STJ decide que pode recusar desistência se recurso gerar precedente relevante

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Ainda que o Código de Processo Civil não preveja, o Superior Tribunal de Justiça pode recusar um pedido de desistência do recurso quando o tema for inédito e se tratar de caso paradigmático, em assunto de elevado interesse público.

A definição foi feita por 3 votos a 2, pela 3ª Turma do STJ. O colegiado recusou uma tentativa de desistir do recurso especial feita pelo Facebook, empresa dona do aplicativo de mensagens WhatsApp.

A companhia foi condenada em segunda instância a indenizar uma menor de idade que teve fotos íntimas compartilhadas no aplicativo por outro usuário. Ela alega que não tem como removê-las, pois o conteúdo é criptografado de ponta a ponta.

O recurso não foi admitido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o que gerou agravo ao STJ. E acabou distribuído à ministra Nancy Andrighi, que em 20 de setembro de 2024 determinou sua reautuação como recurso especial, para melhor análise.

Cinco dias depois de os autos chegarem ao gabinete da magistrada para julgamento do mérito, o Facebook pediu a desistência. Para ela, há indícios de tentativa de manipulação da pauta, para evitar a formação de precedentes: “O processo cai na minha mão, vem o pedido de desistência”.

Estratagema da desistência

A ministra identificou outros três recursos do Facebook que passaram pela 4ª Turma e tiveram pedidos de desistência homologados. Todos eles tratavam de casos de indenização pela não remoção de conteúdo ilícito — imagens íntimas compartilhadas sem autorização da vítima.

Com isso, a empresa vinha evitando a formação de precedente — o tema permanecia inédito em julgamentos colegiados do STJ até esta semana. Em questão de ordem, Nancy Andrighi propôs a recusa do pedido de desistência.

Ela elencou quatro motivos para recusar o pedido de desistência:

— Por se tratar de tema nunca enfrentado no STJ;

— Por se tratar de processo paradigmático (leading case);

— Por haver indício de estratagema da parte para evitar formação de jurisprudência;

— Por haver forte interesse público no enfrentamento da questão do recurso

“Nessa nova situação de excepcionalidade, desistência a qualquer tempo sem anuência do recorrido a que se refere o CPC deve ocorrer até o sorteio da relatoria neste STJ, justamente para evitar o forum shopping”, explicou.

Forum shopping é a tentativa de um ligitante de levar a causa para um tribunal, um colegiado ou um julgador que lhe ofereça a maior probabilidade de um resultado favorável.

Forum shopping

A recusa proposta pela ministra esbarra no artigo 998 do CPC, segundo o qual “o recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso”.

Nem sempre, porém, o STJ autoriza que essa prerrogativa seja exercida. A própria 3ª Turma negou o pedido de desistência em caso julgado em 2018, que tratava de fornecimento de remédio off label (para usos não previstos na bula) por planos de saúde.

Em outros casos, o colegiado teve posição oposta, inclusive julgando recurso contra decisão de tribunal de segundo grau, que não admitiu a desistência.

A ideia é que considerar que um caso deve ser julgado porque há questões de interesse coletivo equivaleria a criar uma nova espécie de “remessa necessária” fora das hipóteses existentes no CPC.

Em abril de 2023, a 3ª Turma chegou a afetar à Corte Especial do STJ um recurso exatamente para discutir se as partes de um recurso podem desistir dele, mesmo quando esse processo já estiver pautado e pronto para formação de precedente.

Meses depois, no entanto, o recurso foi desafetado e a desistência, homologada. Essa postura foi o que levou dois ministros a divergirem da proposta da relatora: Ricardo Villas Bôas Cueva e Moura Ribeiro.

Como o ministro Humberto Martins votou com a ministra, o desempate coube ao desembargador convocado Carlos Cini Marchionatti, que formou a maioria com a relatora.

Direito da parte

Com a desistência indeferida, o colegiado partiu para o julgamento do mérito do recurso. Na sustentação oral, o advogado do Facebook, Ciro Torres Freitas, dedicou um momento para abordar o tema que fora resolvido.

Ele disse que o pedido de desistência foi apresentado 45 dias antes da inclusão do processo em pauta e que a postura da empresa sempre foi e continuará sendo de máximo respeito e referência à atuação do STJ.

“O direito de desistência está previsto de forma clara e incondicional no artigo 998 do CPC. Não há nenhuma causa capaz de afastar o livre exercício desse direito subjetivo da parte. Esse é o entendimento não só desse tribunal, como dessa turma”, destacou o advogado.

REsp 2.172.296

Danilo Vital – Correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico – 08/02/2025


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