Carlo Carrenho é um consumidor exigente que nunca hesitou em enviar fax a diretorias inteiras de companhias de serviços e fabricantes de produtos de consumo para reclamar de eventuais problemas. "Sempre fui reclamão", brinca o executivo, que atua como "publisher" do grupo Ediouro. Mas o que vem tornando Carrenho um osso ainda mais duro de roer nos últimos tempos é o caminho encontrado para fazer suas críticas: as redes sociais, especialmente o Twitter.
Recentemente, Carrenho ligou para sua operadora de telefonia, interessado na versão mais recente do iPhone, da Apple. "Eles disseram que não tinham o equipamento em estoque e que não podiam oferecer nenhum desconto na compra do aparelho", diz o executivo. Com uma conta mensal por volta de R$ 3 mil, o que o coloca em um grupo de usuários especiais, Carrenho entrou no Twitter para reclamar do caso, informando até o número do atendimento no call center. Um dia depois, a operadora entrou em contato e ofereceu um "voucher" que cobria o valor total do aparelho. A companhia não atribuiu a mudança de comportamento ao uso do Twitter, mas Carrenho se sentiu recompensado em apelar para a web.
O caso indica uma mudança de comportamento em relação às redes sociais. Considerados inicialmente um universo restrito ao público adolescente, esses serviços receberam pouca atenção das grandes marcas. Mesmo entre as companhias que se interessaram por elas, o uso ficou limitado a ações de marketing e divulgação. Agora, à medida que ganham força, as redes estão se tornando um espaço para as empresas lidarem com um assunto tão fundamental quanto espinhoso para seus negócios: o atendimento ao cliente.
"A rede social transformou-se em um megafone, tornando a reclamação de um [consumidor] na de muitos", afirma Daniel Deivisson, diretor de novos negócios da Neocontact, uma companhia especializada em ajudar empresas a atender seus clientes nas redes sociais. O objetivo é resolver rapidamente o problema do consumidor, evitando danos à marca e, se possível, revertendo as críticas em elogios on-line.
As redes sociais estão reescrevendo as regras de atendimento, diz Deivisson. Se tradicionalmente o consumidor é medido pelo poder de compra ou lealdade à marca, nas redes sociais o que vale é sua capacidade de multiplicar as críticas - ou admiração - ao maior número de pessoas.
A companhia desenvolveu um software que monitora as redes sociais e identifica os maiores autores de reclamações, os problemas mais citados e os temas recorrentes. O segredo está em um algoritmo que identifica quantos "amigos" uma pessoa tem nas redes sociais, atribuindo a elas uma espécie de nota de risco. Quanto maior o poder de impacto do cliente, mais incisiva deve ser a ação da empresa.
Com investimento de R$ 2 milhões em software e processos, a Neocontact usa as próprias redes sociais para entra em contato com os usuários irritados, encaminhando o problema ao call center da empresa-cliente. Depois, volta ao consumidor para comunicar a solução encontrada e verificar se o movimento resultou em uma ação positiva na web.
Outras empresas investem em serviços semelhantes. Na Direct Labs, a ideia é monitorar as redes sociais, definindo um manual de "o que fazer" em cada caso. "Se um volume grande de mensagens com reclamações for detectado em um determinado período de tempo, qual ação deve ser tomada? Ativar a área de atendimento ao cliente? Avisar os diretores da empresa? Todos os cenários têm que ser desenhados", diz Diego Monteiro, consultor de redes sociais da Direct Labs. A companhia desenvolveu um software, batizado de Scup, para a tarefa de monitoramento. A empresa tem 13 clientes atualmente. Um deles, a rede de restaurantes Arábia, monitora a postagem de mensagens do tipo "estou com fome" e "estou à procura de uma receita". Recentemente, um blogueiro fez um "post" pedindo uma dica para cozinhar algo com semolina. O pedido foi detectado e uma receita da "chef" do restaurante foi enviada ao blogueiro. "Ele ficou surpreso e fez um novo 'post', agradecendo", diz Monteiro.
O interesse crescente das companhias em usar as redes para melhorar seu relacionamento com o consumidor é, em parte, reflexo das próprias mudanças de perfil pelas quais esses sites vem passando. Além de conquistar um público crescente, os serviços estão "envelhecendo", se é que é possível empregar o termo a um fenômeno tão novo.
Até dezembro de 2009, a maior fatia de audiência das redes sociais Orkut, Facebook e Twitter no Brasil era de usuários com até 24 anos de idade. Isso, no entanto, mudou. Em fevereiro, segundo o instituto Ibope Nielsen Online, das 28,5 milhões de pessoas que navegaram pelos três serviços, a maioria - 10,9 milhões de usuários - tinha mais de 35 anos. O público com até 24 anos somou 10,3 milhões.
Juntos, Orkut, Facebook e Twitter representam a maioria esmagadora dos acessos a redes sociais no país. Das 36,7 milhões pessoas que navegaram pela rede em fevereiro, 78% visitaram pelo menos um desses sites. Entre maio de 2009 e fevereiro deste ano, a audiência total desses sites cresceu 13%, avançando 21% entre o grupo com mais de 35 anos. Um dos dados mais curiosos é que, atualmente, o grupo de usuários com mais de 50 anos de idade (5,5 milhões de usuários) supera o de pessoas entre 18 e 24 anos (5 milhões).
A mudança de perfil, segundo José Calazans, analista do Ibope Nielsen, deve-se em parte ao crescimento do uso do computador na classe C. "Há uma sinalização de que essas pessoas, que muitas vezes não podem usar a internet no ambiente de trabalho, estão deixando para conhecer os recursos de internet em casa", comenta. "Os serviços de comunicação em geral são os mais acessados por esses novos usuários."
As próprias redes sociais veem com interesse o apelo recentemente despertado entre as grandes empresas. No Reino Unido, o banco HSBC começou a receber muitas reclamações em sua página no site Facebook depois de lançar uma conta direcionada ao público jovem. "Aparentemente, os jovens demonstravam alguma resistência à marca", diz Meenal Balar, responsável pela estratégia de expansão internacional do Facebook. Com os comentários em mãos, o HSBC passou a aprimorar sua oferta.
Outro exemplo vem da Procter & Gamble, que está usando o Facebook para fazer pesquisa de opinião e testes de novos produtos. "As pessoas não querem só ver publicidade. Elas querem interagir com as marcas", diz Meenal. Desde sua primeira visita ao país, em julho do ano passado, o número de usuários brasileiros cadastrados no Facebook cresceu quatro vezes. No mundo, o Facebook já ultrapassou os 400 milhões de usuários.
Veículo: Valor Econômico