Uso de selos no Brasil deve aumentar quando multinacionais usarem padrões iguais no mundo
Lançar produtos com atestado de boas práticas ambientais e sociais, desde a matéria-prima até a fabricação e venda ao consumidor final, é uma tendência crescente como estratégia de negócio no exterior. Agora, o foco das companhias transnacionais se volta para o mercado brasileiro, onde mudanças do padrão de consumo nos últimos anos podem acelerar as chamadas "compras responsáveis". No Brasil, 40% do óleo de palma e 100% da soja usadas pela Unilever são compradas de fornecedores signatários de acordos para a produção sem desmatamento.
A empresa, que tem como meta global atingir 100% dos produtos com origem sustentável até 2020, pretende lançar no mercado nacional, nos próximos nove anos, o chá com selo socioambiental, já comercializado em outras partes do mundo. "Batemos internamente a meta mundial fixada para 2015 de usar nas embalagens 75% do papel e papelão certificados", revela Juliana Nunes, diretora de assuntos corporativos.
O papel é o produto mais popular com comprovação de origem ambiental no Brasil, sendo empregado por centenas de companhias de diferentes ramos. A Tetra Pak utiliza matéria-prima com selo socioambiental em todas as caixas de suco e leite produzidas no país, superando os índices alcançados pela empresa no exterior. O avanço tornou-se viável a partir de pressões externas para a certificação das florestas de eucalipto para fabricar celulose e, depois, para as fábricas de papel. Dos 5,1 milhões de hectares de florestas do setor, incluindo as plantadas e as naturais, 2 milhões são certificados.
"Esperamos que o consumidor reconheça cada vez mais esse atributo", afirma Elizabeth de Carvalhaes, presidente da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa). "Por meio das certificações, há garantia de práticas sustentáveis, com menor impacto na natureza e respeito aos direitos dos trabalhadores", explica.
Apesar do destaque do papel, quando o assunto é certificação, o Brasil está atrasado para a maioria dos produtos. Custos, preços e demanda incipiente são as explicações. "As empresas com metas globais de meio ambiente restringem o carimbo socioambiental às regiões desenvolvidas, sobretudo a Europa", afirma Mauricio Voivodic, secretário executivo do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), instituição que trabalha pela expansão dos selos verdes no Brasil. Nos países ricos, diz ele, "há controle mais rígido, forte pressão dos compradores e maior projeção para a imagem corporativa no cenário mundial".
Voivodic cita o caso do café certificado pelo Rainforest Alliance Certified, vendido no exterior em redes de fastfood que não oferecem o produto em suas lojas no Brasil. Como paradoxo, 10% da produção do cerrado, maior região cafeeira do país, têm o selo e o produto é destina quase todo para exportação. "A virada do mercado interno para a certificação, ocorrerá quando as empresas internacionais adotarem aqui os mesmos padrões usados lá fora", prevê Voivodic. A medida, segundo ele, "teria expressivo poder de puxar concorrentes e fornecedores para práticas sustentáveis, com vantagens ambientais, sociais e econômicas".
"Na Europa, onde o processo de industrialização é mais antigo e é maior a consciência sobre o uso de recursos naturais e seus impactos, existe maior consciência sobre a urgência do problema ambiental", explica Fabíola Zerbini, gerente do Forest Stewardship Council (FSC) no Brasil. A instituição, maior certificadora mundial de produtos florestais, planeja iniciar neste ano uma campanha para consumo responsável de madeira no mercado brasileiro, sobretudo na construção civil. "Um dos mais graves entraves é a competição desigual com a madeira ilegal, que não paga impostos e devasta as florestas", alerta Fabíola.
De acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), mais de um terço da produção madeireira da região é ilegal e grande parte se destina ao mercado da construção civil, principalmente de São Paulo Em função dos esquemas irregulares na licença e documentação, suspeita-se que a maior parcela "legal" seja predatória - isto é, extraída sem os mínimos critérios ambientais. "Certeza sobre a origem sustentável só a partir da certificação, com normas e auditorias que atestam as práticas de impacto reduzido na floresta e o respeito às condições dignas de trabalho", ressalta Marco Lentini, diretor do Instituto Floresta Tropical, no Pará.
"Além disso, o produto certificado é quase todo exportado, sendo difícil encontrar no mercado", adverte Rafik Saab Filho, secretário executivo do Sindicato do Comércio Atacadista de Madeira de São Paulo. No entanto, em sua avaliação, a maior dificuldade para a madeira certificada atrair o consumidor é o preço, superior ao do produto convencional. "As distorções estão nos impostos", revela Rafik. Enquanto o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pago por materiais de construção concorrentes, como cimento, plástico e aço, é de 12%, o percentual para madeira, seja comum ou certificada, é de 18%. Para o empresário, "o setor se movimenta para a equiparação dos impostos, o que incentivaria por tabela o uso maior dos produto certificados".
"Além disso, o consumidor precisa entender a conexão entre o uso da madeira ilegal nas cidades e as recentes mortes de lideranças sociais na Amazônia", adverte Malu Vilella, coordenadora da Rede Amigos da Amazônia, mantida pela Fundação Getúlio Vargas. De acordo com pesquisa de opinião do Ibope e Confederação Nacional da Indústria, divulgada no ano passado, 51% dos entrevistados aceitariam pagar mais por produtos ecologicamente corretos, mas a maioria escolhe o mais barato na hora das compras.
Veículo: Valor Econômico