O ICMS paulista e a tributação dos estoques

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Foi publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo do dia 1º de abril de 2008 o Decreto estadual nº 52.847, de 31 de março, que disciplinou o recolhimento de ICMS relativo ao estoque de ração animal, produtos de limpeza, produtos fonográficos, autopeças, pilhas e baterias, lâmpadas elétricas, papel, produtos de higiene pessoal e contraceptivos recebidos antes do início da vigência do regime de retenção antecipada por substituição tributária para tais produtos instituído pelo artigo 2º da Lei nº 12.681, de 2007. 
 


Não pretendo desenvolver aqui qualquer tipo de questionamento quanto à constitucionalidade do denominado regime de substituição tributária para frente aplicável no âmbito do ICMS. Tal postura deriva fundamentalmente - e por uma questão pragmática - do fato de que o Supremo Tribunal Federal (STF), quando do julgamento, por exemplo, da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.851, relatada pelo ministro Ilmar Galvão, já consolidou o seu entendimento a respeito da constitucionalidade de tal precitado regime sob o argumento principal da existência do parágrafo 7º do artigo 150 da Constituição Federal como sendo o respectivo fundamento jurídico-constitucional de validade material. 

 

Os questionamentos a seguir apresentados coadunam-se com a constatação de ofensas a direitos fundamentais dos contribuintes quando da aplicação do indigitado regime de substituição tributária para frente no âmbito do ICMS - nos exemplos doravante apresentados envolvendo o produto papel, mas que poderiam ser estendidos para quaisquer dos produtos elencados no início desse artigo - através da tributação retroativa, discriminatória e sem amparo legal efetivada pelo já aludido Decreto nº 52.847, de 2008. 

 

Sem maiores delongas, e com supedâneo no já tantas vezes mencionado Decreto nº 52.847, faz-se oportuna a apresentação das seguintes características de tal regime: 1) os substitutos tributários constituem-se, via de regra, nos estabelecimentos paulistas, conforme o caput do artigo 1º do decreto; 2) o ora regime tributário engloba o papel - na dicção constante no item 9 do parágrafo 6º do artigo 1º - constante no estoque existente no final do dia 31 de março de 2008 de tais estabelecimentos paulistas, conforme o inciso V do caput do artigo 1º; 3) o regime tributário sob discussão engloba também os papéis ingressantes no estoque posteriormente ao dia 31 de março de 2008, conquanto que tais papéis tenham sido remetidos para o estabelecimento paulista titular do estoque antes dessa data, como estabelece o parágrafo 5º do artigo 1º do decreto; e 4) tal regime tributário - válido a partir do dia 1º de abril de 2008, conforme estatuído no artigo 2º, faculta aos estabelecimentos paulistas o adimplemento do ICMS em até oito parcelas mensais, iguais e sucessivas, com vencimento no último dia útil de cada mês, devendo a primeira parcela ser recolhida até o dia 30 de maio de 2008, conforme o parágrafo 3º do artigo 1º na redação outorgada pelo artigo 1º do Decreto nº 53.174. 

 

Apresentadas as características gerais do regime tributário em discussão, urge enfatizar que o mesmo pode/deve ser questionado sob a alegação de afronta direta a pelo menos quatro princípios constitucionais tributários de observância obrigatória pela administração pública em sua relação com os administrados/contribuintes. A primeira inconstitucionalidade a inquinar o ora regime tributário consubstancia-se na ofensa ao princípio da estrita legalidade em matéria tributária albergado pelo inciso I do artigo 150 da Constituição. Tal assertiva pode ser comprovada pela constatação de que a tributação, via ICMS substituição tributária para frente, deriva única e exclusivamente do referido Decreto nº 52.847 - ou, em outras palavras, verifica-se que inexiste, seja na Lei Complementar nº 87, de 1996, seja na Lei nº 6.374, de 1989, com as modificações implementadas pela já citada Lei nº 12.681, qualquer previsão a respeito da indigitada tributação dos estoques. 

 

A segunda inconstitucionalidade deriva da afronta ao princípio da isonomia em matéria tributária previsto no inciso II do artigo 150 da Constituição, na medida em que o já referido caput do artigo 1º do Decreto nº 52.847 exclui de tal forma de tributação, sem nenhum tipo de justificativa jurídica plausível, os fabricantes e os importadores de papel. A terceira inconstitucionalidade coaduna-se com a desobediência ao princípio da irretroatividade tributária previsto na alínea "a" do inciso III do artigo 150 da Constituição, na medida em que a exigência do ora ICMS retroage para fatos geradores - existência de papel em estoque - ocorridos antes do início da vigência do precitado Decreto nº 52.847. É importante enfatizar aqui que o Código Tributário Nacional (CTN), ao consagrar no inciso II do artigo 106 a possibilidade de retroatividade de leis tributárias, somente a consagra em benefício dos administrados/contribuintes - é a denominada retroatividade benigna. 

 

Como quarta e última inconstitucionalidade flagrante levada a efeito pela tributação dos estoques instituída pelo Decreto nº 52.847, é de rigor a menção à afronta ao princípio da anterioridade obtido a partir da análise conjunta das alíneas "b" e "c" do inciso III do artigo 150 da Constituição. Admitindo-se que todos os argumentos supra sejam superados - o que se admite apenas para propiciar o debate - ainda assim a presente tributação somente poderia ser implementada a partir de 1º de janeiro de 2009. 

 

Em conclusão, verifica-se que existem - não obstante o eventual óbice a ser superado constante no artigo 166 do CTN - relevantes argumentos jurídicos a questionar, na esfera administrativa ou judicial, a inconstitucional tributação dos estoques concretizada pelo Decreto paulista nº 52.847.(Marcelo Fróes Del Fiorentino)

 

Veículo: Valor Econômico


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