Varejo disputa vendas de carnes

Leia em 6min 40s

Com queda expressiva nas vendas de carne bovina nos últimos anos, grandes redes de varejo do país partiram para o contra-ataque na tentativa de reaver a participação de mercado de um dos segmentos mais prestigiados nas gôndolas - e responsável por 10% do faturamento de R$ 240 bilhões ao ano dos supermercados.

No centro do embate está a suspensão do recolhimento de PIS/Cofins da cadeia de produção de carne bovina no mercado interno, que transferiu os custos do tributo ao varejo e acabou tirando a competitividade dos supermercados. Por outro lado, os pequenos açougues de bairro, que são beneficiados por um regime diferenciado de tributação, vêm roubando clientes de grupos polpudos como Pão de Açúcar, Walmart e Carrefour.

Segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), as vendas de carnes despencaram até 20% nas grandes redes desde 2010, enquanto que nos açougues o movimento só tem crescido. Mais que isso: além do baque nas vendas, os varejistas alegam que a tributação menor também pode estar incentivando a informalidade na cadeia produtiva da carne, dado o menor poder de fiscalização sobre estes estabelecimentos [ler matéria ao lado].

"O que nós sentimos é que há uma queda nas vendas do setor de carnes nos supermercados e um avanço dos açougues", disse ao Valor Sussumo Honda, presidente da Abras. "Enquanto nossa participação cai, percebemos também o aumento do abate não fiscalizado que parece ser absorvido por esse tipo de comércio [açougues ou pequenos supermercados com alíquota diferenciada de PIS/Cofins]", analisa.

Basicamente, a Lei 12.059, sancionada em outubro de 2009, suspendeu a cobrança das contribuições de PIS e Cofins na cadeia da carne bovina no mercado interno, o que não incluiu o varejo e, portanto, os supermercados. De acordo com o advogado Fábio Calcini, do escritório Brasil Salomão e Mathes Advogados, os supermercados tinham direito ao ressarcimento de um crédito presumido de 9,25% de PIS e de Cofins até a publicação da legislação. Com o novo regime de tributação, os lojistas passaram a ter direito a apenas 3,7% de crédito presumido, sendo que o supermercado é obrigado a repassar integralmente os 9,25% de PIS e Cofins ao consumidor.

Para Honda, da Abras, o novo modelo de tributação fez com que os preços da carne bovina subissem 6%. "E isso se traduz em 25% de impacto na rentabilidade dos supermercados", diz. "Pra resolver o problema do frigorífico, o governo jogou o recolhimento do imposto no nosso colo".

Mas, segundo Calcini, a queixa dos supermercados é legítima. "O supermercado também tinha que entrar na cadeia da desoneração das carnes", afirma, citando o exemplo do segmento de hortifruti, em que toda a cadeia, da produção ao varejo, teve a cobrança da PIS e Cofins suspensa.

O advogado explica que os açougues de bairro ou mesmo pequenos supermercados não estão sujeitos à mesma base de tributação, porque podem ser enquadrados no Simples - sistema que contempla estabelecimentos cujo faturamento anual não ultrapasse R$ 3,6 milhões. No caso das empresas enquadradas nesse sistema, o peso de todos os tributos - e não só PIS e Cofins - ficam entre 4% e 11,61%, a depender do faturamento.

A maior parte dos açougues pode receber os benefícios do Simples. Pedro Cunha, diretor do Sindicato de Comércio Varejista de Carnes Frescas do Estado de São Paulo, afirma que a receita com vendas da maioria dos açougues não ultrapassa R$ 1 milhão. Ao todo, o Estado de São Paulo conta com 37 mil açougues, conforme a entidade de classe. Desse total, 80% faturam até R$ 240 mil por ano, enquanto a receita com as vendas de 18% desses estabelecimentos atinge no máximo R$ 1 milhão. Apenas 2% dos açougues paulistas têm um faturamento superior a R$ 2 milhões.

O presidente do sindicato dos proprietários de açougues, Manoel Henrique Farias Ramos, reconhece o avanço da categoria ao longo dos anos. Segundo ele, a participação dos açougues na venda de carnes no varejo atingiu seu pior momento nos anos 1990, justamente no período de consolidação das redes de supermercados. Naquela década, diz Ramos, os açougues foram responsáveis por apenas 30% das vendas de carnes, muito pouco se comparado aos 70% das décadas de 1970 e 1980. Nos últimos anos, porém, a participação dos açougues voltou a crescer, para os atuais 40%, conforme Ramos.

De acordo com o dirigente, o fator que alavancou o recente crescimento dos açougues não foi a tributação mais pesada de PIS e Cofins sobre os supermercados. "A vantagem do açougue é o atendimento personalizado. No supermercado, você se depara com aquela vitrine e não sabe o que fazer. O supermercado praticamente eliminou o açougueiro", afirma Ramos.

Além do atendimento diferenciado, explica Ramos, os açougues passaram a apostar num modelo de negócios em rede. "Nos últimos cinco anos, os açougues estão recuperando o espaço perdido na competição com uma capacidade de organização mais agrupada, criando escala de compra. Essa é uma tendência que deve se consolidar", diz ele.

De acordo com o presidente do sindicato, a participação dos pequenos açougues, hoje majoritária, deve cair bastante nos próximos anos. E no caso das redes de açougues, o dirigente acrescenta que o impacto da cobrança de PIS e Cofins é tão desastroso quanto para os supermercados. "Nós também pagamos o imposto. Se o PIS/Cofins não for tirado, os açougues vão quebrar", ressalta ele, citando o início de uma campanha para alertar os consumidores sobre as distorções da tributação de PIS e Cofins. "O governo fez uma cortesia com o chapéu alheio, passando a conta para o varejo. Não queremos pagar menos. Queremos equidade", afirmou.
 


Entidade vê estímulo à informalidade


Em meio à guerra do PIS/Cofins entre grandes varejistas e pequenos açougues, na qual um tenta arrebatar mercado do outro, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e seus associados passaram a sugerir que o tratamento tributário diferenciado tem um efeito perverso que vai muito além dos prejuízos econômicos: o aumento da informalidade na cadeia de carne no país.

Segundo a entidade, os supermercados são, por força de escala e compromissos com o Ministério Público, mais capazes de pressionar seus fornecedores a cumprir a legislação fiscal, ambiental e trabalhista, o que faz com que os frigoríficos repassem essas exigências a abatedouros e produtores, provocando um efeito cascata para a produção de uma carne "sustentável".

Já os açougues, em sua maioria pequenos e beneficiados por uma carga de impostos mais leve, não têm esse poder. Em geral, alega o grande varejo, compram de fornecedores menos fiscalizados, onde o rastreamento é ainda muito mais complicado.

"O que se sugere é que uma cadeia paralela de fornecedores está se formando, sem garantias sanitárias, ambientais e fiscais", afirma Fernando Sampaio, diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec). "Mas é impossível atribuir ao PIS/Cofins a informalidade", pondera.

A reclamação não se restringe aos supermercados. Os próprios frigoríficos, beneficiados com a isenção do tributo, reclamam da concorrência desleal. Maior processadora de carne bovina do mundo, a JBS afirma que deixou de comprar animais de áreas irregulares na Amazônia desde que assinou compromissos com o Ministério Público Federal, mas que seus concorrentes não fazem o mesmo. "Essa carne ilegal está chegando à mesa do brasileiro", disse recentemente um executivo da empresa ao Valor. "Não adianta nada a JBS fazer a lição de casa sozinha".

Ninguém se arrisca a dizer com precisão qual o tamanho da informalidade no mercado de carne bovina no Brasil. Governo e mercado costumam repetir que ela gira em torno de 40%, mas esse percentual é só uma estimativa.

Seja qual for o buraco, ele deverá mensurado até o fim deste ano. Pesquisadores da Esalq/USP começaram a trabalhar no que será o primeiro mapeamento sobre a informalidade na cadeia de produção de carne bovina no Brasil. A pesquisa é patrocinada pela Abras, Abiec, varejo e organizações ambientalistas.



Veículo: Valor Econômico


Veja também

Renda maior estimula as vendas do segmento

Negócios cresceram 0,19% em abril.O aumento da renda continua a impulsionar o consumo interno de alimentos, na op...

Veja mais
Vendas do setor supermercadista acumulam alta de 6,08%

  Crescimento ocorreu nos primeiros quatro meses do ano na comparação com o mesmo período d...

Veja mais
Green Rio começa dia 19 no Rio de Janeiro

Evento debate o potencial da economia verde e de mercados verdes para o setor privado e a sociedade, e incentiva a conse...

Veja mais
Abras divulgará principais indicadores do setor amanhã

O presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Sussumu Honda, concederá entrevista...

Veja mais
Abras realizará coletiva de imprensa na próxima terça-feira

O presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Sussumu Honda, apresentará os princ...

Veja mais
Abras participa de Rodada de Negócios e Fórum Econômico Brasil - Itália

É cada vez maior o interesse de empresários europeus, especialmente italianos, no mercado brasileiro. Prov...

Veja mais
Abras realiza reunião do Comitê Jurídico

      O Comitê Jurídico da Associação B...

Veja mais
Sussumu Honda destaca colaboração do setor para o País durante a Apas 2012

O presidente da Abras Sussumu Honda participou hoje do 1º dia do Congresso e Feira de Negócios em Supermerca...

Veja mais
Sussumu Honda participa da abertura da 28ª Apas - Congresso de Gestão e Feira Internacional de Negócios

O presidente da Abras, Sussumu Honda, irá participar da cerimônia de abertura da 28ª Apas - Congresso ...

Veja mais