A Via Varejo, controlada de eletroeletrônicos do Grupo Pão de Açúcar (GPA), está no centro do mais novo embate entre Abilio Diniz, ex-dono da empresa, e o grupo francês Casino, controlador isolado do negócio desde junho de 2012. A polêmica envolve nada menos do que a companhia que está prestes a fazer sua oferta pública inicial da bolsa, avaliada em mais de R$ 10 bilhões.
Ontem, o conselho de administração do GPA recebeu uma carta do ex-presidente da Via Varejo, Antonio Ramatis, que renunciou ao cargo em 23 de maio. A decisão por detalhar os motivos de sua saída, já abordados de forma global na carta de renúncia, deve-se ao fato de ter sido impedido de falar na reunião do conselho do GPA de 29 de julho. Na ocasião, os oito conselheiros do grupo francês votaram por não ouvir Ramatis, alegando que o foro adequado para seu posicionamento seria, primeiramente, o conselho de Via Varejo. Essa decisão não foi acompanhada pelos demais sete participantes do colegiado, sendo três de direito de Abilio e quatro independentes. Foi a primeira decisão isolada do Casino no GPA. Ramatis havia sido convidado para a reunião por Abilio, que preside o conselho.
Na carta de ontem, o ex-presidente da Via Varejo, que já havia alegado "interferências", detalha algumas das situações que o levaram a deixar o cargo, além do seu argumento de não ter recebido as ações ou os valores correspondentes a elas, referentes ao plano de opções do GPA, onde atuou até novembro de 2012 - antes de assumir a presidência da companhia resultante da combinação entre Ponto Frio e Casas Bahia.
Ramatis declara que estava descontente com a gestão do Casino, por ter assistido a ascensão de pessoas "despreparadas". Fala da falta de autonomia para suas decisões e situações desrespeitosas.
Por fim, a carta fala sobre a "mais relevante" das interferências que diz ter sofrido após a conclusão de um relatório solicitado à firma de auditoria KPMG sobre os números de Casas Bahia e Ponto Frio anteriores à combinação dos negócios. Segundo o executivo, a estudo identificou o "sumiço de 99.000 notas de escrita fiscal" de antes da associação. Ele conta que teria sido encontrado um arquivo de computador apontando um valor de R$ 40 milhões e que supostamente teria relação com as notas desaparecidas. Segundo ele, ao levar o assunto para Arnaud Strasser, braço-direito de Jean-Charles Naouri, dono do Casino, teria sido orientado a não levar o tema ao conselho. Alega ainda que as consultorias sugeridas para cuidar do tema não teriam sido aceitas pelo Casino, que teria escolhido outras.
Consultado, o Casino não comentou. Fonte próxima ao grupo francês afirma que as informações tanto sobre as notas quanto sobre os R$ 40 milhões já eram de conhecimento da cúpula do grupo antes da ida de Ramatis à Via Varejo - por conta de apresentações prévias feitas pela KPMG sobre o estudo, iniciado em maio de 2012. Procurado, Ramatis não retornou os contatos do Valor.
Quando de sua renúncia, Ramatis foi provocado pelo conselho da Via Varejo, porém, optou por não detalhar essas questões na ocasião. O mesmo ocorreu quando participou da reunião do comitê de Recursos Humanos da empresa.
O relatório da KPMG aponta para diferenças no patrimônio da Casas Bahia que vão de R$ 150 milhões a R$ 200 milhões. No Ponto Frio, a diferença seria de R$ 60 milhões. O levantamento estava previsto no acordo de associação. A partir de agora, GPA e a família Klein, controladora anterior da Casas Bahia, deveriam negociar o acerto dos valores.
Por considerar pouco conclusiva a auditoria da KPMG, o GPA, por decisão do Casino, contratou o Instituto Brasileiro de Perícia (IBP) para reavaliar a questão. Esse levantamento, segundo apurou o Valor, ainda não está concluído, mas as informações preliminares são de que, de fato, estariam em falta os valores apontados no estudo anterior.
Mesmo assim, no balanço do segundo trimestre, a Via Varejo apresentou uma provisão de R$ 70 milhões por conta do estudo da KPMG. GPA e Via Varejo afirmaram, por meio de suas assessorias de imprensa, que repudiam as declarações de Ramatis e que tomarão as medidas cabíveis a respeito. A família Klein também não comentou.
Veículo: Valor Econômico