A poucos dias da mudança do controle da holding do Grupo Pão de Açúcar, que no dia 22 passa a ser do grupo francês Casino, Abilio Diniz avalia a possibilidade de deixar a empresa por meio de negociação em que ficaria com o controle da Viavarejo e mais uma boa soma pela venda de suas ações. Um dos motivos da insatisfação de Abilio é que, pelo contrato de 2005, o Casino pode comprar a posição de controle com 12% de desconto. O valor das ações da Wilkes, sociedade que reúne Abilio e Casino, é de pouco menos de R$ 5 bilhões. Cada um tem 50%, mas Abilio terá direito a R$ 2,2 bilhões. O sócio que deixa o bloco de controle costuma ganhar bom prêmio, mas quando o acordo com o Casino foi feito esse valor foi pago antecipadamente.
Fundador quer receber valor do novo Pão
Um olhar mais atento sobre as condições estabelecidas entre Abilio Diniz e Casino, no contrato de 2005 que regula o controle do Pão de Açúcar, permite entender porque o fundador da maior rede varejista do Brasil está insatisfeito. E ajuda a explicar como se transformou num conflito a relação que seria "mais um passo de Abilio Diniz para preparar a vida para o futuro", nas palavras do próprio na entrevista à imprensa que anunciou a parceria.
Toda essa dificuldade na relação permite que, visando encerrar as divergências, os sócios negociem o fim antecipado da convivência, algo que ambas as partes desejam. O problema é como e por quanto.
O valor de mercado das ações detidas pela Wilkes, sociedade que reúne Abílio e Casino, está em pouco menos de R$ 5 bilhões. Cada um tem metade do controle.
E o que o filho do fundador da rede de supermercados tem assegurado para si são R$ 2,2 bilhões - a valor de hoje. Mas trata-se de um dinheiro que pode ser embolsado só entre 2014 e 2022. Portanto, o Casino pode comprar toda posição de controle que não possui com 12% de desconto.
É comum que mesmo em parcerias, o sócio que deixa o grupo de controle leve para casa um bom prêmio de controle. Foi assim com a Vivo, na negociação entre Telefônica e Portugal Telecom, e também na Usiminas, com a chegada da Techint. E até mesmo na assunção da Aracruz pela Votorantim Celulose e Papel (VCP).
Nessa operação, porém, o prêmio foi pago antecipadamente. A questão é que quando isso aconteceu, em 2005, o Pão de Açúcar era muito menor e, portanto, as cifras envolvidas também. Por isso, Abilio quer um novo prêmio.
O negócio que levou o Casino ao co-controle do Pão de Açúcar movimentou US$ 900 milhões, há sete anos. Foi uma estrutura que envolvia US$ 400 milhões em dinheiro - usados por Abilio para comprar os imóveis do grupo e, com isso, recapitalizar a empresa e obter uma renda para si com os aluguéis - mais cerca de US$ 300 milhões em ações preferenciais da empresa e ainda US$ 200 milhões em outros títulos conversíveis em ações.
Na época, justamente pelo prêmio envolvido, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) entendeu que se tratava de uma troca de controle e obrigou o Casino a realizar uma oferta pública pelas ações ordinárias da empresa, embora quase não houvesse papéis em circulação na bolsa.
Abilio aceitou o contrato. Pelos valores de então, o Casino gastaria mais US$ 567 milhões para ficar com a fatia que permaneceu com o empresário. O desconto já estava embutido, como compensação pelo prêmio já pago.
Mas nesses sete anos o mundo mudou muito e o Pão de Açúcar, também. E os ventos foram favoráveis ao Casino.
O grupo francês, contudo, não vê a fotografia dessa maneira, pois acredita que fez uma aposta de risco quando entrou na companhia, em 1999, e quando ampliou sua exposição em 2005, indo para o bloco de controle. Tudo isso porque, nessa época, as dívidas pesavam sobre o grupo de Abilio. Os compromissos eram superiores a R$ 1,6 bilhão, para uma receita líquida anual de R$ 13,5 bilhões - R$ 18,5 bilhões, quando corrigidos pela inflação.
De lá para cá, a economia mundial foi chacoalhada pela crise financeira internacional de 2008, originada pela excessiva alavancagem em torno das hipotecas americanas. A Europa não é mais sinônimo de economia madura e segura e o Brasil ganhou projeção internacional. Todos querem colocar um pé aqui para apresentar a seus acionistas uma exposição a um mercado de crescimento.
Enquanto o eixo da economia global era sacudido, colocando o Brasil em evidência, o Pão de Açúcar mais do que dobrou de tamanho em receita e hoje seu valor de mercado é R$ 19,7 bilhões, ante os R$ 6 bilhões da época do acordo, em 2005.
A frustração de Abilio em deixar o negócio para o Casino é justamente o Pão de Açúcar de hoje, que passou por uma ascensão quase meteórica.
Depois dos anos de aperto, em especial, os último cinco anos foram de rápida expansão, a ponto de permitir que a próxima fronteira vislumbrada pelo empresário brasileiro fosse a internacionalização dos negócios, a partir do grupo que ajudou a fundar.
Esse era o sonho que estava por trás da proposta de comprar o Carrefour e que causou a discórdia com o Casino. O próximo passo almejado por Abilio se tornou um problema principalmente porque, com ele, não mais precisaria mais entregar o controle ao Casino. Novas bases seriam criadas para a relação, de forma que seu poderes voltariam a se igualar ao do grupo francês.
Para Abilio só isso poderia vir depois da compra do Ponto Frio (Globex) e do ícone do varejo de eletroeletrônicos, a Casas Bahia. E ambos os passos foram feitos sem que a companhia tivesse que desembolsar mais de R$ 500 milhões, pois as ações - desde então já valorizadas na bolsa - foram importante moeda de pagamento.
O grupo, com isso, além de dobrar de tamanho, também diversificou seus negócios e ampliou a participação na venda de eletroeletrônicos, atento à forte expansão imobiliária do país - que puxaria outros segmentos da economia, como linha branca, linha marrom e eletrônicos. Atualmente, se considerada uma companhia de varejo "multiformato", que emprega 150 mil pessoas.
O Pão de Açúcar, que já sofreu com a dureza dos posicionamentos de Abilio junto aos investidores e as dívidas do passado, tornou-se uma das empresas preferidas dos aplicadores da BM&FBovespa.
Essa mudança de patamar do Pão de Açúcar é que o faz com que Abilio busque novas bases para sua saída, embora nunca tenha formalmente solicitado a revisão das cláusulas do contrato que estabelecem o valor de sua fatia.
Dois meses após 22 de junho, quando o Casino pode assumir a maioria do conselho de Pão de Açúcar, Abilio precisa entregar o controle por US$ 10,5 milhões - participação que vale em bolsa cerca de R$ 120 milhões. Depois, entre 2014 e 2022, se a parceria durasse tanto, poderia vender o restante de suas ações em Wilkes por uma fórmula matemática ou 91,5% do valor de mercado das ações preferenciais - podendo receber em ações ou em dinheiro - o que for maior.
A fórmula matemática não está vantajosa, pois é balanceada por múltiplos das hoje descontadas empresas americanas e europeias do setor. Portanto, o que o empresário brasileiro tem em mãos vale menos do que a cotação de mercado - daí os R$ 2,2 bilhões.
Tudo indica, porém, que Abilio conseguirá o que o Casino vem repetindo que ele já recebeu: prêmio de controle. Por isso, os mesmo ventos que foram favoráveis ao Casino no cenário podem empurrá-lo para comprar seu sossego.
É possível que ele consiga continuar no setor, com Ponto Frio e Casas Bahia, na empresa denominada ViaVarejo - e capitalizada.
Assim, o Pão de Açúcar do Casino pode não ser o mesmo de hoje.
Sem saber o que esperar para o dia 22 de junho ou depois, o mercado começou recentemente a atribuir um desconto para os papéis. A companhia, que já chegou a valer mais de R$ 23 bilhões, perdeu quase 15%. Caso Abilio e Casino não cheguem a um novo acordo, o empresário também terá de limitar sua disposição para discordar dos planos do grupo francês: seu lastro no papel e na vida real está todo em ações do Pão de Açúcar.
Sereno, Abilio vê saída como moeda de troca
Hoje, Abilio tem dito que, ao contrário do que alguns pensam, ele já queria ter negociado uma solução com o sócio francês Casino antes mesmo do dia 22
Há uma semana, o Grupo Pão de Açúcar quase fechou uma de suas maiores aquisições dos últimos anos, a rede Tenda Atacado, com 17 lojas e vendas de R$ 1,6 bilhão. Chegou muito perto, mas o negócio não foi concluído e os bastidores dessa aquisição ajudam a entender como andam as relações entre o principal acionista da empresa, Abilio Diniz, e o sócio francês Casino - a 16 dias da mudança no Grupo Pão de Açúcar, cuja holding será controlada pelos franceses após o dia 22.
Aos fatos: após analisar estudos internos, Abilio concluiu que a compra da rede Tenda ou uma expansão orgânica dariam quase no mesmo - em termos de investimento e de projeção de crescimento. Foi então que, para chegar à palavra final, o assunto foi levado pelo comando do Grupo Pão de Açúcar ao Casino, o sócio de Abilio, com quem tem uma relação (para dizer o mínimo) intranquila há meses. Abilio confessou aos mais próximos que era favorável à aquisição. E o Casino, que estava ciente da posição de Abilio, foi contrário. Acharam que não era a melhor estratégia e o projeto morreu ali mesmo. Oficialmente, Abilio e Casino não se manifestam sobre o assunto.
A ideia era anunciar a operação em 29 de maio, data da profusão de operações informadas antes das mudanças nas regras da lei de concorrência. Essa divergência recente entre as partes, e até então desconhecida a respeito desse negócio, foi comentada pelo próprio Abilio Diniz com interlocutores mais próximos. "Eles simplesmente discordaram", disse Abilio a um amigo. Procurado, o empresário não fez comentários.
O centro da questão entre os sócios vai além dessa desconfortável discordância. Abilio tem comentado que está tranquilo e mais sereno hoje, absorveu parte do desgate dos conflitos com o sócio - eles enfrentaram sérias rixas públicas no ano passado - mas se mostra visivelmente preocupado com os primeiros passos do Casino logo após o grupo francês assumir o controle do negócio. Tem falado que não aceitará "truculências" e "desrespeito" a ele e ao grupo de diretores que colocou lá dentro, segundo amigos antigos e assessores ouvidos pelo Valor nas últimas semanas.
Abilio estuda a possibilidade de deixar o grupo e sair do Pão de Açúcar por meio, por exemplo, de uma negociação em que ele fica com o controle da operação de eletroeletrônicos Viavarejo e sai com uma boa soma de recursos com a venda de suas ações, em valor a ser definido. Há diferentes hipóteses, essa é só uma delas. Mas de qualquer forma, ele pode fazer o que quiser a partir daí porque, em qualquer conversa, a cláusula de não-concorrência teria que ser banida de um eventual acordo, na visão dele. Não há informações de que o Casino aceitaria isso. A maneira de fazer a saída é uma conversa que empacou há pelo menos dois meses.
Hoje, Abilio tem dito que, ao contrário do que alguns pensam, ele já queria ter negociado uma solução entre os sócios antes mesmo do dia 22. Também conta que consegue visualizar, "sem sofrimento", diz um amigo, a empresa com ou sem ele nos próximos anos. Também conta que não sente que uma eventual saída possa ser um sacrifício - palavra quem nem gosta muito.
"O Pão de Açúcar está em mim, como estava em meu pai. Eu não vou deixá-lo se sair daqui. Ele vai comigo", disse ele a um amigo de longa data. "A saída dele é um trade off [compensação]. É um perde e ganha. É assim que ele vê. Se ficar insustentável a permanência dele, a ponto de afetar a companhia e ele mesmo, não há sentido ficar", conta um antigo conselheiro. "E ele não quer ficar lá dentro e fazer a vida de ninguém, nem do Naouri [Jean-Charles Naouri, presidente do Casino] um inferno".
Mas tem um ponto aí que abre espaço para uma possível convivência - talvez a única questão que não deixa completamente afastada a hipótese de que Abilio permaneça no grupo. O empresário tem comentado que até pode permanecer na companhia se não precisar conviver com Naouri. E "conviver" é a palavra chave em suas falas a amigos. "Não preciso ficar do lado dele o tempo todo", teria comentado. No entanto, ainda não tem muito claro como e se isso será possível. Em parte, porque para ele, a relação entre ambos é uma incógnita - algo que deve ficar mais claro depois que os franceses assumirem o controle.
Nesse processo ainda sem definições, interlocutores próximos a Abilio contaram ao Valor como tem sido, nos últimos meses, o cotidiano do empresário de 76 anos, há quase 20 anos no comando (ou no conselho) da maior rede de varejo do Brasil. Um dos exercício que fez foi de não se ater ao desgaste dos últimos meses para enfrentar melhor esse processo. "Ele se voltou mais para a família, para os filhos pequenos [Miguel e Rafaela, de 2 e 5 anos] e para o curso que dá na FGV. Também avançou no livro que está fazendo. Isso ajuda a colocar as coisas em perspectiva", disse um ex-executivo e amigo.
Nos últimos seis meses, Abílio esteve na Austrália, e em Miami, nos Estados Unidos, em viagens com a mulher, Geyse, para descanso por alguns dias. Ainda passou por Boston, também nos EUA, no mês passado para conhecer novos modelos de varejo. Tem muito a ver com a forma como Abilio mudou - e ele tem repetido na última década que é "outro Abilio". Diz que ouve mais, fala menos, é mais humilde (sem ser modesto) e doma sinais de sua passada arrogância. Uma antiga frase dele expressa bem isso. "Antes, ele dizia que se fosse virar numa rua à esquerda ou à direita, não entendia porque teria que dar seta. Ninguém teria que saber para onde estava indo", conta um ex-executivo. "Ele sabe que essa postura não tinha sentido", conta um colega antigo.
"O Abilio de 20 anos atrás poderia não engolir a seco algumas coisas que ele teve que engolir nos últimos tempos", conta essa fonte. A vida após o sequestro nos anos 80 e a reestruturação da companhia na década seguinte tem relação direta com essa transformação.
Nessa tentativa mais recente de organizar ideias, Abilio analisa o que passou após a fracassada tentativa de fusão com o Carrefour em comparação com a quase quebra da companhia nos anos 90. "Não dá para comparar. Naquela época, o Pão de Açúcar poderia desaparecer, foi muito pior", disse a uma fonte. Também não acha comparável a questão com a dura briga dele com a família nos anos 90. Essa análise prática tem a ver com a forma como Abilio sempre pensou. "Ele não age no calor da emoção, por impulso", diz um amigo.
E faz, poucas vezes, uma avaliação crítica do que passou. Para poucos, ele comenta que teria sido negligente e ingênuo na relação com Naouri. E tirou isso como aprendizado.
Veículo: Valor Econômico