Justiça barra pretensão de consumidor contra empresa

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Uma recente decisão da Justiça, ainda difícil de ser concedida, deve animar empresas do varejo. A Turma Recursal de Santos aceitou o recurso de uma grande empresa varejista que atua via Internet e reverteu decisão que a obrigava a entregar um fogão da marca Bosch, que custa R$ 2.099, pelo preço de R$ 2,10, conforme havia sido colocado, de forma errada, no site da companhia.

 

Segundo o advogado Fábio Martins Di Jorge, do Peixoto e Cury Advogados e responsável pela causa, a decisão é rara e deve abrir precedentes. "É importante por mostrar que não deve ser aplicada a letra fria da lei nem sua interpretação literal", afirma.

 

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 35, inciso I, afirma que "se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha, exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade". E é nesse dispositivo que muitos magistrados se baseiam ao proferir as decisões condenando as empresas a vender pelo preço anunciado, mesmo que haja erro evidente.

 

"Cerca de 70% das decisões sobre o tema mandam a empresa cumprir o que foi anunciado", estima Di Jorge.

 

Foi o que ocorreu no caso, julgado procedente pelo juiz do Juizado Especial. O magistrado condenou a empresa, que havia oferecido o reembolso, recusado, a entregar o produto adquirido no prazo de 30 dias, sob pena de multa diária, e ainda ao pagamento de indenização por danos morais de 10 salários mínimos. A empresa recorreu e conseguiu modificar a decisão - a vitória não era esperada pela defesa da empresa. "Geralmente existem decisões bastante austeras em favor do consumidor, mas a discrepância muito grande favoreceu a companhia", diz.

 

Na decisão, a Turma considerou que o anúncio veiculado na Internet, pelo qual a consumidora queria receber um produto com preço quase mil vezes inferior ao original, tinha valor flagrantemente desproporcional e incompatível ao valor de mercado e, assim, era inviável acolher a oferta como válida.

 

A juíza Renata Guidugli Gusmão, relatora no caso, afirmou que o produto ofertado tinha valor irrisório, absurdamente inferior ao valor praticado no mercado e, aos olhos desarmados, desproporcional. "Existe evidente erro no anúncio junto ao site da requerida, não podendo subsistir a decisão de mérito", afirmou, completando que houve equívoco na proposta e o consumidor não pode tirar proveito disso.

 

"O erro foi grosseiro, haja vista a desproporção entre a oferta e o valor real e de mercado do produto, razão pela qual não se cogita da publicidade enganosa", disse a juíza. Segundo ela, para ser enganosa a propaganda deve ser recebida como verdadeira pelo consumidor, o que não foi o caso - na compra, o frete, R$ 84,56, era superior ao do anúncio do fogão.

 

A juíza disse ainda que não está presente a boa-fé objetiva, que deve existir em todas as relações contratuais. "Ainda que subsistam ofertas vantajosas e 'relâmpago', nenhuma delas contempla flagrante desproporção entre o preço real de mercado e o preço ofertado, o que enfatiza a existência de erro escusável", afirmou.

 

A consumidora já recorreu, com embargo de declaração, que não deve ser provido. Depois disso, só cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF), o que não deve ocorrer. "Vão brecar o recurso sobre o preço de um fogão ser julgado pela Corte", diz Di Jorge.

 

Para o advogado, a decisão é importante também por analisar outros princípios, como a ausência de boa fé na compra e o enriquecimento ilícito. "A consumidora teria um lucro absurdo, que o Judiciário não permite."

 

O advogado lembra que poucas decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo reconhecem que a empresa não deve cumprir anúncios com erros desproporcionais. Segundo ele, uma decisão da Justiça do Rio Grande do Sul colocou uma questão matemática: se o produto ofertado estiver custando até 60% do preço real, é razoável que o consumidor considere o anúncio válido.

 

No ano passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também vetou a pretensão de consumidores. Em recurso do Procon, de relatoria da ministra Eliana Calmon, o Tribunal decidiu que a ausência do valor do frete em anúncio de venda de veículo não é propaganda enganosa. No caso, um anúncio da concessionária Asia Motors do Brasil colocava no rodapé e em letras pequenas, que o frete não estava incluso no preço.

 

Um caso famoso na direção oposta foi quando, segundo o advogado, a Casas Bahia, que tinha a campanha "quer pagar quanto?", foi obrigada pela Justiça a vender um televisor por R$ 1.

 

Veículo: DCI


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