Ao mesmo tempo que negocia sua saída do grupo Pão de Açúcar, o empresário vai diariamente ao escritório e se reúne com executivos da empresa que comandou durante décadas.
Todo dia ele faz tudo sempre igual. Às 5h30 da manhã, Abilio Diniz já saiu da cama. Às 6 horas, chega à academia de sua mansão, no Jardim América, na capital paulista, para se exercitar. Por volta das 7 horas, toma um café da manhã frugal. Duas horas depois, está entrando na sede do Pão de Açúcar, na avenida Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo, a maior rede de varejo brasileira, fundada por seu pai, o imigrante português Valentim dos Santos Diniz. No interior do prédio, senta-se à mesma mesa que ocupa há décadas, em uma sala dividida com 12 diretores-executivos, exatamente à frente de Enéas Pestana, CEO da empresa.
Paradoxo: Diniz quer sair do grupo e Casino não faz questão de sua presença, mas ambos não conseguem chegar a um acordo.
Às segundas-feiras, chega mais cedo para participar da reunião plenária, um encontro dos altos executivos da companhia com a gerência. Raramente deixa o prédio, onde dispõe também de uma sala privativa, no segundo andar, para almoçar. Desde 1999, faz aulas de francês. A prática do idioma começou justamente quando se associou ao grupo varejista Casino, da França. Essa rotina, seguida há décadas por Diniz, mantém-se praticamente intocada, desde que passou o controle do Pão de Açúcar ao grupo francês Casino, em 22 de junho deste ano. Na terça-feira 6, Diniz deu o passo que faltava para concretizar a transferência de controle. Ele notificou o grupo varejista francês de que exercerá a opção de venda de ações ordinárias da Wilkes, a holding que controla o Pão de Açúcar.
Com a venda de 2,4% do capital, pelo valor de US$ 10,5 milhões, o Casino passa a deter 52,4% da Wilkes. Diniz ficou com 46,6%. Se não o fizesse até 22 de agosto, o Casino assumiria o controle com a compra de uma ação por apenas R$ 1. Com a transferência desse primeiro bloco, o empresário brasileiro garante também o direito a uma nova opção de venda que poderá ser exercida em oito anos após 2014. Nessa ocasião, ele poderá se desfazer de todos os seus papéis. A transferência de controle do Pão de Açúcar seguindo todos os rituais do contrato, sem nenhuma disputa nos tribunais, pode sugerir que Diniz e Jean-Charles Naouri, CEO do Casino, fumaram o cachimbo da paz. A normalidade, entretanto, é aparente.
O empresário brasileiro e o seu sócio francês vivem atualmente um estranho paradoxo. Diniz já manifestou várias vezes que não pretende mais permanecer no Pão de Açúcar, no qual ainda é o presidente do conselho, mas com poderes restritos para decidir questões executivas. O Casino, por sua vez, também prefere vê-lo longe do negócio. Mesmo assim, os dois lados não conseguem chegar a um acordo para que Diniz deixe o grupo varejista e mude sua rotina de vez. O nó a ser desatado para viabilizar a partida de Diniz é mais complexo do que possa parecer. As negociações entre os dois sócios, que estavam paralisadas no mês que antecedeu a passagem do controle, intensificaram-se nas últimas semanas.
"Agora, o Casino está disposto a negociar”, diz uma fonte ligada a Diniz. Em média, os assessores financeiros Ricardo Lacerda, da BR Partners, que representa o Casino, e Pércio de Souza, da Estáter, pelo lado de Diniz, encontram-se ou conversam por telefone duas vezes por semana. As negociações avançam na direção da saída de Diniz do grupo. A principal alternativa em avaliação é a compra de sua participação. Há variações de valores, mas os números em discussão oscilam entre R$ 7 bilhões e R$ 8,5 bilhões, que incluiriam as ações ordinárias do Pão de Açúcar, com um prêmio sobre o seu valor de mercado, as ações preferenciais e os 60 imóveis de Diniz, que abrigam lojas do Pão de Açúcar, de acordo com fontes ouvidas por DINHEIRO.
O que está emperrando as tratativas neste momento é a exigência do Casino para que Diniz cumpra a cláusula de não competição, estabelecida no contrato de 2005. “Não é nenhum segredo para ninguém”, diz uma pessoa ligada ao empresário brasileiro. “Abilio já deixou claro que não pretende se aposentar.” Essa disposição de Diniz fez com que os negociadores do Casino passassem a estudar alternativas para evitar que o ex-dono se transforme em um concorrente direto da empresa. Uma das opções em análise é a criação de uma conta na qual seria depositada parte do dinheiro que ele receberia com a venda de sua participação, algo como R$ 2 bilhões. Esse valor só poderia ser sacado por Diniz depois de alguns anos, desde que não criasse ou se associasse a algum negócio concorrente.
“Os valores que estamos discutindo são suficientes para que ele compre o controle do Carrefour, se quiser”, lembra uma fonte do Casino. O valor de mercado do Carrefour, segunda maior rede global de varejo, é hoje de € 10,8 bilhões. Em 2008, quando a Blue Capital, que controla o Carrefour com 14% dos ações, fez seu investimento no grupo francês, seu valor girava em torno de € 30 bilhões. Não é preciso ser um matemático para saber que seria necessário € 1,5 bilhão (R$ 3,7 bilhões) para ficar com uma fatia de 15% da varejista francesa. É por esse motivo que a compra do concorrente costuma ser lembrada como uma opção de saída de Diniz para resolver sua parada com o Casino.
Competição: Casino até aceitaria Diniz à frente da ViaVarejo, de eletroeletrônicos,
mas não com rede concorrente de supermercados.
O empresário brasileiro nunca deixou de manifestar que a união do Pão de Açúcar com o Carrefour era um bom negócio, mas diz a pessoas próximas que não sabe se há espaço para voltar à mesa de negociação. “Desde então muita coisa mudou”, diz uma fonte ligada a Diniz. “Eles trocaram o CEO e estão em fase de reestruturação.” De fato, em maio, o executivo Georges Plassat, que já foi CEO do Casino na década de 1990, assumiu a direção do Carrefour no lugar do sueco Lars Olofsson. Fontes do Carrefour, em Paris, afirmaram à DINHEIRO que a Plassat acredita que Diniz esteja comprando ações na bolsa parisiense junto com o BTG Pactual. Tanto Diniz quanto o banco negam a informação.
Outra alternativa na mesa de negociação é Diniz ficar com a rede da ViaVarejo, que reúne a Casas Bahia e o Ponto Frio. O negócio de eletroeletrônicos não representaria uma concorrência direta ao ramo de supermercados. O receio de ambas as partes torna as negociações lentas, arrastadas e difíceis. “Preferimos um leão enjaulado a um solto que possa voltar-se contra nós”, diz uma fonte do Casino. Enquanto negocia sua saída, Diniz segue sua rotina na companhia. Fala diariamente com todos os executivos e acompanha atento aos principais indicadores econômicos do Pão de Açúcar. O clima interno, porém, está mais tenso. Em pelo menos duas ocasiões, as divergências de concepções entre Diniz e Naouri provocaram ruídos.
O primeiro episódio envolveu a contratação do executivo Christophe Hidalgo para a diretoria financeira. Hidalgo era o diretor financeiro da Êxito, rede de varejo da Colômbia, controlada pelo Casino. Nesse caso, Diniz discordou do processo, pois não seguiu os ritos anteriores de recrutamento – embora ele tenha participado das entrevistas para escolher o diretor. No segundo caso, as conversas foram mais tensas. A discussão, em reunião do conselho de administração e do comitê de recursos humanos e remuneração do Pão de Açúcar, foi motivada pela proposta de nova política de retenção de executivos. De acordo com informações que vazaram, os executivos terão direito a bônus de três salários anuais, se cumprirem determinadas metas.
Embora não tenha votado contra a medida, Abilio e sua mulher, Geyse, que também é conselheira do Pão de Açúcar, chegaram a discutir com o presidente do Pão de Açúcar, Enéas Pestana, segundo relato feito à DINHEIRO. Pestana, visto como homem de confiança de Diniz, recebeu carta branca do Casino para definir as regras de remuneração variável dos executivos, fato que desagradou seu ex-mentor. Nos dois episódios, Diniz deixou claro qual será o seu comportamento à frente da presidência do conselho do Pão de Açúcar. Ele irá agir como um acionista ativista, aquele que cobra que todas as regras e ritos sejam cumpridos até a última vírgula – algo que o próprio Naouri sempre soube fazer com maestria.
“Ele será extremamente formalista”, afirma uma fonte ligada ao empresário brasileiro. Mas, embora possa provocar barulho, Diniz sempre será voto vencido no conselho de administração e não terá autonomia. É por esse motivo que ele gostaria que as negociações de sua saída avançassem mais rapidamente, encerrando, de vez, esse capítulo de sua vida. Capítulo, aliás, que falta para pôr o ponto final em sua biografia, que será publicada pela editora Sextante. O livro, escrito pelo jornalista Luís Colombini, deveria ser lançado em agosto. Mas foi adiado à espera da conclusão da fase Pão de Açúcar na vida de Diniz.
Veículo: Revista Isto É Dinheiro