Em São Paulo, atendimento em guichês destinados a idosos, grávidas e deficientes chega a demorar mais do que nos 'convencionais'
'VIPs' também acabam disputando espaço com quem tem prioridade; para especialista, fila reservada é insuficiente
São 11h de sexta-feira no aeroporto de Congonhas, na zona sul de São Paulo, e os guichês de check-in estão lotados, inclusive aqueles em que, por lei, o atendimento deveria ser mais ágil e facilitado: os de quem tem prioridade.
Nesse grupo, estão os maiores de 60 anos, pessoas com crianças no colo, grávidas, deficientes e clientes com mobilidade reduzida.
"É sempre assim. A fila está grande e anda devagar. Penso que esse atendimento teria de ser mais rápido que o convencional", diz Renata Castro, que carregava o filho de dois anos e meio no colo.
Mas não é apenas ali que a lei que manda dar prioridade está guardada na gaveta.
As filas de "atendimento prioritário" em supermercados, lojas de departamento, bancos e repartições públicas também estão entupidas, sobretudo em horários de pico e nos finais de semanas.
Há casos em que as filas convencionais são mais rápidas.
"Várias vezes já desisti de usar a fila prioritária no supermercado por causa do tamanho. Na fila normal, ninguém dá a vez nem os caixas passam a gente na frente, mas vai mais rápido", conta Cybele Schiavon Naldoni, que teve bebê há um mês.
Para a arquiteta Silvana Cambiaghi, secretária executiva na Comissão Permanente de Acessibilidade da Prefeitura de São Paulo, empresas e serviços não podem se contentar em só oferecer um espaço de atendimento reservado.
"Existe um equívoco total na interpretação de dar a prioridade. Quem tem o direito precisa ser o próximo a ser atendido e jamais ficar em uma fila com os iguais. Isso foi uma invenção que começou com os bancos", diz.
Segundo Silvana, o ideal é dar uma senha e chamar a pessoa que tem direito à prioridade para ser atendida em qualquer um dos guichês.
VIPS
Outro problema que afeta o atendimento às prioridades é quando se misturam às filas clientes VIPs, que possuem cartões de fidelidade, ou pessoas que compraram um serviço pela internet -entrada de cinema, por exemplo.
Segundo Carlos Coscarelli, chefe de gabinete do Procon-SP, é possível criar filas para quaisquer públicos, mas é ilegal juntá-los com quem tem direito à prioridade. "Quando se mistura, há pessoas sendo prejudicadas", diz.
Procurada, a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) informou que a lei não prevê tempo máximo de atendimento às prioridades nos aeroportos brasileiros. Já a Apas (Associação Paulista de Supermercados) afirmou que o controle é de responsabilidade de cada rede.
A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) não se manifestou sobre o problema.
ABUSOS
Às vezes, a própria pessoa que tem direito à prioridade abusa da vantagem legal. Acontece, por exemplo, quando um velhinho vai ao banco pagar as contas de todos os vizinhos ou de várias empresas.
E também quando a "prioridade" leva a família inteira para ser atendida antes em restaurantes, bares e serviços.
"É um desvirtuamento do direito e temos que discutir e resolver a questão. Embora apareça como possibilidade de sustento para uma pessoa que não conseguiu garantir sua sobrevivência com dignidade na velhice, não vemos como adequado", diz Marly Cortez, presidente do Conselho Estadual do Idoso de São Paulo.
Faltam denúncias de desrespeito, diz Procon
Em São Paulo, quem fiscaliza o cumprimento das leis que dão prioridade é a Fundação Procon. O órgão, porém, diz carecer de denúncias que relatem locais onde o atendimento não está correto.
"A essência do problema está na má prestação de serviço de forma geral. Quando o número de atendentes, de caixas e de guichês está insuficiente para a demanda geral, vai haver reflexo também para as prioridades", afirma Carlos Coscarelli, chefe de gabinete do Procon-SP.
Para o especialista em direito do consumidor, quando um idoso leva mais tempo para ser atendido do que uma pessoa sem prioridade, está havendo desrespeito à lei.
"Não adianta ter um caixa prioritário. É preciso que o atendimento seja prioritário. Um caixa para 300 pessoas não resolve nada. Quem tem direito à prioridade tem de ser atendido primeiro", afirma.
Em relação a um possível uso abusivo por parte das próprias pessoas com prioridade, Coscarelli diz que só "educação" pode reverter isso.
"O jeitinho brasileiro tem de ser combatido com campanhas que mostrem a razão da lei, que é facilitar a vida das pessoas. Comportamentos assim dão justificativas a quem quer acabar com o atendimento preferencial. Benefício tem de ser usado com bom-senso."
Caso seja flagrada uma fila prioritária que não cumpra a exigência de atendimento rápido, o Procon pode abrir processo administrativo contra a empresa. Caso fique comprovado mau atendimento, pode ser aplicada uma multa de até R$ 6 milhões.
O Procon-SP recebe denúncias pelo telefone 151 e recomenda que reclamações sejam feitas também nos serviços de atendimento ao consumidor das empresas, nas entidades reguladoras de serviços públicos e ouvidorias.
Veículo: Folha de S.Paulo