A forma com que os trabalhadores conseguem o reconhecimento da aposentadoria pode ser alterada e ampliada: a Previdência Social poderá ser obrigada a aceitar decisões da Justiça do Trabalho como meio de reconhecer o tempo de contribuição e de serviço. O ganho é do trabalhador e também das empresas: segundo especialistas, muitas companhias deverão ficar livres de serem chamadas em futuras ações na Justiça Federal de trabalhadores contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
A mudança vai depender da aprovação do Projeto de Lei nº 3.451, de 2008, de autoria do então ministro da Previdência Social, Luiz Marinho. O objetivo é justamente que a Previdência Social passe a computar o tempo de trabalho, para fins previdenciários, a partir de decisões proferidas pela Justiça do Trabalho que reconheçam vínculo de emprego de trabalhadores sem registro na carteira de trabalho e que tiveram seus direitos sonegados.
"A proposta vem suprir uma lacuna muito grande: hoje, o juiz reconhece e executa as contribuições previdenciárias, a empresa paga, mas muitas vezes o trabalhador não tem período de aposentadoria no INSS", afirma Marcel Cordeiro, especialista nas áreas trabalhista e previdenciária do escritório Salusse Marangoni Advogados. Segundo ele, as empresas devem se livrar de figurar em outros processos na Justiça, já que as sentenças trabalhistas servirão de prova para o recebimento da aposentadoria.
O advogado explica que a Justiça do Trabalho reconhece e executa a contribuição previdenciária em dois casos: na sentença condenatória e na homologatória. "Mas isso não é materializado para a aposentadoria. A Justiça não se atém a isso", afirma. De acordo com o especialista, as empresas acabam recolhendo a contribuição, mas, na outra ponta, não há concessão do benefício.
Segundo o texto do projeto é preciso estabelecer mecanismos para que a Previdência passe a aceitar, como início de prova material, as decisões da Justiça do Trabalho em que há o reconhecimento de tempo de serviço mesmo sem a apresentação de documentação dos fatos. Se o texto for aprovado, o artigo 1º da Lei nº 8.213, de julho de 1991, passará a contar com mais três parágrafos. Entre eles, o parágrafos a seguir: "As decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive as referentes a reconhecimento de período contratual, poderão ser aceitas como início de prova material, desde que tenham sido proferidas com base em prova documental, contemporânea aos fatos a comprovar", diz o parágrafo 5º.
A advogada Andréa Vianna, do escritório Luchesi Advogados, destaca o fato de o Poder Executivo querer limitar a eficácia da mudança ao condicionar a aceitação das decisões ao fato de elas serem baseadas em provas documentais. "O juiz tem o poder de avaliar não apenas provas documentais, mas também testemunhais. Ele pode fazer a valoração das provas, pois muitas vezes os documentos nem existem, em casos de trabalho informa, ou são falsos", afirma. "A exigência da prova documental limita a eficácia da decisão", complementa.
O projeto justifica que a prova material é um "dogma", pacificado inclusive na jurisprudência.
A Justiça do Trabalho baseia-se na primazia da realidade, ou seja, o que ocorre na prática, prevalece sobre os aspectos formais (prova documental) que eventualmente os atestem. Já a Previdência afirma que é necessário comprovar os fatos, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento", conforme a Lei 8.213.
Se a necessidade da prova documental for mantida, segundo a advogada, o projeto não trará benefício ao trabalhador.
Andréa Vianna lembra que muitas vezes o trabalhador desconhece que uma sentença que reconheceu o vínculo de trabalho não vai surtir efeito para a aposentadoria. "Depois, existirá uma enorme dificuldade de juntar documentos", destaca. Ela afirma que o Estado, por meio da Secretaria da Receita Federal, não cumpre o dever de fiscalizar os devidos recolhimentos ao INSS. A advogada trabalhista lembra que a mudança é essencial e vai beneficiar milhares de trabalhadores que trabalham na informalidade.
O projeto tramita em regime de prioridade e conclusivo pelas comissões (não precisa ser submetido à votação da Câmara dos Deputados). Atualmente, ele está sob análise da Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), aguardando a apreciação do parecer do relator, favorável ao projeto. Caso aprovado, a proposta irá para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).
Veículo: DCI