O quarto dia da greve dos caminhoneiros ampliou o número de empresas paralisadas total ou parcialmente em consequência do protesto e intensificou o desabastecimento no comércio. A falta de matérias-primas começou a afetar setores importantes da indústria, como celulose e química. Ontem, o governo anunciou uma trégua com os líderes do movimento, esperando que a situação se normalize nos próximos dias.
Além da prática difundida em muitos setores de trabalhar com níveis baixos de estoques, a expectativa de uma demanda fraca à frente ajuda a explicar o risco de desabastecimento enfrentado por muitas empresas, avaliou o gerente-executivo de competitividade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Renato da Fonseca. Para ele, por não acreditarem numa recuperação mais forte da atividade, muitas companhias preferem não acumular estoques, ainda mais num cenário em que muitas estão endividadas e o custo do capital de giro é alto. A combinação de um fator estrutural - a indústria trabalhar pouco estocada - com um conjuntural parece ter aumentado o impacto da paralisação.
A fábrica da Eldorado Brasil, produtora de celulose da J&F Investimentos e da Paper Excellence (PE), vai operar em ritmo reduzido caso a greve persista. Unidades da Klabin, da Fibria e, da Suzano Papel e Celulose também estariam enfrentando esse problema e a situação seria "crítica", segundo uma fonte. Em alguns casos, o impacto na operação seria iminente. As empresas não quiseram se posicionar imediatamente. A Eldorado produz mais de 1,7 milhão de toneladas por ano de celulose de eucalipto em uma unidade de Três Lagoas (MS). O transporte da madeira a partir de florestas na região para a fábrica está interrompido. Bloqueios proíbem a passagem de caminhões para os terminais portuários, onde ocorrem 90% das movimentações para exportação.
A greve também afetou o transporte de produtos que saem dos polos petroquímicos para os portos e a chegada de matérias-primas importadas às indústrias químicas, segundo a Abiquim (a associação das empresas do setor). A Nestlé informou em nota que, como outras empresas de alimentos e bebidas, enfrenta dificuldades para receber insumos e abastecer suas unidades de produção.
Ontem, o Carrefour decidiu limitar a quantidade de produtos comprados em algumas lojas, especialmente perecíveis - cujos estoques são os primeiros a acabar. O presidente do Carrefour no Brasil, Noël Prioux, disse que a iniciativa, definida para algumas lojas, é uma forma de dar a mais pessoas o direito de comprar os bens de que precisam. Em Ribeirão Preto (SP), uma unidade avisava aos clientes que limita a venda de no máximo "cinco unidades de cada item por compra". Segundo a empresa, o estoque varia de 30 a 40 dias, a depender da mercadoria e, no caso de produtos de alto giro, como itens da cesta básica, de 8 a 10 dias.
No GPA, dono das bandeiras Extra, Assaí e Pão de Açúcar, já faltam itens de hortifrúti nos estabelecimentos. "A partir de hoje [ontem], os estoques de carnes e aves também começam a ser impactados, o que poderá causar faltas pontuais em lojas Extra e Pão de Açúcar", afirmou a varejista, em nota. A greve causa problemas no abastecimento de redes de 14 Estados, segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras).
A direção da Fiat Chrysler Automobiles (FCA) no Brasil determinou a suspensão das atividades de suas fábricas em Betim (MG) e em Goiana (PE) por causa dos bloqueios nas rodovias do país. A montadora espera que as atividades possam ser retomadas na segunda-feira. Nos dias parados, a empresa antecipará o trabalho de inventário de peças e componentes, feito a cada seis meses.
Edmundo Lima, diretor-executivo Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex), disse que grandes redes de moda relataram falta de produtos, principalmente em lojas de shopping centers, que têm menos estoques. Levantamento da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) com associados indicou que cerca de 70% das lojas têm problemas devido ao desabastecimento.
Devido à greve, o faturamento das empresas de revestimento cerâmico caiu 85% nesta semana, segundo o diretor-superintendente da Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimentos, Louças Sanitárias e Congêneres (Anfacer), Antonio Carlos Kieling. A situação ocorre nos principais mercados - interior de São Paulo, Santa Catarina e Nordeste. As indústrias não recebem matéria-prima e não conseguem despachar mercadorias nessas regiões.
O ritmo de produção nas obras da MRV Engenharia foi reduzido em algumas praças, como a cidade de São Paulo, Campinas e o Rio. "Há falta de insumos, principalmente de concreto. As concreteiras estão sem cimento", diz Eduardo Fischer, copresidente da empresa.
A movimentação do porto de Paranaguá (PR) caiu 27% ontem, de acordo com a APPA (Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina). Um dos três berços do corredor responsável pelo escoamento de grãos parou de funcionar. Com isso, o porto teve queda nas exportações de granéis de 85 mil para 60 mil toneladas diárias.
A importação de fertilizantes foi interrompida nos berços de atracação em que o transporte da carga é feito por caminhões - apenas os berços que operam com esteiras seguem funcionando. A movimentação de fertilizantes caiu de 25 mil para 10 mil toneladas diárias.
A Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) pediu que os caminhoneiros liberem cargas com gases medicinais, medicamentos e outros insumos. Em algumas unidades, o estoque de oxigênio usado em cirurgias e pacientes na UTI está no limite, segundo a Anahp, que reúne os 106 maiores hospitais particulares do país. (Sergio Lamucci, Stella Fontes, Alexandre Melo, Marcos de Moura e Souza, Fernando Exman, Chiara Quintão e Cibelle Bouças, com agências de notícias)
Fonte: Valor Econômico