Quando vai ao supermercado comprar leite longa vida, o aposentado Aurelino Magalhães, de 85 anos, só compra o produto em que a caixinha leva o código "1" debaixo da embalagem. Assim como ele, muitas outras pessoas continuam acreditando no boato, que vem se espalhando de boca em boca entre os consumidores, e também como se fosse uma "corrente" pela internet já há alguns anos, sobre o modo de processamento do leite longa vida.
O problema maior está exatamente na numeração que o fabricante da embalagem, como a Tetra Pak, imprime no fundo da embalagem. Para esses que acreditam no boato, apenas as caixas de número "1" poderiam ser utilizadas com segurança, porque "foram embaladas pela primeira vez".
Ou seja, o que se propaga entre os mais desavisados é que os demais números (2, 3, 4 e 5) indicariam a quantidade de vezes em que o leite empacotado teria voltado para o produtor e passado por novo processo de embalagem, depois de ter vencido o prazo de validade das vezes anteriores.
Apesar dessa "lenda" ser desmentida e feito o esclarecimento oficial através de cartazes, que algumas vezes são vistos afixados sobre as pilhas de caixa de leite nos supermercados – mas que caem no chão ou são inadvertidamente arrancados no manuseio das embalagens pelos próprios clientes ou funcionários –, a história do reaproveitamento do leite por parte da indústria continua valendo para alguns consumidores.
"A partir do número 2 para cima, o leite pode já ter sido reaproveitado. Quanto maior o número, pior pode ser para a gente. Me disseram isso algumas vezes, já faz bastante tempo, e desde então, presto atenção no código debaixo da caixinha", admitiu Aurelino Magalhães, que fazia suas compras no supermercado Multimarketing, no Fonseca.
O marítimo Jessé Moura dos Santos, de 48 anos, diz não acreditar muito na história, mas, pelo sim pelo não, contou que prefere não arriscar.
"Dizem que é uma lenda, mas mesmo assim a maioria das pessoas compra os que têm o número 1. Até hoje nunca confirmei se esta história é verdade ou não, mas mesmo assim procuro não levar as caixinhas de número 2, 3, 4 e 5", afirmou Jessé.
De acordo com o gerente do supermercado, Paulo César Vieira, muitos clientes ainda reviram as embalagens de leite para verificar se o código é o 1 ou não.
"Acontece, sim. E alguns chegam a fazer uma bagunça danada, revirando tudo, olhando cada caixinha, muito desconfiados. Chegam até, às vezes, a danificar a embalagem. Mas no fim das contas, acabam levando o leite da mesma forma. Eu procuro informar, esclareço, digo que isso é mentira. Mas nem todos acreditam", confirmou o gerente.
Há relatos de consumidores mais esclarecidos que também tentam explicar aos outros, durante a compra, sobre o boato que se criou em torno desses códigos. Mas quase sempre ouvem como resposta: "É verdade, sim, já me disseram".
Alguns até mesmo remexem nos carrinhos de compras dos outros, para saber se existem embalagens com numeração "1" no supermercado, ou ao menos de código menor.
No fim de uma manhã ou tarde, principalmente se for dia de promoção de leite, em vários supermercados são vistas caixas reviradas, retiradas dos amarrados em que são embaladas em dúzia.
Garantia da Vigilância Sanitária
Antes de chegar ao consumidor, o leite longa vida tem sua qualidade controlada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), além de também ser inspecionado pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
De acordo com um dos fabricantes da embalagem, a Tetra Pak, a história que se espalhou, sobre a repasteurização do leite, é completamente falsa e enganosa.
"É impossível que a embalagem seja reutilizada ou que o produto retorne depois de vencido, para nova ultrapasteurização. A legislação brasileira proíbe a repasteurização de leite, bem como a comercialização de produtos vencidos", diz a empresa.
Procurados por O FLUMINENSE, os supermercados Sendas, Extra e Prezunic não autorizaram que fosse feita reportagem sobre esse tema em seus estabelecimentos, alegando que já teria havido esclarecimentos suficientes a respeito do boato e que, se a questão perdura, deve ser abordada pelo fabricante das embalagens.
A assessoria da Associação Brasileira de Supermercados informou que seus representantes estão fora do País e que somente eles poderiam emitir qualquer opinião a respeito do problema.
Embalagem totalmente segura e inviolável
De acordo com a Tetra Pak, os números que vêm abaixo das embalagens são uma simples marcação para controle de produção. A cada pedido de embalagens feito por uma empresa produtora de leite, é gerado um número seqüencial, que serve para o rastreamento da produção. O número que aparece acima deste seqüencial, no fundo da embalagem (1, 2, 3, 4 e 5), é impresso no momento da produção da mesma e refere-se ao posicionamento na bobina de papel.
"Assim como qualquer indústria, controlamos a produção através de números impressos. As embalagens de leite são produzidas em grandes bobinas e, desta forma, são enviadas aos clientes (produtores de leite). Os produtores recebem as bobinas, que são colocadas nas máquinas de envase e formam a embalagem (caixinha), ao mesmo tempo que acontece o envase do produto", esclareceu a Tetra Pak.
Ainda de acordo com a empresa, a embalagem do leite longa vida (caixinha) é composta por seis camadas de proteção, de fora para dentro: uma camada de polietileno para proteger a embalagem contra a umidade externa; uma camada de papel, que confere estrutura e resistência à embalagem; uma camada de polietileno para aderência entre as camadas internas; uma camada de alumínio para evitar a passagem de oxigênio, luz e microorganismos; e, por fim, duas camadas de polietileno, que evitam todo e qualquer contato do leite com os materiais internos da embalagem.
O resultado é uma embalagem que, além de proteger o alimento contra a ação da luz, ar, água e microorganismos, evita que o aroma natural do produto se dissipe, mantendo assim a integridade do alimento por mais tempo.
Veículo: O Fluminense - RJ