Problemas com alimentos passam a ser mais constantes e levam Anvisa a formular regras específicas para indústrias serem ágeis no recolhimento de produtos inadequados ao consumo
Acostumado a ser convocado para recall de veículos, o consumidor brasileiro começa a conviver, com mais frequência, com um novo chamado: o de alimentos. De acordo com o banco de dados da Fundação Procon-SP, que reúne informações sobre chamamentos realizados desde 2002 – organizados por segmento, tipo de defeito ou marca/modelo –, nos últimos 11 anos foram requisitados mais de 46 milhões de alimentos e bebidas para recall. Entre os produtos afetados estão fermento em pó, bebida láctea, ovo de Páscoa, salgadinho, sorvete, tempero, cerveja e suco à base de soja. De olho nisso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) formulou uma regulamentação específica, submetida à consulta pública por 60 dias, com propostas que endurecem as regras a serem seguidas pela indústria que chamar os consumidores para recalls. Depois da publicação da norma, as empresas terão 180 dias para se adequar ao regulamento.
Entre as propostas do órgão está o envio de um comunicado das indústrias à Anvisa por meio eletrônico em até 24 horas, assim que souberem da necessidade do recolhimento de seus produtos. Também será obrigatória a elaboração e implementação de um plano de recolhimento e da disposição, prontamente, dos registros de distribuição dos alimentos para assegurar a rastreabilidade deles. De acordo com o diretor de Controle e Monitoramento da Anvisa, Agenor Álvares, a norma vai resultar num recolhimento transparente, rápido e efetivo. “O objetivo é que o recolhimento recupere a maior quantidade de unidades dos produtos, inclusive aqueles que se encontrem em poder dos consumidores”, diz.
As propostas da Anvisa surgem depois de problemas recentes em achocolatados, leites e suco à base de soja. O caso Ades, ocorrido em março, foi o de maior repercussão e preocupou consumidores, além de virar motivo de piada nas redes sociais. A causa teria sido uma falha no envasamento ocorrida em março, que fez com que a Unilever Brasil anunciasse o recall do suco Ades maçã, lote com as iniciais AGB 25. De acordo com a empresa, 96 unidades do produto de 1,5 litro teriam sido contaminadas com uma solução de limpeza no lugar do suco, tornando-o inapropriado ao consumo. O alerta do recall se deu porque a ingestão da substância provocaria queimaduras.
Preocupado com a sua alimentação, o músico Matheus Almeida Rodrigues, de 29 anos, conta que depois de praticar esportes sempre tomava o suco e leite de soja Ades, mas que depois que soube do problema suspendeu o uso de produtos da marca. “O recall foi muito sério. A alta mecanização da produção facilita casos como esse e a irresponsabilidade da empresa infelizmente é imperdoável”, diz. Desconfiado, ele trocou o leite de soja Ades por um leite de arroz importado e também começou a fazer o seu próprio suco natural em casa. “Posso controlar as etapas, o que muitas vezes não ocorre com produtos industrializados. Busco receitas na internet e faço minha própria bebida sem conservantes e sem riscos da presença de substâncias perigosas”, destaca.
A estudante Maria Eduarda Peixoto, de 16 anos, que tem intolerância à lactose e era consumidora fiel do suco Ades, também acabou afetada pelo recall. “Fiquei muito preocupada com os lotes que tinha em casa. Fui surpreendida, pois sempre me pareceu a melhor e mais famosa das marcas", lembra. A adolescente pediu à tia, que comprava o produto, para levar de outras marcas, já que não tinha coragem de ingeri-lo depois da constatação do problema. “Fiquei com medo depois do recall. Prefiro não arriscar e troquei de marca”, explica.
FALTA FISCALIZAÇÃO Para Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), os clientes estão cada vez mais reféns de recalls de alimentos e bebidas em função de uma fiscalização deficitária. “Temos poucos fiscais no Brasil para olhar a questão da qualidade e, eventualmente, das fraudes”, diz. Outro problema, segundo Oliveira, é o atendimento considerado fraco pelos órgãos de vigilância sanitária municipais e estaduais, além da falta de agentes da Anvisa nos estados para este tipo de fiscalização. “O consumidor tende a resolver com o supermercado ou com o SAC e acaba não levando adiante e os que levam à vigilância sanitária são informados que não há como fazer testes ou recolher os produtos”, considera.
Nesses casos, mesmo com a resolução por supermercados ou pela própria empresa, o gerente avalia que é importante que o consumidor mantenha a reclamação para que sejam constituídas informações e estatísticas. “O nível de circulação das informações ainda é restrito e é preciso unificar e harmonizar as informações para que haja uma melhoria no quadro.” Quanto à iniciativa da Anvisa, Oliveira avalia que ela reforçará o Código de Defesa do Consumidor ao exigir que a empresa faça alertas que alcancem toda a população. No entanto, ele garante que ela só será realmente eficaz se as informações colhidas forem repassadas aos órgãos, que ainda não estão preparados para reunir os dados dos consumidores e tratá-las.
o que diz a lei
Art. 6º – São direitos básicos do consumidor:
1 – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos.
3 – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
Art. 10º – O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.
Veículo: Estado de Minas