Proposta entregue ao Senado busca atualizar legislação à era do comércio eletrônico e da disponibilidade de crédito, mas se excede nos detalhes e no paternalismo em caso de superendividamento do consumidor
A reforma do Código de Defesa do Consumidor, que tramita no Senado, é bem intencionada, consolida interpretações e traz novidades interessantes. Mas, de modo geral, chove no molhado, trazendo detalhamentos e novas normas redundantes com a legislação em vigor. Esta é a direção para onde converge a maior parte dos especialistas ouvidos pelo BRASIL ECONÔMICO.
“Nosso código é um dos mais avançados do mundo. Não é necessário criar novas normas, e sim dar efetividade às já existentes” diz Thiago Mahfuz Vezzi, especialista em direito do consumidor do escritório Salusse Marangoni Advogados.
Comércio eletrônico
A criação de uma nova seção para tratar de compras por internet, com identificação mais precisa do vendedor, é uma das boas alterações, diz Vezzi. “De fato, é difícil para o consumidor identificar o fornecedor.” Já a inclusão de punições — suspensão ou proibição de uso do comércio eletrônico—a fornecedores reincidentes em práticas abusivas na modalidade é desnecessária, analisa Vezzi. “O artigo 56 do CDC já prevê essa possibilidade.”
No que diz respeito ao envio de spam (mensagens indesejadas), o sentimento é de que a novidade vema atender a nova realidade vivenciada pelos consumidores. “As alterações se mostram extremamente necessárias, a fim de reforçar a proteção ao consumidor”, diz Eduardo Fernandes, sócio do escritório Fernandes e Pimentel. Mas, frisa, a regra deve ser aplicada não apenas a empresas dedicadas exclusivamente ao comércio eletrônico. “Deve ser aplicada a todas as empresas.”
Superendividamento
A proposta dar um novo tratamento aos casos de superendividamento é bem intencionada dizem os especialistas, ao visar o consumidor leigo e de boa fé que tenha ficado sem possibilidade de de suprir as necessidades básicas, como alimentação, vestuário e moradia. “O ônus dos excessos dos consumidores, porém,não podem ser imputados aos fornecedores”, diz Fábio Korenblum, do escritório Siqueira Castro Advogados.
Com relação à publicidade de crédito “gratuito”, “sem juros”, “sem acréscimo”, novamente, a percepção é de que o tema já é tratado pela legislação. “Essa vedação já existe no CDC atual e pode ser depreendida da interpretação da proibição da veiculação de propaganda enganosa”, afirma Thiago Carvalho, sócio-diretor da Khaddour e Carvalho Advocacia e Consultoria Jurídica.
Ações coletivas
“O trâmite processual, se fosse rigorosamente seguido, já agilizaria o trâmite de todos os processos”, opina Fabiana Trovó, da Morad Advocacia Empresarial. “Até poderia se impor que o trâmite processual para ações coletivas fosse ser cumprido na metade do prazo previsto para ações comuns. Mas é necessária efetiva fiscalização”, completa.
Histórico
O Código de Defesa do Consumidor entrou em vigor há 22 anos. O anteprojeto que o revigora foi elaborado por uma comissão especial de juristas, criada em novembro de 2010 pelo presidente do Senado, José Sarney. Dela, fizeram parte o ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que presidiu o grupo, a coordenadora do Observatório do Crédito do Superendividamento do Consumidor, Cláudia Lima Marques; a professora de Direito Processual Penal, Ada Pellegrini Grinover; o promotor de Justiça de Defesa do Consumidor, Leonardo Roscoe Bessa; o diretor da Revista de Direito do Consumidor, Roberto Augusto Pfeiffer, e o desembargador KazuoWatanab. Benjamin,Watanabe e Ada Pelequini integraram, em 1990, a comissão original que elaborou o projeto do atual CDC (Lei 8.078/90).
Veículo: Brasil Econômico