Depois de enfrentar ventos e tempestades dos mercados por um longo período, o Carrefour vive atualmente momentos de bonança. As águas mais calmas e os sinais de prosperidade no horizonte são devidos ao novo capitão do grupo, Georges Plassat. Apenas seis meses após assumir a presidência da segunda maior varejista mundial, sua estratégia de redesenhar o mapa geográfico do Carrefour, vendendo inúmeros ativos, começa a dar frutos.
O grupo quer se concentrar nos países onde é líder ou tem perspectivas de assumir a liderança. Na prática, o objetivo do Carrefour é relançar suas atividades na Europa ocidental (sobretudo na França e na Espanha, respectivamente primeiro e terceiro mercado do grupo) e expandir seus negócios no Brasil (que ocupa a segunda posição no ranking) e na China, onde prevê abrir 24 hipermercados em 2013, após 21 inaugurações neste ano.
O anúncio sobre a aceleração dos projetos na China foi feita, aliás, logo após os recentes rumores, desmentidos pelo Carrefour, de que a companhia China Resources, de Hong Kong, poderia fazer uma aliança com o grupo francês ou adquirir uma participação no capital da varejista.
Para investir nos países considerados estratégicos, o Carrefour precisa, claro, levantar recursos. E Plassat não perdeu tempo na faxina dos ativos: após ceder sua participação majoritária na Grécia - onde o grupo passará apenas a receber "royalties" pelo uso da marca, que continuará a existir - e anunciar o fechamento no fim deste ano de seus hipermercados em Cingapura, duas operações que não resultaram em entrada de dinheiro no caixa, o Carrefour vendeu nas últimas semanas suas filiais na Malásia, na Colômbia, e mais recentemente, na Indonésia.
No total, o grupo já conseguiu € 2,8 bilhões com as vendas de filiais, que surpreenderam não apenas em razão da rapidez com a qual foram realizadas, mas também devido aos montantes obtidos. "Ninguém esperava esse número de cessões em tão pouco tempo", disse ao Valor Pierre-Edouard Boudot, analista do banco Natixis.
Além disso, a venda "surpresa" da filial na Colômbia, por € 2 bilhões, demonstra que os ativos do Carrefour, apesar dos problemas enfrentados na Europa em razão da crise, têm sido subvalorizados pelos mercados, diz ele.
Nos últimos seis meses, desde que Plassat- que também foi presidente do rival Casino, dono do Pão de Açúcar, e é famoso por ressuscitar empresas em dificuldades - assumiu o comando do Carrefour e começou a pôr em prática seu plano, as ações do Carrefour já tiveram valorização de 36,3%.
Parte dos recursos obtidos com a venda de filiais serão usados para abater a dívida do grupo, de € 6,9 bilhões no fim de 2011. Segundo analistas, Plassat deve ir bem além dos anúncios já feitos: a expectativa é de que as operações na Turquia, Polônia, Romênia e Taiwan também sejam vendidas.
"Não temos mais os meios para nos dispersarmos. A questão consiste em saber qual deverá ser o nosso território a médio e longo prazos, onde devemos concentrar nossas munições", declarou Plassat ao jornal "Le Monde" em agosto, em uma das poucas entrevistas que concedeu à imprensa até agora. Ficou bem para trás a época de Daniel Bernard, que presidiu o grupo entre 1998 e 2005, e acelerou sua expansão internacional.
O encerramento de atividades em países emergentes, com forte potencial de crescimento, pode parecer estranha e mesmo um tiro no pé. Mas analistas afirmam que o Carrefour não tinha outra escolha. "O grupo é obrigado a se separar de alguns mercados em crescimento para reduzir sua dívida e investir em países como a China, o Brasil e a França", afirma Magali Dubreil, analista da Planet Retail, com sede em Londres.
"Essa estratégia é um mal necessário. Nos últimos anos o grupo se dispersou por todos os lados e agora vai se concentrar nos países onde seu faturamento e fatias de mercado são importantes", diz ela.
"O Carrefour não precisa estar presente na Colômbia ou em Taiwan. É até melhor dessa forma. O Casino também concentra suas atividades em um ou dois países nas regiões onde atua", diz Boudot, do Natixis.
Segundo ele, o Carrefour "entra em um círculo virtuoso". Mas os analistas ressaltam que por enquanto apenas o "mais simples" foi feito, ou seja, a venda dos ativos. Os problemas estruturais do Carrefour, no entanto, continuam: o grupo é extremamente dependente de seus hipermercados na Europa, que representam 64% de seu faturamento no continente (na França é pouco mais da metade).
Além da crise no continente afetar as vendas, o próprio modelo desse tipo de loja está em declínio em razão da mudança de hábitos do consumidor nos países ricos, que passaram a privilegiar os supermercados de bairro e compras de produtos não alimentares pela internet. "Os hipermercados vão se adaptar, é uma certeza. Sua função está mudando", já afirmou Plassat.
"As dificuldades do Carrefour são as mesmas. O que mudou é que agora o grupo tem recursos para fazer as reestruturações necessárias na França e na Europa", afirma Boudot. Nos cálculos do Natixis, o Carrefour precisaria investir entre € 1 bilhão e € 1,2 bilhão para relançar as atividades do grupo no continente.
Esse processo passa pela redução dos preços ao consumidor e também pela renovação e modernização das lojas para tentar atrair novamente a clientela aos hipermercados. Na França, o Carrefour tem uma imagem de cobrar preços mais altos do que o dos concorrentes. Para reverter isso, o grupo lançou recentemente agressivas campanhas publicitárias, comparando seus preços aos dos rivais.
Plassat fixou o prazo de três anos para a recuperação do grupo varejista. Para muitos, ele é visto como a "última esperança" do Carrefour.
Veículo: Valor Econômico