Com comunidades pacificadas, Casas Bahia e Ricardo Eletro já disputam o cliente da Rocinha, maior favela da zona sul do Rio, e preveem lojas no Complexo do Alemão nos próximos meses; redes de franquias também avaliam potencial das favelas
A busca das empresas de varejo pelos consumidores das classes C e D se intensifica. No Rio de Janeiro, a nova fronteira são as comunidades carentes onde as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) estão instaladas e, aos poucos, um ar de normalidade substitui o cenário de traficantes circulando armados pelas ruas.
A Casas Bahia inaugurou ontem sua primeira filial na Rocinha, mais conhecida favela do Rio - com 69,3 mil habitantes, segundo o Censo de 2010. Chegaram ao local já encontrando uma concorrente: a Ricardo Eletro, instalada há um ano na maior favela da zona sul carioca.
O grupo Viavarejo, dono da Casas Bahia, do Ponto Frio e dos sites de comércio eletrônico dessas redes, já negocia um ponto comercial para uma loja no Complexo do Alemão, zona norte do Rio, onde uma UPP foi montada em abril do ano passado.
Segundo o presidente do conselho de administração da Viavarejo, Michael Klein, estar próximo do consumidor facilita a vida da clientela. "Na medida em que temos a loja mais próxima da residência do cliente, ele pode fazer as compras sem gastar com condução", disse Klein, na festa de inauguração da unidade de 1.427 metros quadrados.
Freguesa da rede e moradora da Rocinha, a aposentada Maria de Lourdes de Oliveira, 63 anos, usava com mais frequência as lojas de Copacabana, na zona sul, e da Barra da Tijuca, na zona oeste. "Vou direto na loja de Copacabana, mas aqui é muito melhor."
Para Klein, além da estratégia da proximidade, juros em queda e a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a linha branca e móveis impulsionam as vendas. Sua estimativa é de crescimento de 9% a 9,5% no quarto trimestre, em relação a igual período de 2011. Para o ano, o crescimento das vendas pode chegar a 8%.
A filial da Rocinha foi a 16.ª inauguração da empresa no ano. Contando a rede Ponto Frio, a Viavarejo inaugurou 23 unidades. Segundo Klein, entre 10 e 12 lojas ainda serão abertas até o fim do ano.
No entanto, a estratégia também inclui desafios. A nova loja da Rocinha funciona com gerador de energia, por causa da falta de capacidade da rede elétrica. No Complexo do Alemão, a empresa vai reforçar a segurança para evitar furtos de material de construção durante a reforma necessária para a inauguração.
A Ricardo Eletro abriu sua loja na Rocinha em outubro de 2011, um mês antes da megaoperação de ocupação que abriu espaço para a UPP na comunidade. Em dezembro, a filial foi assaltada. Mas a rede mantém a estratégia de se aproximar do consumidor, com uma filial também em Rio das Pedras, comunidade na zona oeste, e previsão de chegar ao Alemão em 2013.
"A entrada da Casas Bahia na Rocinha vai melhorar (as vendas na região). O consumidor gosta de ter uma segunda opção", afirmou Ricardo Nunes, presidente da Máquina de Vendas, grupo dono das redes Ricardo Eletro e Insinuante.
O executivo ainda vê muito potencial de consumo no País. Segundo Nunes, a Máquina de Vendas deve crescer de 4% a 4,5% em vendas neste ano, considerando apenas as mesmas lojas. O faturamento do grupo deverá fechar o ano em R$ 9 bilhões - em 2011, foram R$ 7,2 bilhões -, incluindo a aquisição da Salfer, rede com presença na região Sul do País e 178 unidades.
Franquias. As redes de franquia também veem potencial nas comunidades. Quatro marcas - Mega Matte, Spoleto, Spa da Sobrancelha e o curso de inglês Yes - farão palestras em parceria com a Associação Comercial e Empresarial do Novo Alemão (Acenape). Uma das metas, diz Fátima Rocha, presidente da ABF no Rio, é buscar possíveis interessados em abrir unidades.
'Contrato é para ser cumprido', diz Klein
O próximo presidente da Viavarejo, no lugar de Raphael Klein, será definido em reunião no próximo dia 21, para tomar posse no dia seguinte. O nome será indicado pelo Grupo Pão de Açúcar, controlador da holding, na qual os Klein são sócios minoritários.
Ontem, Michael Klein, presidente do conselho da Viavarejo, classificou o processo de sucessão como "natural", e afirmou que os contratos serão cumpridos, negando rusgas numa disputa entre os sócios que se arrastaria desde a fusão, em 2009.
No mês passado, as notícias eram de que a família Klein queria voltar à mesa de negociação para rediscutir a fusão. O problema estaria relacionado a indícios de erros "relevantes" nas demonstrações financeiras do Ponto Frio usadas pelo Pão de Açúcar na fusão com as Casas Bahia, a ponto de alterar a composição acionária da empresa - os Klein têm 47% e o Pão de Açúcar é majoritário, com 53%.
O Grupo Pão de Açúcar afirmou, posteriormente, que não havia nenhuma irregularidade no balanço do Ponto Frio.
Oficialmente, Michael Klein descartou disputas e negou que haja negociação para um novo acordo de acionistas. "Não tem nada sobre isso. É tudo especulação. Contrato é para ser cumprido. Estamos com um contrato bom, acreditamos no contrato, confiamos nos sócios e estamos seguindo como manda o figurino", afirmou.
Veículo: O Estado de S.Paulo