A vocação do rodízio de auditorias parece ser mesmo a polêmica e a divergência. No mesmo dia em que o Banco Central muda a regra, adotando a rotatividade das equipes e não mais das firmas, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu suspender o mecanismo até 2011, período em que vai acontecer a convergência das normas contábeis brasileiras às internacionais. Um dos motivos é o fato de que boa parte das companhias teria de trocar de auditor em maio de 2009, o que poderia atrapalhar a mudança contábil. As notícias foram bem recebidas pelos participantes do mercado, que começam a vislumbrar aí a possibilidade do fim da rotação de firmas.
Mas talvez não seja ainda o caso de se animar tanto com essa possibilidade. A CVM avisou que isso não é um prenúncio de que vai rever a regra do rodízio, como tanto queriam as entidades que representam as auditorias e as companhias abertas. Existe hoje uma corrente forte na autarquia que defende que o rodízio trouxe benefícios e acredita que o estudo encomendado à PUC-Rio sobre o assunto demonstra isso. O estudo concluiu que, de 1999 a 2006, o rodízio elevou em 39% a chance de ocorrer ressalvas no balanço e em 6% a divulgação de contas facultativas, o que seria um benefício concreto da rotatividade de auditorias. O rodízio começou como regra para as instituições financeiras em 1996, depois da quebra do banco Econômico. Em 1999, a CVM decidiu seguir as normas do BC e estendeu a troca às empresas.
"Não vamos acabar com o rodízio, pois os benefícios são eloqüentes. O que precisa ser revisto é o custo desse processo e é o que faremos nos próximos cinco anos", disse a presidente da autarquia, Maria Helena Santana.
Porém há quem veja nessa postura apenas uma maneira de "apaziguar os ânimos" e jogar a decisão definitiva para frente ou para simplesmente deixar o assunto esmorecer, num momento em que a CVM está justamente alinhando as regras brasileiras às internacionais, que não prevêem o rodízio de firmas, só o de equipes.
Além disso, em 2011 a composição do colegiado da autarquia será diferente, o que pode significar opiniões também distintas, ainda que o mandato da atual presidente, Maria Helena Santana, vá até 2012.
O superintendente em exercício de normas contábeis e auditoria, José Carlos Bezerra, diz que a medida adotada pela CVM foi conjuntural, uma vez que haverá um momento de muitas mudanças e ajustes nas companhias com a convergência ao padrão contábil internacional. Mas afirma que, com os elementos que existem neste momento, a CVM não está inclinada a mudar a regra definitivamente. Segundo Bezerra, cada instituição tem a sua própria norma, ou seja, o fato de o BC ter adotado o rodízio de equipe não impede que a CVM continue exigindo o rodízio de firmas para as companhias abertas.
Bezerra lembra que a supervisão da CVM e do BC têm bases diferentes. "O Banco Central atua de forma prudencial e tem, por exemplo, a prerrogativa de fazer intervenção em instituição financeira, algo que não está no escopo da CVM pois não há risco sistêmico envolvido."
Bezerra explica que a regra volta a valer depois do fim de 2011. Ou seja, se uma empresa iria completar cinco anos com o mesmo auditor entre 2009 e 2011, a troca deverá ser feita imediatamente depois que acabar esse período em que a rotatividade ficou suspensa. A CVM admite, porém, avaliar aprimoramentos nas regras atuais.
A Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), defensora do fim do rodízio de firmas, elogiou a suspensão anunciada pela CVM. "Existe uma preocupação grande com as mudanças contábeis em andamento e a troca de auditor neste momento seria prejudicial. É um alívio para as empresas essa medida da CVM", disse o presidente da Abrasca, Antonio Castro.
Na semana passada, a associação enviou à autarquia uma dissertação de mestrado, defendida na Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, sobre o rodízio nas instituições financeiras. "A conclusão do estudo é que a troca de auditores no rodízio não elevou o número de ressalvas e ênfases relevantes nas demonstrações financeiras", disse Ricardo Lopes Cardoso, professor que orientou o trabalho.
O estudo envolveu análise qualitativa e quantitativa de 662 pareceres de 99 instituições financeiras, entre os anos de 1997 a 2007. A principal diferença desse trabalho, do contador Fabiano Pereira dos Santos, e o da PUC-Rio é que este último se baseou apenas na avaliação quantitativa dos pareceres.
É na linha de aprimoramento das regras que se posiciona o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). A sugestão que a entidade decidiu inserir no seu código é a de que, após um período de cinco anos com a mesma auditoria, seja convocada uma assembléia de acionistas que representem a maioria do capital social para deliberar sobre a necessidade de fazer o rodízio. "Com isso se cria uma avaliação independente da relação entre auditor e auditado, o que é importante", diz Mauro Cunha, presidente do conselho de administração do IBGC.
A diretora técnica do Instituto dos Auditores Independentes (Ibracon), Ana Maria Elorrieta, aplaudiu a iniciativa do BC de adotar o rodízio de equipes, que aliás já era previsto na auto-regulação da classe. Para ela, a decisão da CVM de suspender o rodízio é sensata e positiva, porém o Ibracon discorda da posição da autarquia em relação aos resultados obtidos pelo estudo feito pela PUC-Rio. "Não podemos concordar com o que diz o comunicado da CVM com relação a evidências da efetividade do sistema de rodízio de firmas", disse ela.
Veículo: Valor Econômico