Um brasileiro entre os melhores das Américas

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Com 19 sommeliers, vindos de 10 países, a cidade de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, está sediando esta semana o 2o Concurso Pan-Americano de Sommeliers, nos moldes do que é realizado na Europa desde 1979. Entre os três melhores classificados está o brasileiro Tiago Locatelli, que disputou o título com um representante dos EUA e uma sommelière do Canadá — infelizmente a final só ocorreriria depois do horário de fechamento desta coluna, mas o resultado poderá ser conferido em www.valor.com.br/cultura/blue-chip.

Esse gênero de competição foi sempre uma forma eficiente de aprimorar o nível dos profissionais que trabalham em restaurantes estrelados, seja por servir de incentivo para se preparar melhor em sua função, expondo-se a testes de alto nível, quanto pela possibilidade de trocar experiências com os demais participantes. Não é por acaso que os europeus “sobravam” nos mundiais da categoria.

No sentido de haver uma melhor integração, foram criadas, há cinco anos, na eleição da ASI, Association de la Sommellerie Internationale, entidade que congrega mais de 50 países, três vice-presidências, Américas, Europa e Ásia e Oceania, descentralizando o poder e criando um canal mais fácil de comunicação entre os filiados. Para cada um desses cargos foram indicados personagens de reputação no setor e trânsito livre em suas áreas de atuação, respectivamente o brasileiro Danio Braga, o francês Serge Dubs e o japonês Shinya Tasaki — os dois últimos, campeões mundiais na categoria.

Seguindo um dos objetivos propostos pela então recém-criada Alianza Pan-Americana de Sommeliers (Apas), presidida por Danio Braga, foi realizado em Buenos Aires, em maio de 2009, oprimeiro concurso reunindo profissionais das Américas — são dois por país —, que teve como vencedora a canadense Élyse Lambert, seguida de sua compatriota Véronique Rivest, e do brasileiro Guilherme Correa. A bem da verdade, já havia sido realizado, em 2004, uma competição abrangendo profissionais do continente americano, na cidade de Reims, sede da maison de champagne Ruinart, que na época patrocinava essas disputas em diversos países europeus. O campeão foi o também canadense Ghislain Caron, o que mostra o adiantado padrão de serviços que o país oferece nessa área e o teórico favoritismo que seus candidatos costumam carregar. É a atual vice-campeã, Véronique Rivest, que tem a incumbência de provar se tal sequência vitoriosa vai se manter — e ela se classificou entre os três finalistas. Tentando quebrar essa hegemonia estiveram presentes candidatos da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Estados Unidos, México, Peru, Uruguai e Venezuela.

Este 2o Concurso Pan-Americano de Sommeliers teve início efetivamente na última terça, dia 23, com uma exaustiva jornada que começou no período da manhã, através da provaescrita dividida em quatro fases. A primeira continha 40 questões teóricas, nenhuma de múltipla escolha, a ser completada em 60 minutos, o que significa 90 segundos em média por resposta. Além de já não dar tempo de pensar muito, cada candidato deve escolher — vale para as provas seguintes do concurso — uma língua diferente de sua língua materna. Se o competidor não sabe é melhor passar para a seguinte — presenciei alguns casos em que passavam para a seguinte, logo depois para a seguinte, numa série razoavelmente extensa.

Tendo em vista que um dos objetivos do pan-americano é fazer com que o nível de conhecimento dos sommeliers das três Américas se aproxime cada vez mais do alcançado pelos europeus, a organização do concurso não facilitou a vida dos candidatos. O exame escrito abrangeu temas variados referentes não somente a vinhos em seu mais amplo contexto, mas também destilados, cerveja, e outras bebidas. Sobre cada assunto, o conhecimento deve se aprofundar e envolver regulamentação, classificação, tipos e elaboração, história, clima, compatibilização com comida e outros detalhes, se já não bastassem estes. Para quem esperava questões concernentes ao Brasil — regiões, cachaça e comidas — enganou-se. Não havia nenhuma, assim como da Argentina, e apenas uma referente ao Uruguai e ao Chile. Em compensação, os concorrentes americanos foram, de certa forma, beneficiados, com três ou quatro pontos bem mais atinentes a eles. Isso gerou críticas generalizadas por parte dos concorrentes.

Apenas para dar noção do grau de dificuldade da prova, havia perguntas como: associar as 12 regiões descritas — nomes que só quem estudou realmente sabe de sua existência — aos países onde se encontram, Bulgária, Republica Tcheca, Hungria, Romênia, Eslovênia ou Eslováquia; responder qual é o nome da cerveja alemã de alta fermentação produzida com dois terços de cevada e um terço de trigo; propor qual entre diferentes chás — Earl Grey, Green tea, Darjeeling First Flush, Lapsang Souchung — se harmoniza melhor (?) com aperitivos, sushi de atum e salmão, pato laqueado e sorvete com limão confit; qual a lista de qualidades importantes que você, como chef-sommelier, procuraria num candidato potencial para o cargo de assistente que você está recrutando; corrigir uma carta de vinhos com rótulos de dez países diferentes — Japão inclusive.

Em seguida ao exame escrito, permanecendo no mesmo local, houve uma prova descritiva de degustação às cegas de dois vinhos, um branco e um tinto, onde o candidato tinha 15 minutos para expor minuciosamente suas características, sugerir as castas que entram em sua composição e de qual região e país procedem, indicando, ainda, temperatura de serviço ideal e pratos adequados para compatibilizar com eles. Na sequência lhes era servido um prato — um involtini, feito com massa de panqueca, em que o recheio levava camarão, e um molho de tomate bem apimentado —, para que comentassem compatibilidades e incompatibilidades de cada um com os dois vinhos anteriores, argumentando tecnicamente suas posições. Um breve esclarecimento meu: embora tivesse camarão, ele estava totalmente ofuscado pelo molho de tomate muito condimentado, que é o dominante da receita. Para tanto, a melhor opção é, ao contrário do que se imagina, o vinho tinto, cujos taninos conseguem equilibrar o sabor acentuado pela pimenta. Essa primeira fase terminava com uma prova de reconhecimento de três bebidas: um destilado de frutas, uma grappa e um malt whisky.

Após um breve descanso e almoço, veio a batalha da tarde. Em duas salas separadas, os candidatos foram submetidos individualmente a provas práticas — sempre se expressando na língua não materna. Na primeira, uma oral de degustação de um vinho branco indeterminado, dispondo de quatro minutos para fazê-lo, seguindo os requisitos necessário, os mesmos, aliás, utilizados pela manhã. Três jurados de peso analisavam o desempenho: Shinya Tasaki, campeão mundial em 1995 e atual presidente da ASI, Gerard Basset, atual campeão, e Michèle Chantôme, responsável pela comunicação da ASI e responsável por todos os antigos troféus Ruinart.

Em outro recinto, procede-se a uma avaliação do serviço do candidato. Nele estava montado um cenário imitando um restaurante, dotado dos mais diversos apetrechos que deveriam ser escolhidos para servir uma mesa redonda com dez pessoas. Indicava-se ao sommelier que a tudo que ele precisava para servir estava na mesa de “mis em place” ali disposta — como não havia decanter significava que essa fase era desnecessária. Para tanto, o tempo concedido era de 3,5 minutos. Vários não conseguiram terminar a tempo.

Embora os procedimentos façam parte de qualquer cartilha de sommelier, notam-se diferenças evidentes no trabalho de cada um. Não só pelo nervosismo do momento, que leva a deixar passar detalhes que deveriam ser executados — apresentar a garrafa, montar o carrinho auxiliar e executar o serviço ao lado do “host” principal, limpar o topo da garrafa e o gargalo, levar a rolhaao cliente, degustar o vinho antes de servi-lo, e tantos outros —, mas também a capacidade e facilidade de se expressar, sua habilidade, destreza e organização, e a procedência de seus comentários. A “pegadinha” da vez — sempre tem uma — era um cesto metálico onde a garrafa deve ser encaixada e daí o serviço todo ser desenvolvido. Alguns nem se deram conta disso, enquanto outros até tentaram, mas era necessária uma certa pressão para que a garrafa se encaixasse, o que fez com que vários desistissem.

Fica a expectativa para o resultado final.


Enotícias

Tiraram o bode da sala. A tão popular expressão é a melhor forma de manifestar a sensação de alívio com a divulgação, na última sexta-feira, dia 19, do acordo celebrado entre os produtores de vinhos brasileiros e as associações de importadores que põe fim ao processo aberto junto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), em março deste ano, onde se pedia para investigar a necessidade de aplicação de medidas de salvaguarda sobre as importações de vinho que, supostamente, estariam causando graves prejuízos à indústria vinícola nacional.

Vale ressaltar o papel da Abras, Associação Brasileira de Supermercados, cujo forte posição no mercado e uma boa capacidade de negociação de um de seus principais diretores, Marcio Milan, ajudou a costurar o pacto.

Foram seis meses de incertezas com notícias sobre a possibilidade de aumento de 27% para 55% no imposto de importação e, até, a imposição de cotas para cada país, o que iria afetar não somente os empresários do setor, mas todos que trabalham na área de restaurantes e consumidores em geral. A rigor, todos saem ganhando, os produtores nacionais inclusive, que passam a contar com o compromisso dos importadores de buscar a ampliação do espaço que os rótulos brasileiros ocupam no mercado.

Isso não implica abrir mão de posição. Significa uma união de esforços para lutar por medidas que beneficiem ambas as partes, como redução de tributos incidentes sobre o vinho, e a promoção de ações conjuntas que visem aumentar o consumo per capita no país - a meta é elevar de 1,9 para 2,5 litros por habitante por ano até 2016. Pode parecer um tanto ousada, mas, além da esperada vinda de turistas estrangeiros para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, um bom programa de divulgação e esclarecimento sobre a função convivial e agregadora do vinho, seus atributos (únicos) à mesa e dos benefícios que o consumo responsável traz para a saúde deve incentivar e aquecer a demanda. Em resumo é um acordo de cooperação que tem como objetivo aumentar o bolo, ao contrário do que havia até agora, em que se brigava para dividir um bolo pequeno.

 

Veículo: Valor Econômico


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