Isso poderá ocorrer durante o trânsito de cargas se um país fizer valer suas regras
Para especialistas, acordo deve definir com clareza a possibilidade de apreensão de produtos legítimos em trânsito por algum país
O texto recém-divulgado do Acta ainda está repleto de indefinições entre colchetes, o que dificulta saber o que de fato entrará na versão final. Nova reunião está programada para Genebra no final de junho, e o cronograma foi acelerado para buscar uma conclusão até o fim deste ano.
Até por isso nenhum dos centros de estudo consultados pela Folha, e tampouco os diplomatas, faz uma estimativa de qual poderia ser o impacto econômico do acordo.
Por ora, duas provisões têm arregalado os olhos dos especialistas. Uma diz respeito a baixar conteúdo da internet.
O texto em circulação prevê responsabilizar os provedores por vigiar o acesso de todos os usuários e repassar dados aos comitês de monitoramento que seriam criados com o acordo, o que os críticos veem como violação de privacidade.
A Justiça então notificaria o usuário. Com três infrações, o provedor seria obrigado a banir o internauta da rede.
"[O acordo] não tem nada prevendo expandir o acesso aos produtos culturais, mas tem provisões para que os países tirem alguém da internet", diz Sean Flynn, do Programa de Justiça da Informação e Propriedade Intelectual, aludindo ao fato de muitos internautas que querem pagar por conteúdo são impedidos por regras de distribuição regional.
O outro ponto de atenção é o controle de fronteiras, especialmente no caso dos genéricos. A versão vazada prevê maior policiamento e faz valer as regras do país em trânsito.
Isso significa que se o Brasil compra uma carga de genéricos da Índia e o navio para na Holanda para fazer manutenção, Amsterdã pode apreender a carga. É exatamente o episódio que ocorreu no ano passado, avalizado pela legislação da UE -que agora será expandida aos outros dez signatários.
"Nossa preocupação é que o Acta cristalize essa posição de apreensão de produtos de comércio legítimo, o genérico, e confunda com medicamento falso", diz Renata Reis, coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual, no Rio de Janeiro.
Segundo diplomatas, um caso assim pode ser levado à OMC. Mas especialistas temem que a dubiedade de fóruns, mesmo que a OMC pese mais por ora, trave o processo.
Pela estimativa mais recente da OCDE (o clube multilateral que congrega 31 países ricos), desde 2007 a pirataria causa prejuízo acima de US$ 250 bilhões ao ano e responde por quase 2% do comércio mundial, uma trajetória de alta contínua desde o início da década.
Os países envolvidos na negociação, capitaneados pelos EUA, argumentam que a OMC e a Ompi não são duras o bastante no combate à produção e à distribuição de produtos falsificados (comerciais ou não).
"A questão aí é o "forte o bastante'", disse à Folha uma fonte familiarizada com a discussão na OMC. "Os Trips lidam com copyright, propriedade intelectual em geral e acesso ao conhecimento, tanto do ponto de vista da proteção como do acesso, e permitem flexibilidade aos membros."
Para o embaixador Rubens Ricupero, ex-secretário geral do Unctad (braço da ONU para comércio e desenvolvimento), o contexto geopolítico hoje deve dificultar o avanço do acordo. Ele lembra de uma situação semelhante com o Acordo Multilateral de Investimentos, que acabou naufragando no meio dos anos 90 ante a falta de consenso dos participantes.
"Isso [impor o Acta a outros países] só seria possível com uma correlação de forças mais favorável a eles [países desenvolvidos]. No passado, os Trips catalisaram a oposição à OMC. Acho que um acordo como esse hoje provocaria reação ainda mais virulenta." (LC e AM)
Veículo: Folha de São Paulo