Iniciou-se mais uma etapa da indesejável e prejudicial guerra fiscal entre os estados. A "menina dos olhos" desta vez é o segmento de e-commerce, ou seja, vendas não presenciais ou vendas para entrega futura.
As empresas que atuam nesse segmento vendem mercadorias à distância, na grande maioria das vezes, de forma não presencial. Os clientes localizados Brasil afora têm a facilidade de comprar diversos tipos de mercadoria, por meio do acesso aos web sites dos vendedores ou de um simples telefonema, recebendo-as no conforto de seus domicílios.
Por questões logísticas e comerciais, a maioria dessas empresas estão estabelecidas nos estados do Sul e Sudeste do país. Esses estados de origem recebem toda a arrecadação do ICMS nas vendas interestaduais, quando o destinatário é não contribuinte do imposto, seja pessoa física ou jurídica (pagamento de alíquota interna ao Estado de destino CF, art. 155, 2º, VII, alínea"B").
Segundo dispõe a Constituição Federal apenas nas vendas interestaduais a contribuintes do ICMS existe repartição de arrecadação do imposto, cabendo (i) ao Estado onde se iniciou a operação o imposto sob alíquota interestadual; (ii) e ao Estado de destino a outra parcela do imposto estadual, resultante da diferença entre as alíquotas interna e a interestadual (art. 155, 2º, VII, alínea "a").
É sabido que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC nº 36/06) tem por objetivo a revogação da alínea "b", inciso VII, 2º do artigo 155 da Constituição Federal, no sentido de que em todas as operações interestaduais exista uma única regra de tributação, que permita a repartição de arrecadação do ICMS entre os estados de origem e de destino.
A proposta encontra-se atualmente retida, aguardando o julgamento da Reforma Tributária (PEC nº 31/2007). Rememore-se que a reforma tem por pretensão a instituição da tributação do ICMS segundo o princípio do destino, criando mecanismos de compensação para os estados hoje superavitários nessa modalidade de transação interestadual.
Apesar da Reforma Tributária estar em curso perante o Congresso Nacional, alguns estados da Federação se anteciparam às aprovações das Emendas à Constituição e criaram mecanismos próprios na repartição de receitas do ICMS nas operações interestaduais, notadamente sobre as vendas realizadas a não contribuintes do imposto pelo e-commerce, pelas vendas não presenciais e para entrega futura.
o caso, por exemplo, dos estados de Mato Grosso e do Ceará que, por meio dos respectivos Decretos 2.033/09 e 29.817/09, criaram obrigações tributárias, supostamente de mera fiscalização, mas que autorizam a tributação pelo ICMS destas vendas interestaduais, sob alíquotas que variam de 7,5% a 18%, a depender do Estado e da operação.
Chama a atenção inicial a criação de novo fato gerador do ICMS e de novo contribuinte nesses estados de destino, sem qualquer fundamento Constitucional. E sequer há base legal nos estados para sustentar estas exigências, o que indica violação ao princípio da legalidade.
Além disso, salta aos olhos a violação ao pacto federativo, pois de forma absolutamente contrária à Constituição Federal (art. 155, 2º, VII," b"), os Decretos autorizam apropriação de receita de ICMS pelos estados de destino, que carecem de qualquer direito sobre tais valores, já que nessas vendas interestaduais o Estado de origem é o exclusivo beneficiário do imposto.
O estímulo à guerra fiscal é evidente. E inúmeras são as notícias de apreensões de mercadorias nas barreiras dos estados, que apenas são liberadas após o pagamento dos ilegítimos impostos exigidos ou por meio de decisões judiciais.
O resultado final é um grande desestímulo à atividade do e-commerce, com enormes prejuízos para o setor, principalmente pelo fato de que os estados de origem, nos termos da Constituição, continuarão a exigir o recolhimento do ICMS sob a alíquota interna, mas haverá o acréscimo no valor da operação do ICMS ilegitimamente exigido pelos estados de destino.
Comercialmente o vendedor terá que adotar uma dentre as três opções que nos ocorrem: (i) cessar a atividade de venda para esses estados, em razão dos complicadores criados e diante da possibilidade da mercadoria ficar apreendida, sem entrega ao cliente (ii) repassar o custo da guerra fiscal ao consumidor, que pagará mais caro pelo mesmo produto, se comparado a outro consumidor, sendo que isso ocorrerá pelo simples fato do consumidor estar domiciliado no Estado da Federação que criou, ao seu bel prazer, esse novo ICMS ou então (iii) se ver compelido a iniciar uma batalha judicial que não é sua, já que a guerra fiscal é entre os estados.
Veículo: Diário do Comércio - MG