Erros táticos impedem que Walmart avance no Brasil

Leia em 12min 20s

Logo após assumir, há seis meses, o comando do Walmart no Brasil, Guilherme Loureiro foi à sede da maior varejista do mundo, em Bentonville, Arkansas, para se encontrar com Rob Walton, o filho mais velho de Sam Walton, homem que fundou o Walmart em 1962. De cara, na sua primeira reunião na função de comando, Loureiro foi apresentar a lista das 25 lojas a serem fechadas pela empresa no país por mau desempenho. Walton, presidente do conselho de administração, olhou loja por loja, ouviu as explicações e deu sinal verde para o fechamento. No começo de sua gestão, Loureiro ainda teve que tratar com a matriz de uma provisão para perdas trabalhistas no país (processos judiciais) lançados no balanço de 2013. Esses gastos no Brasil se mostraram mais altos do que o estimado, o que acabou pressionando o resultado global da empresa. O lucro operacional do Walmart no mundo caiu 14% no quarto trimestre fiscal.

Começo difícil para Loureiro, no comando de uma empresa que não consegue deslanchar no país. A operação brasileira responde por cerca de 2% das vendas globais do Walmart, mas ajudou a reduzir a previsão de lucro por ação da rede em 2014 - algo que acionista não gosta nada. Nos últimos dias, o Valor ouviu funcionários, ex-empregados, fornecedores e analistas para entender o que acontece no grupo. O Walmart opera no prejuízo por aqui e cresce menos do que os concorrentes. As despesas operacionais estão em curva ascendente - em parte, reflexo dos ajustes feitos para tentar voltar ao azul. A expansão orgânica é lenta, efeito, de certa forma, da necessidade de reduzir aberturas e tocar o plano de reestruturação local.

Segundo números publicados pela matriz, as vendas líquidas no Brasil cresceram 5,3% no quarto trimestre, com vendas totais de "mesmas lojas" (abertas há mais de 12 meses) subindo 4,6%. Ao descontar a inflação do IPCA (5,9%), há retração. O rival Grupo Pão de Açúcar, na divisão alimentar, teve alta nas vendas de 17,2% e em "mesmas lojas", 8,8%.

Afinal, por que o Walmart não é hoje um negócio rentável no país?

Desde a segunda fase da rede no país, após o ano 2007, que coincide com a saída de Vicente Trius da presidência, a empresa tem desempenhos irregulares - perdas intercaladas por tímidos lucros. Fechou 2013 com prejuízo operacional. Com Trius, fez duas aquisições de peso (Bompreço e Sonae) e cresceu rapidamente. A integração dos ativos comprados não foi considerada prioridade. A união dos sistemas internos das lojas adquiridas, para o sistema Walmart, especialmente o modelo fiscal, poderia afetar a operação e foi adiada. O plano era manter tudo como estava e crescer organicamente.

Esse modelo funcionou até 2010, quando o cenário começou a mudar. Animada com o Brasil, que crescia ancorado em um modelo de consumo acelerado, a rede deu um passo maior do que a perna, segundo a maioria das fontes ouvidas. Algumas decisões na época - aqui, leia-se decisões da matriz, já que os CEOs locais sempre tiveram autonomia limitada - afetam os números hoje.

Em 2009, Walmart anunciou um plano de abrir até 90 lojas e mais uma centena em 2010, numa reação à estratégia do Carrefour e do Pão de Açúcar. Estes começavam a fazer dinheiro no atacado, negócio que o Walmart explorava pouco, com a rede Maxxi, que dava lucro mas era pequena. "Eles acharam caro o Atacadão e perderam a rede para o Carrefour. Mas estavam eufóricos com o país e fizeram planos grandiosos demais", disse uma fonte. "Abriram lojas que não saíam do vermelho, em locais errados", disse, referindo-se ao Maxxi e aos supermercados Todo Dia. "Seguraram esses pontos deficitários por anos". Na mesma época, em 2009, decidiram trazer a São Paulo vice-presidentes que cuidavam das operações, por exemplo, no Nordeste ou no Sul. Os negócios regionais perderam executivos que entendiam das operações locais.

Nesse cenário delicado, a matriz decidiu implantar o modelo "Preço Baixo Todo Dia" (PBTD) no Brasil em 2011. Entenderam que era a forma dura, mas necessária, de fazer uma virada nos resultados. O modelo elimina promoções e mantém os preços estáveis. A ideia é dizer ao cliente que, a qualquer momento que vá às lojas, terá preços competitivos. Isso afeta resultados porque pode afastar clientes e perder vendas inicialmente (se a percepção de preço baixo não ficar clara ao consumidor). Também é preciso mudar muito - da disposição de itens na gôndola às negociações com a indústria.

Descontos foram revistos e as verbas de mídia (para anúncios e ações em lojas) pagas pela indústria foram recalculadas. A rede pede que o fornecedor trabalhe com o menor preço possível e a economia gerada é repassada ao preço, aumentando a escala - a estratégia central do PBTD. Essa é a teoria. Por isso, sumiram das lojas os grandes anúncios em cartazes amarelos com a promoção do dia. Para que o modelo funcione, a indústria tem que apoiar, e houve resistências de fabricantes em migrar de formato, apurou o Valor.

"Esse modelo só crescerá se tiver muita escala, e isso leva tempo porque a princípio a rede perde os 'caçadores de barganha'", diz Alberto Serretino, sócio sênior da consultoria GS&MD. O Walmart no Brasil já implantou o PBTD no varejo e começou no ano passado a fazer o mesmo na rede Maxxi.

Alguns gastos têm sido cortados nos últimos anos, na tentativa de fazer a empresa fechar essa conta (ver ao lado). Mas não dá para ter o preço mais baixo do país, como buscam hoje, sem ter despesas sob controle. E a rede sabe disso. No papel, os números mostram que, de outubro a dezembro, as despesas operacionais no país subiram 75%, reflexo de gastos com lojas fechadas, demissões e a inflação de salários. Foram demitidos 300 funcionários no fim de 2013, sendo 130 só em São Paulo. Interlocutor próximo à empresa diz que não há previsão de novos cortes hoje.

No centro das mudanças há outro nó: os sistemas de tecnologia. A subsidiária usa alguns sistemas diferentes dos da matriz. A ideia é "importar" parte para o país (o utilizado na área financeira, por exemplo) e isso está sendo feito. O sistema fiscal da filial foi criado em Bentonville anos atrás, com apoio dos brasileiros. Ele já está instalado em São Paulo há alguns anos, numa migração difícil de plataformas, e precisa ir para outros estados. Foram feitos testes pilotos em 4 lojas no Sul, e parou por aí. E é preciso começar no Nordeste. Aos mais próximos, Loureiro tem dito que decidiu rever prioridades, por isso adiou a implantação de novos sistema no Maxxi. "Eles querem evitar distrações, ter poucos focos principais e trabalhar nisso. Por causa dessa postura, não devem abrir muitas lojas em 2014 [foram 22 em 2013]. Crescer organicamente no Brasil não é a meta do Walmart hoje", diz uma fonte.



Rede busca economia até no grampo do encartes



Walmart tenta ajustar a operação no Brasil para buscar economias e tentar repassar esses ganhos ao preço. Está revisando a forma como trabalha - desde o tempo que o caixa demora para atender cada cliente até a separação de pedidos nos centros de distribuição.

No último ano, o Walmart reforçou a equipe focada em aumentar a produtividade, considerada tímida até então. Também reviu hierarquias e demitiu funcionários.

No "chão de loja", diretores de áreas como padaria, mercearia, frutas/verdura e legumes, passaram a responder por mais segmentos. Até os informes encartados em jornais foram afetados. Economizou-se R$ 1 milhão ao ano tirando os grampos de encartes com promoções no ano passado. "Quando a direção vai visitar as lojas, por que não almoçar na loja mesmo, em vez de sair para comer na rua? Isso economiza", diz um consultor que trabalha para a rede.

Os ajustes no modelo, mencionados na semana passada por David Cheesewright, presidente do Walmart International, envolvem iniciativas de economia interna e ações de ganho de eficiência. "Nós já iniciamos ações no México, Brasil, China e Índia para melhorar o nosso modelo de operação nesses países-chave, e isso vai continuar a ser uma prioridade neste ano", disse a analistas.

Até o fim dos anos 90, o Brasil era um negócio de pouca relevância para o Walmart, com receita líquida mundial de US$ 476 bilhões no ano fiscal encerrado em janeiro. O interesse da matriz pelo Brasil aumentou porque 30 milhões de pessoas (10% da população americana) migraram para a classe média em poucos anos.

A operação no Brasil cresce menos em vendas que os rivais, mas ainda se expande de forma mais acelerada que o grupo Walmart. No mundo, a rede cresceu 1,6% em vendas para o ano fiscal encerrado em janeiro. No longo prazo, o país pode ser um mercado com potencial para ampliar a base de resultados globais, o que ajudaria a explicar a manutenção dos investimentos no país.




Na China, a varejista também enfrenta problemas

   
Walmart, varejista famosa por seus preços baixos, vem tendo problemas em um grande mercado onde os consumidores dizem que o preço é uma motivação menor em suas compras: a China. Lá, os consumidores afirmam querer alimentos que sejam seguros e autênticos e, após 17 anos, a Walmart está mudando sua estratégia com o fechamento de algumas grandes lojas que nunca "pegaram" entre os habitantes locais.

Ela agora está se concentrando em produtos e importações de rótulos próprios, colocando sua marca como fiadora de qualidade e segurança. "Estamos fechando algumas lojas porque nos entusiasmamos pelo crescimento", diz Raymond Bracy, diretor e assuntos corporativos da Walmart China. "Mas não vamos fazer isso novamente. Agora estamos nos concentrando primeiro na qualidade."

Fazer a coisa certa na China é crucial para as ambições internacionais da Walmart. Segundo a consultoria Euromonitor, a maior companhia varejista do mundo ocupa a terceira posição na China, atrás da Sun Art Retail Group e da China Resources Enterprise, apoiada pelo Estado. O Brasil e a Índia também estão se mostrando um desafio. "Se você perguntar a nossos membros ou clientes 'qual é sua maior preocupação individual?', eles vão dizer que é a confiança e a autenticidade", diz Greg Foran, que assumiu o comando do Walmart China em 2012. "Uma vez que você ganha a confiança deles, a próxima pergunta que eles fazem é 'quanto custa?'."

A Walmart International, que contribui com menos de um terço para as vendas líquidas do grupo, vem sofrendo com uma expansão agressiva e é uma grande preocupação para o novo CEO mundial Doug McMillon, que já liderou a unidade internacional.

As vendas líquidas da Walmart International caíram 0,4% no quarto trimestre fiscal, para US$ 37,67 bilhões e o lucro operacional do período (novembro a janeiro) caiu 45,8%, afetado por alguns fechamentos no Brasil e na China, além de uma despesa relacionada ao fim de acordos na Índia.

Foran quer levar as marcas próprias a responderem por até um quinto das vendas na China na próxima década, fatia que hoje é inferior a 1%. Os produtos com marcas próprias geralmente são vendidos a preços entre 10% e 40% mais baratos que as marcas locais, mas as margens de lucro são maiores para a companhia. Eles respondem por quase metade das vendas no Reino Unido.

Segundo Bracy, Walmart está racionalizando sua cadeia de abastecimento na China e construindo seus próprios centros de distribuição para gerenciar a qualidade, ao mesmo tempo em que está reduzindo os custos. "Nossos custos com a carne suína caíram tanto que as pessoas nos perguntam 'nossa, não está baixo demais?; é produto autêntico?; podemos confiar nele?'", diz Bracy.

Em uma base anualizada, o crescimento da receita da Walmart International no últimos exercício social foi o menor em quatro anos.

Os chineses almejam grandes marcas estrangeiras pela confiabilidade e qualidade, diz James Roy, diretor-associado da consultoria China Market Research de Xangai. "Mesmo assim eles estão recebendo mensagens ambíguas do Walmart porque a empresa está tentando vender o conceito de 'preços baixos todos os dias' e os consumidores chineses associam 'preços baixos todos os dias' a coisas baratas e não muito seguras."

Walmart já saiu de mercados como Alemanha e Coreia do Sul, onde seu modelo de preços baixos e lojas grandes não funcionou, mas vem se aguentando na China, a segunda maior economia do mundo, há quase duas décadas.

Seus negócios internacionais estão sob atenção da mídia depois que ela foi acusada, em 2012, de pagar suborno no México, sua maior operação fora dos EUA. Posteriormente, ela iniciou investigações na China, Brasil e Índia, também envolvendo subornos, que afetaram sua vantagem de pioneira em um mercado que movimenta US$ 500 bilhões.

O escândalo de corrupção não afetou tanto seus negócios na China quando os escândalos envolvendo a segurança dos alimentos - do leite contaminado ao óleo de cozinha reciclado. Em janeiro, Walmart fez um recall de sua popular carne de burro "Fice Spice", depois que testes detectaram sinais de carne de raposa em amostras de carne.

A participação do Walmart no segmento de hipermercados da China caiu de 11,3% em 2008 para 10,4% no ano passado. Perdeu a liderança de mercado em 2009 para a Sun Art Retail.

O valor do Walmart no mercado de comércio varejista de alimentos da China cresceu 50% desde 2008. Mesmo com a companhia planejando abrir 110 novas lojas até 2016, anunciou o fechamento de pelo menos 29 lojas no país.

"Pelo primeiro ano, grande parte de minhas atenções, e das atenções de minha equipe, está concentrada no estabelecimento dos alicerces, na decisão de quais lojas terão de ser fechadas e na tentativa de sermos mais inteligentes em relação aos lugares onde vamos abrir novas lojas", diz Foran.

Os consumidores chineses preferem lojas pequenas das vizinhanças, pois assim eles não precisam se locomover muito e podem comprar uns poucos itens por visita. O quadro é parecido no Brasil.

O modelo de negócios das grandes lojas tem sido um erro caro em termos de perdas imobiliárias para a Walmart, diz Stephen Springham, analista sênior da Planet Retail de Londres. Com mais chineses optando por comprar pela internet, a companhia americana adquiriu a varejista da internet Yihaodian em 2012, que alegava em outubro ter 24 milhões de usuários online.

No entanto, a transformação do Walmart na China será lenta, segundo afirma Himanshu Pal, diretor de abordagens de varejo da Kantar Retail de Londres. "Eles não têm como investir da maneira como deveriam porque os acionistas não são mais pacientes como eram, especialmente com os mercados dos EUA e Europa não se saindo tão bem."




Veículo: Valor Econômico


Veja também

Pesquisa releva que consumidor brasileiro retomou antigo hábito de fazer "compra do mês"

Classe C segue como peça importante no crescimento do consumo e registra um aumento de 6% em volume de compras e ...

Veja mais
Grupo Bahamas de supermercados tem plano ousado para expansão

O Grupo Bahamas de supermercados, com sede em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, estima crescer mais de 30% em 2014 ...

Veja mais
Supermercado Farias comercializa iogurte de leite de ovelha produzido pela Agroindústria Familiar

Incentivar o crescimento da agricultura familiar e o desenvolvimento sustentável da região de Itapecerica,...

Veja mais
Atacado aumenta participação no CE

O comércio atacadista vem adquirindo, a cada ano mais, uma maior importância para as receitas do Cear&aacut...

Veja mais
Supermercados: venda 30% maior na semana de Carnaval

Só considerando as cervejas, a procurado tem no período de Carnaval dispara até 40%, aponta a Acesu...

Veja mais
Satisfeito com o Brasil, supermercadista vê recuperação de receita na França

Jean-Charles Naouri, presidente do Casino, controlador do Grupo Pão de Açúcar (GPA), começou...

Veja mais
Supermercadista ajuda desempenho do Casino

O crescimento orgânico do grupo Casino nos mercados internacionais subiu 11,9% em 2013, com destaque para o Brasil...

Veja mais
ABRAS divulga amanhã as marcas mais vendidas nos supermercados

A ABRAS/SUPERHIPER divulgam amanhã (19), em São Paulo, a 15ª edição do estudo de Marcas...

Veja mais
Centrais de compras faturam mais de R$ 2 bi em 2013

Donos de pequenas lojas se uniram para ter maior poder de barganhaAssociar para sobreviver. Essa foi a alternativa que d...

Veja mais