O poder de consumo da classe D é um dos fatores que faz com que grandes redes de varejo, em especial as que comercializam eletrodomésticos e móveis, apostem em regiões periféricas de São Paulo (SP) e em comunidades pacificadas do Rio de Janeiro (RJ) para lucrar. Prova disso é o segundo maior player do mercado carioca, a Ricardo Eletro - que está atrás do Grupo Pão de Açúcar (GPA), detentor das marcas Casas Bahia, Ponto Frio e do braço de vendas on-line Nova Ponto.com - que foi a pioneira na região a abrir uma loja na Rocinha, a maior comunidade localizada na zona sul do Estado do Rio.
Segundo Ricardo Nunes, em entrevista ao DCI, idealizador da rede e também presidente da Máquina de Vendas - a maior rede de varejo no número de lojas, e com faturamento de mais de R$ 7 bilhões no ano passado -, atuar em comunidades vistas com um certo preconceito por muitos é igual a vender em bairros nobres. "Estar nessas comunidades não se difere em nada. Os produtos são os mesmos, os bancos que concedem crédito também." A operação Ricardo Eletro surgiu após a fusão com a rede baiana Insinuante, líder no Nordeste do País e que, inicialmente, vendia apenas pelúcias para só depois comercializar eletrodomésticos
Ainda segundo Nunes, a chegada à primeira comunidade pacificada, que conta com a presença de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), foi simples e não houve oposição à criação do ponto comercial. "Percebemos a dificuldade dessas pessoas em adquirir produtos, pois elas são colocadas fora da faixa de consumo. Não tivermos nenhuma resistência para colocar a loja em operação", explica.
Outro ponto de destaque é que, além de facilitar o acesso às compras a este público, as lojas presentes nestas regiões empregam a população que por ali residem. "Nossos colaboradores são das associações de moradores da comunidade", enfatiza Nunes que completa: "O sucesso é tanto, que as lojas Rocinha e Rio das Pedras estão entre as 10 lojas da Ricardo Eletro que mais vendem", diz. A rede que atualmente está apenas no interior de São Paulo, pode ter, em breve, operações na capital paulista e em regiões periféricas da capital.
Rentabilidade
Para Ricardo Pastore, coordenador do Núcleo de Varejo da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP), o interesse dessas grandes empresas em abrir novos espaços nessas regiões, deve-se a dois fatores: econômico e social. "Com o potencial e crescente poder de consumo da classe D, essas empresas apostam nessas regiões para vender produtos. O segundo é o social, você dá acesso a produtos e serviços que antes essa parcela da população não tinha", ressalta o especialista.
Ainda com a experiência de Pastore, chegar a regiões em que não existe lojas e serviços disponíveis como nas favelas e em bairros afastados dos grandes centros, os chamados novos mercados, é o que traz rentabilidade posterior aos empresários dispostos a investir. "Pode ter casos em que um pequeno empreendedor compre produtos por telefone de redes atacadistas como o Makro e o Martins, por exemplo, e revenda os itens aos consumidores dessas localidades", enfatiza.
Outra rede que também está presente nessas comunidades cariocas é a Casa & Video. Ela tem três lojas em comunidades da cidade carioca, sendo uma miniloja no Morro Dona Marta - primeira comunidade pacificada - outra também mini na Mangueira e mais recentemente no Alemão, considerado uma das favelas mais perigosas do Rio de Janeiro. Maior que as demais, com 200 metros quadrados, a rede empregou a tecnologia das etiquetas eletrônicas na comunidade do Alemão (que elimina o uso das tradicionais etiquetas de papel presas aos produtos), sem diferença, enfatiza, na hora de vender e atender as necessidades de consumo da população. "Não existe diferença entre os consumidores, o que se percebe é que em regiões mais pobres eles não têm acesso a muitos serviços, o que os tornam mais carentes", explica Fernanda Correa, gerente de Novos Projetos da Casa & Video. Segundo o especialista em varejo da ESPM, o que vai decidir a compra, no caso das comunidades periféricas e em favelas, é a comodidade. "Essa população vai comprar de forma inconsciente, primeiro por nunca ter tido acesso a esses tipos de produtos e serviço. Segundo, porque o fator comodidade será decisivo na hora de influenciar a compra", diz.
Impasses
Se inserir nesses locais mais periféricos é fácil, o complicado é encontrar espaço físico compatível com o modelo de negócios, é o que explica Fernanda Correa. Segundo a gerente, as lojas trabalham com vendas por encomenda, pois as operações não possuem espaços para estoque.
"Nas comunidades existe a dificuldade de encontrar espaços do tamanho do convencional. Começamos com a loja mini no Dona Marta, que tem 15 metros quadrados, a da Mangueira tem 20 metros, elas são pequenas, mas oferecemos todo o sortimento de uma loja convencional. Trabalhamos com encomendas, pois não temos espaço para estoques", explica.
O especialista em varejo, Ricardo Pastore, enfatiza que, com o espaço pequeno e locais em que a logística é mais complicada que os comuns congestionamentos das grandes cidades, operações que envolvam eletrodomésticos e móveis são as mais viáveis, diferentemente de uma grande rede supermercadista. "A logística de alimentos não perecíveis e a necessidade de constante reposição de estoque não é algo viável em uma região que não está asfaltada, ou ainda tem a necessidade de se implantar soluções de saneamento básico. Atuar nessas condições é bem mais complicado", diz Pastore. Ele diz que comercializar itens como eletrodomésticos, celulares e móveis, é ter o mercado aquecido nesse momento. "Ter lojas que facilitem o acesso ajuda na hora da compra. Outro fator é que antes essas famílias nunca tinham tido acesso a isso. Ao crescerem, se casarem e construir novos espaços, elas vão fazer com que quem investiu tenha retorno assegurado, diz.
Veículo: DCI