Das várias dezenas de tarifas diferentes cobradas hoje pelos bancos dos clientes portadores de cartões de crédito, identificadas pelo governo, pouco mais de dez devem sobreviver quando estiver pronta a regulação da cobrança dessas taxas.
Em reunião realizada no último dia 22 entre o Banco Central e as empresas de cartão associadas à Abecs, a maioria delas subsidiárias dos bancos, foi discutida uma relação de apenas 14 tarifas. Algumas delas ainda podem cair, por discordância do BC. As conversas já avançaram bastante e agora é em cima dessa lista reduzida que governo e setor negociam. Extrato da reunião ao qual o Valor teve acesso deixa claro que as tarifas de cartões passarão a ser reguladas dentro da Resolução 3518 do Conselho Monetário Nacional (CMN) que, desde 2008, regulamenta as tarifas bancárias. Na prática, o BC está assumindo a regulamentação do setor de cartões. O governo está preocupado com o tema diante da proliferação de tarifas e de reclamações dos consumidores e quer fixar o que pode e não ser cobrado e de que forma. A primeira ofensiva para regular o setor foi feita no ano passado, quando o governo exigiu o fim da exclusividade entre bandeiras (Visa e Mastercard) e empresas credenciadoras de estabelecimentos, algo que já era uma tendência no setor. Essa exclusividade deixou de existir ontem.
Agora, o foco são as tarifas e, na reunião da semana passada, o BC posicionou-se a respeito de propostas feitas originalmente pela Abecs.
A respeito da cobrança de anuidade, a autoridade monetária quer tarifas diferenciadas para cartão nacional, internacional e básico e que as mesmas sejam informadas nas tabelas dos bancos de forma anualizada, para permitir comparação entre concorrentes, independentemente da forma de cobrança, que será livre (parcelada ou à vista).
Na chamada tarifa de programa de recompensa, a preocupação do BC é com a venda casada de produtos como seguros, acoplados ao cartão. A autoridade quer que as emissoras explicitem o que é recompensa - como troca de milhas voadas por passagens ou prêmios - e o que é benefício, como assistência em viagem e seguros. O BC gostaria de ver a anuidade quebrada em duas: a tarifa básica pela emissão de cartões e outra pelos benefícios para que o cliente pudesse optar entre contratar um produto básico ou com outros atrativos. Mas os bancos argumentaram no encontro que tal separação seria impossível por inviabilidade operacional e porque as bandeiras definem os produtos.
Alguns itens foram considerados pelo BC operações de crédito e não prestação de serviço e, segundo esse raciocínio, não possibilitariam a cobrança de tarifas. É o caso da recomposição antecipada do limite de crédito, da aprovação de despesa em excesso e do pagamento de outras contas, como luz, telefone ou condomínio na fatura do cartão. Nos dois primeiros casos, os bancos argumentaram que são operações que equivalem ao chamado "adiantamento a depositante", previsto na Resolução 3518, que os bancos cobram para permitir que o cliente estoure seu limite na conta corrente.
No caso do pagamento de contas, os bancos argumentam que se trata de uma conveniência oferecida ao cliente e que, com a eventual vedação da tarifa cobrada hoje, o serviço deve ser suspenso.
Sobre as tarifas para saque no Brasil e no exterior, o BC ficou de analisar se mantém a cobrança de forma percentual, como é hoje, ou se estabelece uma taxa fixa. A autoridade também observou que hoje não fica claro se o cliente saca de uma linha de crédito ou de recursos próprios e que, se for uma linha de crédito, não deve haver tarifa (operação de crédito, não prestação de serviço). O BC quer que a tarifa sobre conversão de câmbio no caso de compras no exterior seja incluída na anuidade. A justificativa é que a "conversão de moeda é inerente ao cartão internacional".
Para seis das tarifas propostas o BC já deu seu aval na reunião e pretende incluí-las na Resolução 3518. São elas: reposição emergencial do cartão, emissão de cartão diferenciado, envio de mensagem eletrônica, segunda via do cartão, segunda via de comprovante e fatura diferenciada.
Os bancos estão pleiteando que novos produtos possam ser lançados antes da aprovação prévia pelo BC, sob o argumento de preservar a dinâmica do setor. Os bancos assumiriam o risco de ter que isentar os produtos de tarifa em caso de reprovação pelo BC. Os representantes dos bancos também pediram um prazo para implantação da regulamentação.
Não há data para que a regulamentação entre em vigor e nem o BC nem a Abecs quiseram comentar o teor do documento. Também procurada, a Febraban, federação que reúne os bancos, não se pronunciou. A regulação vai afetar diretamente os bancos, porque são eles, como emissores dos cartões, que cobram a maioria das tarifas associadas aos cartões de crédito.
A leitura dentro do governo é que as tarifas abusivas migraram dos serviços bancários para os cartões depois que a Resolução 3158 botou um freio nas cobranças feitas pelos bancos. Paralelamente à discussão de cobranças abusivas, o governo ainda tenta regular outros aspectos dessa indústria. Um dos mais preocupantes é o envio não solicitado de cartões a consumidores. Na próxima segunda, o presidente da Abecs, Paulo Caffarelli, deve se reunir com o diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça para tratar da questão. Depois de reiterados alertas para que as empresas suspendam essa prática, o governo avalia que ela continua a existir.
Veículo: Valor Econômico