O órgão de regulação da concorrência promoveu audiência pública para analisar como as atividades do setor financeiro são impactadas pela verticalização. No encontro, o economista-chefe da empresa de pagamentos Stone, Vinícius Carrasco, afirmou que a verticalização, associada à concentração bancária, preserva o poder dos bancos dominantes. "Não é claro que haja nenhum ganho de eficiência com a verticalização do setor", disse. Segundo ele, essa característica reduz a competição e gera ineficiência, aumento de custos e atraso de inovação. "Fica difícil que competidores independentes atuem", afirmou.
O presidente da Unecs, Paulo Solmucci, participou do painel que tratou dos efeitos da verticalização sobre a indústria de pagamentos eletrônicos. Com moderação de Carlos Brandt (Deban/Bacen), participam também do painel Vinicius de Carvalho (Bradesco), Vinícius Carrasco (Stone) e Ricardo Vieira (Abecs). Ele agradeceu o avanço do diálogo sobre o assunto orquestrado pelo Banco Central e Cade, que já começa a mobilizar a sociedade civil nessa discussão, "no sentido de darmos continuidade e celeridade à agenda de competividade no setor de meios de pagamento e sistema bancário brasileiro". Solmucci afirmou que a verticalização em si é um mal para lojistas e cidadãos. "Verticalização é ter a mesma turma atuando em tudo quanto é lugar, nas partes do portador, do varejo e do fornecedor. Em cada lugar eles cobram um pedaço". Segundo ele, essa "onipresença" prejudica a entrada de outros players no mercado, e afeta o desenvolvimento de vários setores.
O presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Murilo Portugal, afirmou que é um mito que o setor bancário brasileiro seja mais concentrado e verticalizado do que outros setores ou a média mundial. "O debate correto não é sobre verticalização ou concentração. Não é um mal em si. Os problemas são as praticas anticompetitivas, o abuso de poder de mercado, que, quando ocorrerem, o Cade tem que coibir" disse.
Portugal afirmou que o aumento da competição no setor pode diminuir apenas uma pequena fatia do spread bancário - diferença entre quanto o banco cobra do cliente e quanto remunera pelas aplicações. Segundo ele, 85% do spread corresponde aos custos das intermediações financeiras, enquanto 15% são a margem financeira, que equivale ao lucro dos bancos nas operações. Em nome do Santander, o economista e ex-presidente do Cade, Gesner Oliveira, disse que a verticalização não é uma anomalia e que o Brasil é relativamente pouco concentrado, na comparação com outros setores. "A verticalização pode gerar enormes eficiências", afirmou. "Se ela [verticalização] apresentar problema, os remédios existem".
Em contraponto, Solmucci chamou a atenção para o fato de que o spread bancário brasileiro é sete vezes maior que a média mundial. "Como pode o Brasil pagar 23 vezes mais spread que o Chile? E 57 vezes mais que o Japão?". Ele destacou ainda que, embora a inadimplência do Santander seja a mesma no Brasil e na Espanha, os juros aqui são 10 vezes mais altos. "A gente entende que a verticalização está sim ligada ao spread bancário. O spread é fruto de (falta de) concorrência. Tem outros fatores, mas eles não explicam o fato de ser 57 vezes superior às taxas japonesas, 10 vezes mais que as espanholas", pontuou.
Na audiência, o presidente do Cade, Alexandre Barreto, disse que o Conselho e o BC (Banco Central) estão trabalhando para aumentar a competitividade. Barreto citou casos nos quais os órgãos atuaram nesse sentido, como o processo que culminou no fim da exclusividade, em 2010, entre bandeiras de cartões e empresas credenciadoras. Novos acordos nos anos seguintes, segundo ele, ampliaram a concorrência e criaram a chamada "guerra das maquininhas".
"É importante destacar que a verticalização não é um problema por si só, uma vez que pode gerar eficiências econômicas que podem trazer benefícios ao mercado e ao consumidor. Mas também pode ser fonte de problemas de ordem concorrencial se servirem como instrumento de restrição no mercado", disse. O presidente do Cade defendeu que a melhoria do ambiente competitivo não venha apenas de ações pontuais, mas também de alterações legislativas e de regulação. Uma das investigações em andamento no Conselho, sobre a atuação de grandes bancos, foi aberta após denúncia da fintech Nubank. A companhia afirma que Itaú, Bradesco, Santander, Banco do Brasil e Caixa estariam prejudicando a livre concorrência no mercado de emissão de cartões de crédito.
A cofundadora do Nubank Cristina Junqueira afirmou no debate que o alto nível de verticalização do sistema faz com que a empresa dependa de seus concorrentes. "[Para o serviço de] cartão de crédito, a gente precisa de uma série de serviços que são prestados pelos bancos, que simplesmente nos foram negados durante muito tempo", disse. No encontro, o diretor de Política Monetária do BC, Reinaldo Le Grazie, afirmou que o órgão trabalha para aumentar a concorrência, o que ocorreu, por exemplo, quando a autoridade monetária obrigou que bandeiras de cartões com movimentação anual superior a R$ 20 bilhões permitissem a emissão por qualquer banco.
"Como resultado da regulação e da atuação dos órgãos de defesa da concorrência, saímos de um duplo monopólio para um mercado interoperável, onde mais de duas dezenas de credenciadores podem habilitar qualquer estabelecimento comercial a aceitar as principais bandeiras", disse.
TCC
Durante a audiência, o presidente da Unecs falou também sobre os TCC (Termo de Compromisso de Cessação) firmados pelo Cade, traçando uma comparação com o que é feito em outros países, como os Estados Unidos. "Saiu na semana passada o acordo com as bandeiras (Visa e Master), denunciado pelo setor de comércio e serviços dos EUA, no valor de US$ 6,2 bilhões. O mercado americano é cerca de 10 vezes maior que o brasileiro. Só que esse número (cifra do acordo) é mil vezes maior do que os TCCs que o Cade assinou agora. Tem algo errado na fórmula de cálculo", denuncia.
O termo ao qual Solmucci se refere foi homologado pelo Cade em setembro e estipulou multa de R$ 33,8 milhões para Bradesco (R$ 2,2 mi), Banco do Brasil (R$ 1,9 mi) e Cielo (R$ 29,7 mi) por condutas anticompetitivas. O valor foi considerado muito baixo pelo porte e lucro das empresas envolvidas e pelo potencial de danos causados à sociedade e função dessas práticas protecionistas, como exclusividade na captura de bandeiras, trava bancárias e venda casada.
"Tem alguma coisa estranha em US$ 6,2 bilhões pagos por uma indústria (americana) que já cobra menos spread e taxa, que tem uma concorrência mais ampla que a nossa e ficarmos falando, aqui no Brasil, em alguns milhões de reais. Tem algo acontecendo de erro. Ou a legislação está errada ou o cálculo", afirma.
Fonte: Assessoria de Comunicação da Abrasel
*Com informações da Folha de S.Paulo