica presente em todos os seres vivos.

 

Para Soraia de Fátima Ramos, a nanotecnologia não deixa de ser uma evolução de sistemas técnicos, mas no nível mais sofisticado que o ser humano conseguiu chegar até agora. Segundo ela e Roberto de Assumpção, sua difusão criará espaço para uma mudança nas relações de forças geopolíticas e poderá, se não controlada e profundamente analisada, ser o vetor do aprofundamento das desigualdades entre ricos e pobres e entre países desenvolvidos e em desenvolvimento ou subdesenvolvidos.

 

"É preciso perceber que já há produtos [cosméticos, farmacêuticos] no mercado sem sequer estudos toxicológicos suficientemente amplos, e aqui vai um grande alerta", pondera Elizabeth Alves e Nogueira. Conforme Dulley, um país como o Brasil não pode, por exemplo, deixar de levar em consideração suas características, realidades e vantagens naturais.

 

Chega a ser assustador para os estudiosos do IPT e do IEA o flagrante desconhecimento de algumas subsidiárias brasileiras de grandes transnacionais sobre o rumo das pesquisas desenvolvidas por suas matrizes. "Fizemos diversas entrevistas e ficou claro que, em muitos casos, as filiais não sabem sequer que as matrizes têm pesquisas nessa área", diz Dulley. E esse "lego" em escala atômica, reforça, não podem ficar nas mãos de crianças sem orientação.

 


Veículo: Valor Econômico
 


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