Nenhuma reclamação dorme na gaveta

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Ombudsman: Em tempos de consumidores e clientes atentos, profissão ganha espaço nas empresas brasileiras

 

Um ombudsman nunca volta do trabalho tranquilo deixando para trás alguma queixa sem resposta. Esse é seu lema. É ele quem resolve solicitações de clientes, atende a demandas de parceiros comerciais, de órgãos reguladores e de defesa do consumidor e ainda responde cartas enviadas à diretoria e acionistas. A função ganhou atenção nas empresas desde a criação do Código de Defesa do Consumidor- que completou 19 anos em setembro. Segundo a Associação Brasileira de Ouvidores (ABO), há pelo menos mil profissionais registrados em doze Estados e estima-se que outros mil postos foram criados nos últimos dois anos.

 

"A obrigatoriedade da existência de ouvidorias no Judiciário e nos bancos aumentou a procura pelo cargo", analisa o presidente da ABO, João Elias de Oliveira. Hoje, além de coletar reclamações de consumidores, a tendência na área é usar a atividade para corrigir desvios na qualidade de produtos e serviços que possam acarretar danos aos negócios das organizações.

 

Na maioria das vezes, a seleção de um ombudsman é feita dentro do quadro da empresa, sem a ajuda de recrutadores externos, e há preferência por funcionários com mais de dois anos de casa. Para executar bem o trabalho, especialistas afirmam que o profissional deve ter conhecimento dos direitos do consumidor, das normas de conduta relacionadas à atividade da organização onde atua, além de experiência em mediação de conflitos e construção de acordos. "O ouvidor também precisa de autonomia dentro da empresa para coletar subsídios que garantam isenção de análise e alçada de decisão", diz Maria Helena de Oliveira, ombudsman do grupo Icatu Hartford desde 1998.

 

Na verdade, a executiva, que reporta-se ao presidente do conselho de administração, criou a área de ouvidoria na empresa. "Há dez anos, esse tipo de departamento não existia em nenhuma seguradora do país", garante. Antes da Icatu Hartford, Maria Helena trabalhava na área de cultura do setor público- passou pela Prefeitura do Rio de Janeiro e Ministério da Cultura. Formada em história, foi buscar conhecimento na área e garantiu um diploma na International Ombudsman Association (IOA), entidade criada em 2005 para oferecer capacitação e normas de conduta da profissão. Agora, é candidata à primeira certificação internacional do setor, que será realizada em abril de 2010, nos Estados Unidos.

 

Hoje, a missão da ombudsman é cuidar das atividades das ouvidorias externa e interna da Icatu Hartford, que opera com seguros de vida, previdência, capitalização, gestão de recursos e administração de benefícios. Na ouvidoria externa, analisa recursos enviados por clientes que não aceitam decisões prévias da companhia- ou que tenham críticas ao atendimento prestado. Também ouve reclamações de órgãos reguladores, de defesa do consumidor e responde cartas enviadas a diretores e acionistas. O volume de trabalho é grande.

 

No ano passado, tratou de recursos de 507 clientes e, no primeiro semestre de 2009, já se deparou com 260 demandas- entre ligações do Procon e reclamações endereçadas à imprensa. Na ouvidoria interna, presta assistência informal a funcionários, estagiários e candidatos a postos na Icatu Hartford e serve como ponte entre os colaboradores e a empresa. "Trata-se de uma instância isenta que pode facilitar um acordo entre as partes."

 

Para João Elias de Oliveira, da ABO, a demanda pela profissão foi puxada pelo "fomento da cultura da reclamação." Segundo ele, o consumidor brasileiro está aprendendo a exigir seus direitos, enquanto as instituições correm para atender a demanda. "O Banco Central obriga toda e qualquer instituição financeira, desde 2007, a ter ouvidores, com atuação normatizada em relatórios semestrais."

 

A procura por profissionais para desempenhar o cargo de ombudsman começou a engatinhar nos anos 1990. "As estatais e organizações privadas viram que atender reclamações de clientes agregava valor porque o custo das ações judiciais era alto", diz Maria Helena. Ao mesmo tempo, o consumidor vê seu problema resolvido e reforça o vínculo com a companhia.

 

De acordo com a ombudsman, as centrais de relacionamento se multiplicaram, mas por trabalharem com roteiros pré-aprovados e tempo de atendimento limitado, não se transformaram em interlocutores ideais para o cliente insatisfeito ou para uma reclamação mais complexa. "Foi aqui que as ouvidorias ganharam força."

 

Para evitar a repetição de reclamações semelhantes, os ouvidores passaram a pedir alterações nos procedimentos das empresas e começaram a influir no processo de qualidade de produtos e serviços. A legislação brasileira acompanhou o movimento. A partir de 2004, por determinação da Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão regulador das atividades de seguros, previdência e capitalização, houve um incentivo para que as seguradoras criassem ouvidorias. Em 2007, o Banco Central tornou a prática obrigatória nos bancos e já há determinações para o desenvolvimento de unidades em órgãos públicos.

 

As empresas que mantêm o cargo de ombudsman apresentam um bom nível de adesão às práticas de governança corporativa e interesse em aprimorar a qualidade na entrega de serviços e mercadorias. Segundo a ABO, a faixa salarial de um ombudsman vai de R$ 3 mil a R$ 15 mil. As mulheres ocupam a maior parte dos cargos.

 

Há dois meses, a Eurobike, do setor de concessionárias de veículos de luxo e dona de um faturamento de R$ 400 milhões, contratou seu primeiro profissional da área. "A ideia é que a ombudsman se relacione de forma imparcial com os clientes e receba sugestões para melhorarmos o atendimento", diz Henry Visconde, presidente do grupo Eurobike, com operações em cinco cidades.

 

A seleção para o cargo foi feita internamente. Visconde optou por uma executiva da área de marketing, com dois anos de casa, que mostrou facilidade de comunicação, boa capacidade de compreensão e aptidão para trabalhar com clientes de perfis diferentes. "O cargo pode detectar comportamentos e tendências de consumo que ajudarão a empresa na hora de tomar decisões."

 

Para Patrícia Braga, ombudsman recém-empossada na Eurobike, a companhia percebeu a necessidade de criar um canal direto com o cliente para que ele saiba que seus problemas serão ouvidos e levados adiante. "Além dos contatos que recebemos via site e central telefônica, fazemos uma pesquisa de satisfação após a compra de um carro ou depois de uma visita às oficinas", explica. A quantidade de demandas varia de seis a oito por dia e envolve desde problemas com a documentação dos veículos até serviços mecânicos.

 

O trabalho de Patrícia já conseguiu detectar alguns interesses dos compradores. A função de entregador de carros, profissional que recebe o cliente para entregar o veículo e explicar as funcionalidades do modelo, foi desativada em uma loja e houve pedidos para que a facilidade voltasse. "O ombudsman tem de gostar de se relacionar com o público, saber ouvir e ser imparcial", explica. "É preciso discernir se uma demanda é pertinente e avaliar sugestões que possam fazer a empresa rever procedimentos."

 

Na Souza Cruz, o Interaction Center da companhia registra cerca de 700 atendimentos por dia, principalmente de varejistas e consumidores. "Já mapeamos mais de mil FAQs (perguntas e respostas frequentes) que dão agilidade às solicitações", revela Hamilton Duarte, ombudsman e gerente do Interaction Center& Telesales da empresa.

 

Os contatos com a Souza Cruz incluem solicitação de visita de vendedores, pedidos extras, abertura de cadastro para comercialização dos produtos, trocas de mercadoria e até informações sobre a composição da fumaça do cigarro. "Nenhuma demanda fica sem resposta", garante Duarte, há 15 anos na empresa.

 

Antes da Souza Cruz, o executivo trabalhou na área de auditoria de qualidade da Xerox do Brasil. Economista com pós-graduação em marketing, foi responsável pela implementação da central de atendimento da fabricante de cigarros. "O acompanhamento diário das interações registradas na central ajuda a corrigir desvios que possam causar impacto nos negócios e ainda indicar oportunidades de melhoria em produtos e processos."

 

Para Francisco Zapata, diretor de operações e qualidade da Locaweb, que atua com hospedagem de sites e conta com 196 mil clientes, o ombudsman precisa conhecer a empresa a fundo para desempenhar bem a função. "Por isso, sempre usamos os próprios funcionários para o cargo, mais capazes de identificar procedimentos falhos. Nunca tivemos um ombudsman que viesse do mercado."

 

A função existe na empresa há quase dez anos. Desde 2005, a executiva Desirée Nunes ocupa a vaga e responde ao time de qualidade da empresa. "Entrei na companhia para trabalhar no departamento de cobrança, mas sempre demonstrei interesse pela área de ombudsman", lembra. "A tarefa mais importante não é receber reclamações para registros de estatísticas, mas aplicá-las no crescimento da corporação."

 

A equipe de Desirée recebe em média 15 solicitações por dia- como queixas sobre atendimento, sugestões, elogios e pedidos de acompanhamento de problemas. "É cada vez mais importante ouvir o que o cliente tem a dizer. Não só em relação aos serviços que ele contrata, mas sobre o funcionamento geral da empresa, nas áreas de atendimento e produtos."

 

Até organizações de menor porte já aderiram à ouvidoria. Na Elancers, do setor de sistemas on-line para recrutamento e seleção, com faturamento previsto de R$ 5,3 milhões em 2009, o posto existe há quatro anos. "Só se consegue qualidade acompanhando de perto o serviço e o cliente", diz a ombudsman Luciana Tegon, que trabalhou como advogada durante 14 anos e acumulou experiência em conciliação de pessoas e empresas.

 

Atualmente, Luciana atende clientes e outros interessados nos serviços da empresa. Ela também acompanha ações de controle de qualidade dos contratos. A empresa tem 370 clientes com contrato fixo e cerca de 700 companhias usam os produtos da Elancers sob encomenda. "Recebo em média 40 e-mails por dia e 2% são críticas ou casos que preciso averiguar. O restante inclui sugestões sobre melhorias ou dúvidas na utilização dos sistemas."

 

Para a especialista, sempre é importante checar a situação relatada pelo consumidor para saber se a reivindicação procede. "Se o usuário tem razão, deve-se resolver imediatamente o conflito", aconselha. "Cliente satisfeito fala para quatro pessoas que a empresa é boa. O insatisfeito fala para 40 que não gostou do serviço."
 

 

Veículo: Valor Econômico


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