Vendas de galões até crescem na comparação com o registrado no inverno, mas quedas frente a igual período do ano passado variam de 20% a 50%. Custos estão altos e clientes minguaram
Com a alta temperatura e a falta de chuva não seria um espanto se o setor de água mineral estivesse comemorando recordes nos lucros. Porém, o que deveria ser um bom momento para o segmento é visto com pessimismo por quem está no ramo. Apesar de haver, no calor, um aumento de até 25% nas vendas dos galões e garrafas, o cenário econômico do país atrapalha o crescimento da área, segundo proprietários de distribuidoras em Belo Horizonte. Eles dizem amargar 50% de prejuízo em relação ao ano passado e alguns já anunciam fechar suas portas. Enquanto isso, para o consumidor, segundo pesquisa do site Mercado Mineiro, divulgada ontem, a bebida ficou mais cara. Houve reajuste de 4,49% no preço médio do fardo de garrafa de 300ml com gás, por exemplo, que custava em março R$ 15,83 e agora é vendido por R$ 16,54.
Há 20 anos no mercado, Klester Gama, proprietário da Ibiza Alimentos Disk Água, que atua exclusivamente no ramo de água mineral, está abandonando o segmento. “Para se ter ideia, no ano passado, eu tinha 13 funcionários e, hoje, tenho três. Vendíamos uma média de dois caminhões por semana, com 700 galões de 20 litros cada. Hoje, é um caminhão por mês”, lamenta e diz que, em breve, mudará de ramo, já que o da água mineral não tem valido a pena. “As pessoas estão diminuindo o consumo, a economia do país não vai bem. Além disso, pago tributo de 12% quando compro a água da indústria e depois de 8,5% quando vendo. Não tem mais jeito”, desabafa. Klester cita ainda a logística como outro empecilho. “Com o preço da gasolina e o trânsito da capital, as minhas entregas se limitaram a alguns bairros da cidade para não ter um prejuízo maior”, diz.
Segundo comenta o proprietário da Agualife Distribuidora Suiá-Ingá, Welerson Ângelo Gonçalves, embora esteja quente, o setor vive uma crise histórica. “As empresas hoje estão reduzindo seus custos e, a primeira coisa que cortam, é a água mineral. Muitas têm investido em bebedouros. Já a demanda pelo consumidor comum, pessoa física, tem aumentado, mas não é nada expressivo”, diz. Comparando com o ano passado, Welerson diz que teve uma queda de cerca de 20% no lucro. “É um ano que podemos riscar do calendário. Em 2013, tinha uma média de entrega de 100 galões por dia. Hoje, mesmo com essa alta temperatura, são 80. Com a Copa do Mundo, então, foi um desastre. Estou há 12 anos no ramo e nunca passei por um momento tão ruim.”
Na visão do distribuidor, o cenário econômico do Brasil, com inflação chegando a 6,75% em 12 meses, estourando o teto da meta do governo de 6,5%, somando aí previsões de um baixo crescimento do país são fatores que contribuem para o momento ruim no setor de água. “O custo operacional da distribuição de água mineral aumentou. Subiu tudo: o frete, o aluguel, conta de luz. E isso pesa para nós, distribuidores. Além disso, tem a informalidade. Enquanto vendemos um galão de 20 litros a R$ 15, um informal oferece mais barato e não é fiscalizado. A gente procura ser o mais correto possível e há muitos na clandestinidade”, critica.
Com 56 indústrias em Minas Gerais, a produção da água mineral no estado está dentro da normalidade, conforme comenta o delegado regional da Associação Brasileira da Indústria de Águas Minerais (Abimam), Robison Fortes de Araújo. Porém, segundo ele, a questão tributária tem pesado para o setor. “Neste período de calor, temos um aumento na demanda de 25% a 30%. É o esperado para a época e não há exageros”, diz. Ele afirma que, apesar de estar dentro da expectativa, os fatores tributários e a logística do setor são empecilhos também para a indústria. “Hoje, o que mais tem nos causado problemas, é a falta de mão de obra qualificada. Muitos trabalhadores não querem compromisso com a empresa. Hoje em dia, com os tributos e esses problemas, os investimentos da indústria no ramo têm sido precário”, confessa. Ele afirma ter medo de que, no futuro próximo, não haja água mineral suficiente. “Está ruim para todos nós distribuidores. Há um ano, nesta época de calor, vendíamos cerca de 300 galões por dia. Hoje, são 150”, comenta Lhaís Oliveira, proprietária do Ingá Express Distribuidora.
Na contra mão do que dizem os distribuidores do varejo, Willian de Souza Amora, que trabalha com disribuição de água mineral no atacado em BH, diz que a demanda aumentou 40%. “Com a falta de água em muitos bairros, tem pessoas que estão comprando água mineral para cozinhar. Antes, eu distribuía 300 galões de água por dia. Hoje, são, 800, um aumento de 300%. “Vendo para supermercados, farmácias e outros locais de revenda. É um bom momento”, afirma.
PREÇOS Tantos fatores podem justificar, segundo os distribuidores, o valor da água mineral ao consumidor comum. De acordo com pesquisa divulgada ontem pelo site Mercado Mineiro, ao comparar os preços médios do mês de março com os praticados atualmente, houve reajuste de 4,49% no valor médio do fardo de 12 garrafas de 300ml com gás, que custava R$ 15,83 e está custando R$ 16,54. Já a mesma quantidade, porém sem gás, foi reajustada em 4,28%, passando de R$ 14,96 para R$ 15,60. O garrafão de 20 litros tinha o valor unitário de R$ 11,61 e está custando cerca de R$ 12,06, aumento de 3,88%. O único preço médio em queda foi o do fardo de garrafa de 500ml – com gás (12 unidades), que passou de R$ 14,87 para R$ 14,35, caiu 3,50%.
Diante dos números, o diretor-executivo do site, Feliciano Abreu, estranha a lamentação da classe. “Com um calor desses, é estranho eles terem prejuízo”, diz. Para ele, o que pode justificar a crise nesse mercado seria a concorrência com o mercado informal. Além do reajuste nos valores, a pesquisa, feita entre 10 e 11 de setembro, mostrou também que, entre uma distribuidora e outra, as variações dos preços chegam a 220%. Um fardo de garrafa de 300ml natural (12 garrafas) pode custar entre R$ 7,50 e R$ 24, na Grande BH.
Pior que no racionamento
Os níveis dos reservatórios das usinas hidrelétricas do Sudeste e Centro-Oeste, que respondem por 70% da energia proveniente dessa fonte no Brasil, poderão encerrar o mês abaixo dos registrados em setembro de 2001, quando o país decretou racionamento. Em Minas Gerais, duas das maiores hidrelétricas, a de Três Marias, no Rio São Francisco, e a de São Simão, no Paranaíba, já operavam ontem com seus reservatórios aquém da capacidade de acumulação de água verificada em setembro do ano em que o país viveu apagão, de acordo com os registros do Operador Nacional do Sistema (ONS), órgão responsável pela coordenação e controle da gestão dos ativos de geração e transmissão de energia no Sistema Interligado Nacional.
A última projeção do ONS é de que no dia 31 os principais lagos do subsistema tenham apenas 19,9% de água armazenada, enquanto no mesmo mês de 2001, estavam com 21%. A represa de Três Marias funciona ao ritmo de 4,1% de sua capacidade de armazenamento, ante 13,41% em setembro de 2001. Se a seca persistir até o fim deste mês, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), detentora da concessão de Três Marias, deverá ser obrigada a administrar interrupções na geração, acompanhando o fluxo de entrada de água.
Na Usina de São Simão, o nível do reservatório, que em setembro de 2001 alcançava 14,31% da capacidade, baixou a 13,4%. Neste ano, de setembro para este mês, caíram também os volumes de água armazenados nas grandes usinas de Nova Ponte, no Rio Araguari, para 15,8%; e de Emborcação, no Rio Paranaíba, para 25,6%.
Para agravar o quadro no Brasil, o consumo era muito menor no período do racionamento. O diretor do Ilumina — Instituto para o Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético, Roberto Pereira d’Araújo, destacou que, em 2014, a carga do sistema deve chegar a 540 terawatts/hora (TWh), enquanto, em 2001, era de 330 TWh. “Há um pequeno detalhe não sendo revelado: ter 21,3% de reserva no Sudeste para atender 330 TWh é uma situação bem melhor do que ter 19,9% para atender 540TWh. Portanto, se o critério de 2001 foi estabelecer racionamento naquelas condições, agora, isso já seria mais do que justificável”, analisou.
Considerada apenas a reserva do Sudeste, os 19,9% projetados pelo ONS para o fim do mês correspondem a 12,6% com uma carga quase o dobro maior, conforme o analista. O que não se tinha naquele período era a capacidade de geração térmica que o sistema tem hoje. “Entretanto, o planejamento que foi feito para as termelétricas que estão sendo usadas na base atualmente era de uso esporádico, em condições emergenciais, porque são muito caras”, ressaltou d’Araújo.
Não há consenso de que o horário de verão, que entra em vigência a zero hora de domingo, trará alívio ao sistema. Para Mikio Kawai Jr., diretor da empresa de consultoria especializada Safira Energia, não há sentido em esperar repercussão importante da economia de 0,8% a 1% estimada em razão da medida. “Já deveríamos ter entrado num período de racionamento. Quando mais tardio, mais profundo ele se torna”, afirma. O horário de verão se estenderá até 22 de fevereiro do ano que vem no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, quando os relógios deverão ser atrasados em uma hora.
Ainda que na torcida por chuvas intensas de dezembro a abril, a tendência, na avaliação de Mikio Kawai é de que o calor intenso predomine até o primeiro trimestre de 2015, para sofrimento dos reservatórios das hidrelétricas. O especialista defende iniciativas como a aplicação de bônus nas contas de luz a título de premiação pela economia que o consumidor fizer, a exemplo dos descontos anunciados pela Companhia de Saneamento Básico de São Paulo para os clientes que economizarem água. Outra decisão que já deveria ter sido tomada, de acordo com o analista, consiste numa campanha educativa pelo uso racional do insumo.
O ONS explicou que vem implementando uma política de operação energética que prioriza a preservação dos estoques armazenados nos reservatórios das usinas localizadas nas cabeceiras dos rios Grande, Paranaíba e São Francisco. “Para tal, vem explorando, prioritariamente, os recursos energéticos existentes nas regiões Norte e Sul, além daqueles disponíveis na Usina Hidrelétrica de Itaipu.” De fato, Norte e Sul operam com certa estabilidade. O Sul com 90,16% da capacidade de armazenamento dos reservatórios cheios e o Norte, com 38,72%. Contudo, ambas as regiões contribuem muito menos do que Nordeste, Sudeste/Centro-Oeste, que, juntos, contribuem com mais de 80% da geração hidrelétrica do país. Portanto, as estimativas do operador nacional do sistema indicam que somente um volume torrencial de chuvas pode livrar o país de adotar algum tipo de racionamento.
Veículo: Estado de Minas