A 6ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo anulou uma multa de R$ 158 mil aplicada pela Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-SP) a uma empresa de alimentos por suposta publicidade abusiva. A decisão se junta a outras recentes do Judiciário que derrubam ou reduzem as autuações e, com isso, minimizaram a importância das penalidades do órgão administrativo.
No caso analisado pela Justiça paulista, o Procon se voltou contra a publicidade de uma promoção da empresa realizada em 2007. A peça, voltada para o público infantil, anunciava que, na compra de cinco embalagens de uma linha de produtos e mais R$ 5, o consumidor recebia um relógio de um personagem de filmes de animação. O Procon entendeu que o uso de imperativos como "junte" e "colecione" iam contra o código de autorregulamentação publicitária do Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que chegou a recomendar a suspensão da propaganda.
Além disso, o anúncio violaria o Código de Defesa do Consumidor (CDC) por aproveitar-se da deficiência de julgamento da criança no intuito de promover a venda de certos produtos. Para aplicar a multa, em agosto de 2008, o Procon levou em conta uma estimativa da receita média mensal bruta da empresa em R$ 50 milhões, que não foi fornecida pela empresa.
A empresa entrou então com uma ação declaratória de nulidade para extinguir a autuação ou reduzir seu valor. Ela sustentou que não houve ilicitude e que a multa era ilegal. O Procon, em sua defesa, afirmou que os critérios para a multa foram legais e que o valor era proporcional e razoável.
A decisão, porém, levou em conta um outro aspecto: a ação ajuizada contra a empresa pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP), em julho de 2008. A Promotoria afirmou que a promoção constituía venda casada (violação do artigo 39, I, do CDC), aproveitava-se da inexperiência e deficiência de julgamento da criança e violava o direito da criança ao respeito aos valores e ao desenvolvimento moral.
Segundo o MP, a empresa faturou mais de R$ 1,5 milhão com a venda de produtos da linha. A ação pedia condenação para a companhia não adotar mais a venda casada nem promover publicidade que transmita valores inadequados às crianças. Além disso, requeria o pagamento de metade do faturamento obtido com a venda dos produtos (R$ 785.315,50), por danos difusos.
A ação, no entanto, foi julgada improcedente em primeira instância e aguarda julgamento de recurso do Ministério Público. E foi justamente esse ponto levantado pela juíza Cynthia Thomé, da 6ª Vara, na análise de mérito do caso. Para ela, a decisão judicial proferida na ação do MP também atinge a Fundação Procon. "Não se pode admitir a aplicação de penalidade em questão que está 'sub judice'".
Para a magistrada, "não existe razão para aplicação de penalidade, pois a proteção ao consumidor já foi providenciada, além de implicar em afronta à segurança jurídica". O Procon já entrou com recurso, que espera para ser analisado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
A advogada Julia Affonso Ferreira Mesquita, responsável pelo caso do Tavares, Riemma e Advogados afirma que a decisão levou em conta o conflito entre esfera administrativa e Judiciário. "A Justiça, ao julgar a ação civil pública, diz que não houve publicidade abusiva. E o Procon, órgão administrativo, diz que sim. Há uma briga de esferas, um conflito de atribuições que foi dirimido", diz.
Segundo ela, a decisão minimiza o entendimento do Procon. "Os Procons de todos os estados podem aplicar multas, o que tem o poder de multiplicar uma condenação por 27", acrescenta.
Francisco Fragata Jr., do Fragata e Antunes Advogados, concorda que a competência para a aplicação deve ser definida. "O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deve se manifestar sobre isso mais cedo ou mais tarde", afirma.
Camila Andrade, do JCMB Advogados e Consultores, lembra de um caso em que uma instituição financeira foi multada pelo Procon em R$ 10 mil por uma taxa de R$ 25 cobrada por engano de um cliente. No Judiciário, a penalidade foi reduzida para R$ 5.000. "O Procon não tem competência para fiscalizar a aplicar esse tipo de sanção, que não ainda não segue a razoabilidade", afirma.
Segundo ela, é bastante comum as empresas conseguirem a redução das autuações, mas anulações totais são mais raras. No ano passado, o STJ vetou outra pretensão do Procon.
Em recurso de relatoria da ministra Eliana Calmon, o Tribunal decidiu que a ausência do valor do frete em anúncio de venda de veículo não é propaganda enganosa. No caso, um anúncio da concessionária Asia Motors do Brasil colocava no rodapé e em letras pequenas, que o frete não estava incluso no preço.
Camila afirma que as decisões da Justiça não devem frear ou limitar a atuação do Procon, que mesmo com decisões contrárias continuam aplicando multas relativamente altas. "Mas as sentenças devem começar a pautar o entendimento do órgão para aplicar multas razoáveis e proporcionais à lesão sofrida", diz.
Veículo: DCI