Entrevista com Eneas Pestana - Presidente do Grupo Pão de Açucar

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Apesar do interesse dos Klein na rede, Pestana - presidente do Grupo Pão de Açúcar - diz que, hoje, não trabalha com a possibilidade de ficar sem a empresa


Presidente da maior rede varejista do País, Eneas Pestana trabalha há um ano e sete meses no meio de um fogo cruzado. De um lado, está o empresário Abilio Diniz, que o contratou em 2002, apostou em sua carreira e mais tarde o promoveu a principal executivo do Grupo Pão de Açúcar. Do outro, está o francês Jean-Charles Naouri, que comprou o controle da companhia das mãos do próprio Abilio e hoje é o chefe de Pestana. Sócios há 13 anos, os dois agora se detestam e mergulharam num enredo de intrigas e provocações.

Apesar do clima hostil, Pestana e seus executivos conseguiram blindar os resultados do Pão de Açúcar esse tempo todo. Em dois anos, o lucro líquido da companhia dobrou. "Minha orientação ao time é sempre a mesma: foco na companhia", afirmou Pestana, na primeira entrevista que concedeu sobre o assunto. "Respeitamos os acionistas e entendemos que eles podem resolver suas questões sem a participação do management. Não estamos convidados a participar dessa discussão e, proativamente, não vamos fazer um autoconvite."

Casino e Abilio Diniz brigam desde 2011, quando o empresário negociou uma fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour. Os franceses enxergaram no movimento uma tentativa de atropelar o acordo que no ano passado deu ao Casino o controle do Pão de Açúcar. Abilio sempre sustentou que só estava tentando aproveitar uma boa oportunidade.

Ao contrário do que se imaginou no começo da briga, Pestana passou de uma gestão para outra sem traumas - pelo menos até agora. Discreto e metódico, ele é fã de motocicleta e de parques de diversão. Já foi tenente da cavalaria do Exército, jogador de vôlei e teve um pequeno escritório de contabilidade. Começou a carreira no varejo na década de 80 como controller do Carrefour no Brasil. Antes de mandar seu currículo para o Pão Açúcar e ser chamado para o cargo de diretor financeiro, passou pela GP Investimentos e foi vice-presidente dos laboratórios DASA.

Este será o primeiro ano completo do Casino no controle do Pão de Açúcar. O que muda em relação à fase Abilio?

Do ponto de vista de gestão, não muda nada ou não se pretende mudar. Se mudar, vai ser por outras razões que não estão ligadas a essa questão. O Casino entrou aqui em 1999, muito antes de mim. Independentemente da troca de comando, eles já estavam compartilhando as decisões há muitos anos.

A família Klein quer comprar a Via Varejo e Abilio já chegou a discutir a possibilidade de ficar com a empresa para deixar o Pão de Açúcar. Faz sentido o GPA sem a Via Varejo?

Eu administro o GPA como ele é hoje. Não tenho oficialmente nenhuma informação de venda, aquisição ou qualquer transação que envolva a participação e o controle que temos na Via Varejo. Nunca recebi carta, e-mail ou proposta nesse sentido, nem quais seriam as condições. Evidentemente que, se houver alguma alteração, vamos fazer os ajustes necessários. Mas hoje temos planos estruturados que incluem Via Varejo. Não é possível responder a uma pergunta como essa sem saber o que vem em troca. Se vier um outro ativo, vou estudar. Se não, vai faltar um pedaço importante do grupo porque investimos muito na Via Varejo.

Como vocês fizeram para que a disputa entre Abilio e Casino não interferisse na operação do Pão de Açúcar?

Assumimos um papel de neutralidade, profissionalismo absoluto, com foco na companhia e no que interessa à ela. Respeitamos os acionistas e entendemos que eles podem resolver suas questões sem a participação do management. Não é ignorar o que está acontecendo, mas esse é um assunto que os acionistas estão resolvendo, diz respeito a eles. Não estamos convidados a participar dessa discussão e, proativamente, não vamos fazer um autoconvite. Minha orientação ao time é sempre a mesma: foco na companhia. Por isso, nos impusemos metas desafiadoras de crescimento e retorno que ocupam completamente nosso tempo. É isso que interessa aos acionistas e a nós, porque dependemos desse trabalho para viver.

Os funcionários não questionam o que está acontecendo ao acompanhar essa briga pelos jornais?

Como presidente da companhia, eu fico mais próximo a essa questão. Meu time está preocupado com o dia a dia. Varejo é acordar cedo e trabalhar duro o dia inteiro porque as margens são muito baixas. No GPA, vendemos R$ 57 bilhões por ano para ter um lucro relativamente pequeno, então não há espaço para distração. Tanto que estamos vivendo isso há mais de ano e os resultados estão aí. Quando houver qualquer fato relevante, tenho o compromisso de comunicar toda a equipe.

Fora da empresa, as pessoas perguntam sobre isso?

Perguntam e eu respondo a mesma coisa o tempo todo: sou um profissional e trabalho para o GPA. Pareço um pastor. Não tenho nenhum problema em responder porque não tenho outra resposta para dar além da verdade.

Antes de Abilio tentar uma fusão com o Carrefour, ele e o Jean Charles Naouri se davam bem?

A relação sempre foi muito respeitosa.

Qual foi o momento mais difícil desde que a briga começou?

Não tem momento mais difícil ou mais fácil. Faço o meu trabalho. Minha relação com os acionistas é de respeito. Se Abilio é o controlador, se existe uma situação de co-controle ou se o Casino é o controlador, eu respondo para o conselho de administração e minha responsabilidade é de execução.

Não houve nenhum momento constrangedor ou que deixou o sr. chateado no aspecto pessoal?

Minha emoção e os aspectos pessoais eu os vivo em minha casa com minha família. Aqui, prevalece a racionalidade, o profissionalismo, e acima de tudo a neutralidade.

Nada abala o sr.?

Faço um esforço enorme para ter equilíbrio emocional e lidar com as questões mais difíceis da mesma maneira que lido com as coisas boas. No trabalho, sou extremamente racional e focado. Só relaxo com a minha família, em casa, ou andando de motocicleta.

Abilio tem dito a pessoas próximas que está decepcionado com sua postura. Na visão dele, o sr. mudou de lado. Isso não o chateia?

Não, porque sei o que estou fazendo. Nunca ouvi isso do Abilio e não sei se é verdade. De qualquer forma, isso não me atinge porque o que faço aqui é consciente e racional. Não posso me dar o direito de não trabalhar numa linha reta, neutra e profissional.

Como é sua relação com Abilio hoje?

Respeitosa e amigável. É preciso lembrar que a profissionalização da companhia começou em 2002 por iniciativa do próprio Abilio. Isso pressupõe um certo afastamento dele da gestão. Há muito tempo, Abilio vinha atuando como conselheiro, como uma pessoa que entende demais de varejo e que estava sempre disponível para dar uma opinião, deixando o time tomar as decisões que precisavam ser tomadas.

O sr. ainda recorre a ele como conselheiro?

Sei que se recorrer a ele ou ao Casino serei atendido prontamente. Mas, ultimamente, a companhia está focada numa entrega de resultados que não tem exigido nenhum tipo de consulta.

Como foi o episódio de Paris (em que Abilio foi impedido de participar de uma reunião com executivos do Casino)?

Eu e mais três executivos fomos convidados para uma reunião regular, com pauta específica e convite formal, para discutir economia global, macro-tendências e Brasil. Estivemos lá, participamos da reunião e voltamos. Não me cabe fazer comentários, julgar ou qualificar o que aconteceu em paralelo. Eu precisaria estar muito mais informado - coisa que não quero estar - para emitir uma opinião. Encontrei Abilio horas antes da reunião e o cumprimentei tranquilamente. O que aconteceu não me diz respeito porque estava lá como executivo.

É melhor ter o Casino ou o Abilio como chefe?

Você tem ideia de quantos chefes eu já tive desde o início da minha carreira? Sempre tive uma relação de muito respeito com eles e nunca fui desrespeitado por um chefe. Minha relação com o Abilio foi assim e minha relação com o Casino também é.

A criação de um comitê de governança no Pão de Açúcar foi uma proposta do Casino muito criticada por Abilio. Ele era mesmo necessário?

Como presidente, minha posição é de que tudo o que reforça a governança corporativa é bom e contribui com o trabalho do management. Nenhum comitê tem poder deliberativo nem diminui a importância das reuniões de conselho, mas é espetacular o nível de profundidade que conseguimos atingir nos comitês. Por mais longa que seja uma reunião de conselho, o tempo sempre é curto para tratar de tudo.

No início da entrevista, o sr. disse que nada muda sob o controle do Casino. Isso inclui a política agressiva de aquisições dos últimos anos?

Não fazemos projeção de crescimento por aquisição. Quando surge uma oportunidade, sempre estudamos mas o planejamento é de crescimento orgânico para os próximos anos. Sempre foi assim. Quando definimos a estratégia da companhia no longo prazo nunca planejamos aquisições. Elas acontecem. Em 2008, montei uma área interna de fusões e aquisições que está aí até hoje, olhando desde um pequeno player a um grande concorrente.

Se não estava no planejamento, como foi com Ponto Frio e Casas Bahia? A decisão nunca foi "vamos comprar alguém", mas sim "vamos investir no segmento de eletro". Já tínhamos o Extra Eletro, com 45 lojas. Como éramos pequenos, chegamos a pensar na possibilidade de sair desse segmento porque no varejo ou você ganha escala para ter poder de negociação ou você sai. Decidimos investir. Fizemos um plano de expansão orgânica, com remodelagem de lojas, mas aí veio a crise em 2008 e mudou tudo. Na época, estávamos capitalizados e ficamos a postos olhando as oportunidades. Nesse contexto, veio o Ponto Frio e na sequência a Casas Bahia. Não foi um negócio oportunista, já tínhamos tomado a decisão de investir nesse segmento. Hoje, se você olhar os primeiros players do ranking de varejo não há oportunidades de aquisição.

O sr. falou num processo agressivo de crescimento orgânico. Para onde?

Para o Brasil inteiro. Mas é claro que temos prioridades. O Nordeste é uma delas. Estamos em sete de oito Estados nordestinos. Mas o fato de estar presente lá não significa que tenhamos uma posição importante. O Centro-oeste é outro mercado que terá um reforço do posicionamento. No Sudeste, trabalhamos para defender posição mas existem algumas áreas, como o interior de São Paulo, que têm apresentado um crescimento agressivo e que estão no plano de expansão. Por diferentes motivos, consideramos o Brasil inteiro. O Norte menos, por razões óbvias. No Sul, ainda temos uma presença pequena porque é um mercado mais difícil, em que os players regionais, em geral, se saem melhor do que as grandes cadeias.

Entre os rivais, quem mais preocupa?

Não fazemos distinção porque varejo é um negócio de detalhe, loja a loja, em que temos de olhar os concorrentes de cada microrregião. Em Natal, por exemplo, nosso principal concorrente é o Nordestão. Temos de estar de olho em todos eles. Do ponto de vista macro, o Walmart é muito forte e tem dinheiro para investir. No Carrefour, o formato Atacadão é um competidor importante para o nosso modelo de atacado que é o Assaí. Já o Cencosud fez diferentes aquisições recentemente e terá de passar por um processo difícil de integração - que ainda não foi feito.

PERFIL: Terceira geração de uma família de contadores, Pestana é presidente do Grupo Pão de Açúcar desde março de 2010. Começou sua carreira no varejo no fim da década de 80, como controller do Carrefour no Brasil, onde ficou até 1996. Foi executivo da GP Investimentos e depois vice-presidente dos laboratórios DASA.


Veículo: O Estado de S.Paulo


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