A guerra fiscal entre os estados já não é novidade. Na tentativa de atrair investimentos e, consequentemente, negócios e empregos para a região, diversos estados da federação têm concedido incentivos fiscais para as empresas, mas o maior prejudicado diante deste cenário tem sido o próprio contribuinte. Prova disso é que a advogada Cláudia Maluf, sócia do Demarest e Almeida Advogados, já contabiliza diversos casos em que os contribuintes têm de responder a ações por débitos concedidos unilateralmente por um estado. Um dos seus clientes, inclusive, responde a um processo em que a cobrança gira em torno de R$ 300 milhões.
Segundo ela, uma das empresas que o escritório defende, e que a advogada preferiu não identificar, figura como parte em uma ação interposta pelos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, que questionam o crédito de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) dado a ela por um terceiro estado. "Além disso, este mesmo cliente responde a outro processo. Desta vez, interposto pelo Ministério Público que, também, questionou em juízo o estado que concedeu esses créditos", conta.
Para advogados, é necessário criar uma lei complementar que defina como, quanto e aonde devem ser cobrados os devidos tributos sobre as operações. Especialmente porque, segundo eles, a crise financeira deve provocar ainda mais competição entre os estados.De acordo com Maurício César, do César e Pascual Advogados, a guerra fiscal tende a se acentuar diante da turbulência econômica. "Mas a falta de vontade política e a briga de interesses entre os deputados impede uma legislação que trate especificamente do tema", diz. O advogado explica que a possibilidade de os estados anularem eventuais créditos do ICMS na aquisição de produtos beneficiados com incentivos considerados inconstitucionais tem causado ainda mais problemas ao contribuinte.
Ele explica que, pela lei, somente o Supremo Tribunal Federal (STF) pode conceder um benefício fiscal com base no ICMS porque é matéria constitucional. Entretanto, também está previsto em lei que apenas por meio de um convênio entre todos os estados da federação é possível incluir este tipo de incentivo fiscal. "No entanto, na prática, os incentivos são criados unilateralmente, trazendo uma sensação de impunidade e de insegurança jurídica", diz o advogado.
Marcelo Botelho Pupo, do Queiroz e Lautenschläger Advogados , explica que o que ocorre é que alguns estados como, por exemplo, Espírito Santo, concedem o benefício do ICMS para quem tiver atividades dentro do próprio estado, dando descontos na alíquota do imposto. Entretanto, quando esses produtos chegam a outro estado, como São Paulo, esses créditos são desconsiderados, pois são tidos como inconstitucionais. "O estado de SP glosa este crédito concedido no ES por não admitir que seja usado para pagar impostos no estado paulista. O mesmo ocorre quando se trata do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), já que em São Paulo este tributo é maior que em outros estados."
Para combater esta "guerra", em SP criou-se a Lei 13.296/08, que prevê que os veículos que circulam no estado paulista são obrigados a pagar o licenciamento no próprio estado. O advogado sugere a criação de uma lei complementar que regulamente a cobrança dos impostos estaduais, discriminando, de forma detalhada, como e quanto se deve cobrar. "Quem sai no prejuízo são os contribuintes, porque os incentivos são considerados inconstitucionais e não podem ser usados como créditos posteriores." Os estados foram procurados, mas não se manifestaram até o fechamento desta edição.
Cláudia Maluf diz acreditar que a concessão de benefícios unilaterais com base no ICMS só prejudica o contribuinte, que terá de responder futuramente por esses incentivos em ações judiciais, como já ocorre com clientes da sua banca. Ela aponta, porém, que o grande problema é que os estados deveriam recorrer ao STF para questionar eventuais incentivos dados por outro estado. "Ao invés disso, o estado anula os créditos dos adquirentes, sendo que esses adquirentes nem sempre têm ciência que o benefício fiscal concedido e questionado é inconstitucional", avalia.
A advogada Ana Cláudia Akie Utumi, do TozziniFreire Advogados, afirma que o ponto mais grave nesta guerra fiscal é a vedação ao crédito. "Há algum tempo, diversos estados passaram a vedar o crédito de ICMS que não corresponda a imposto efetivamente recolhido pelo fornecedor no estado de origem, por conta de benefícios fiscais unilaterais", conta. "Assim, ao invés de cada estado ingressar em juízo contra o outro estado, ele prefere glosar os créditos dos contribuintes locais que adquiram mercadorias de fornecedores que disponham de benefícios fiscais unilaterais em seus estados de residência", explica. Segundo a advogada, não se deveria "punir" o adquirente dos benefícios fiscais, mas sim o estado que concedeu o incentivo unilateralmente. "A guerra fiscal representa uma contingência muito significativa para várias empresas brasileiras, que são obrigadas a despender recursos e energia na contestação dos autos de infração que vedam o direito ao crédito de ICMS", diz. "Vale lembrar que, como o ICMS vem destacado na nota fiscal por seu valor integral, aquele que adquire a mercadoria e paga o valor integral dessa nota está pagando também o ICMS ali incluído, de tal maneira que é injusta a glosa dos créditos correspondentes", finaliza.
Veículo: Gazeta Mercantil