Crescimento do mercado eletrônico gera disputa pelo ICMS

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Em discussão há pelo menos dois anos, cobrança adicional do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) para vendas não presenciais gera ônus para empresas e consumidores

Os últimos quatro anos são prova do potencial de expansão do comércio eletrônico no País. Durante o período, o faturamento das vendas por meio do e-commerce mais que dobrou, passando de R$ 8,2 bilhões, em 2008, para R$ 22,5 bilhões, no ano passado, segundo dados do relatório Webshoppers, divulgado pela e-bit. No meio da escalada para o sucesso, um entrave mostra os desafios a serem vencidos pela nova modalidade de comercialização. Em abril de 2011, 18 estados assinaram o Protocolo ICMS 21 estabelecendo mais um valor a ser considerado na composição do imposto que incide sobre o estado de origem da venda.

A preocupação com a arrecadação, que acaba favorecendo estados onde funcionam as centrais de distribuição de empresas do ramo, levou Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia e Sergipe, além do Distrito Federal, a firmarem o acordo que define o pagamento da diferença entre a alíquota do ICMS do estado destinatário da compra e a alíquota interestadual aplicada ao Estado de origem do produto. “Do jeito que está hoje, a cobrança é inconstitucional”, assegura o advogado tributarista Cristiano Diehl Xavier. Ele explica que houve uma ação direta de inconstitucionalidade, mas que na prática não surtiu efeito, porque, além do protocolo, foram criadas leis estaduais consolidando a cobrança do valor adicional em vigor. Como saída, ou as empresas pagam a alíquota a mais ou entram com processos judiciais para conseguir liminares contrárias à decisão, caminho seguido pelas principais comerciantes do segmento.

“A maioria das lojas, no Rio Grande do Sul, que tiveram problema com isso já recorreram judicialmente contra a cobrança, que é inconstitucional”, destaca o assessor jurídico tributário do Sindilojas, Eduardo Plastina. A B2W, controladora das Americanas, Submarino e Shoptime, e as Lojas Renner são dois exemplos de grandes redes que obtiveram liminar para comercialização de produtos sem precisar compensar a diferença interestadual.  “Hoje, esse problema está bem mais reduzido, mas logo que saiu o protocolo um bom número de empresas nos procurou para saber como deveriam agir”, acrescenta Plastina.

“Hoje, o ICMS é o tributo de maior impacto para o empresário do comércio eletrônico”, avalia o diretor de Comunicação da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (Câmara-e.net), Gerson Rolin, destacando a complexidade do sistema tributário brasileiro. “O grande varejista acaba investindo numa área específica para tributação, mas como o micro, pequeno e médio darão conta dessa demanda?”, questiona. Para os estados, o imposto representa uma verba imprescindível, mas que, por ser cobrada na origem, representa ganho para as regiões com maior número de indústrias e centros de distribuição. São Paulo, por exemplo, fica com a maior arrecadação do País.

Em 2012, o estado paulista contabilizou mais de R$ 109 bilhões oriundos do ICMS – valor que supera a arrecadação dos demais estados e de todas as regiões do Brasil, com exceção do Sudeste. O valor do ICMS paulistano superou em mais de duas vezes a arrecadação de toda região Sul, que somou quase R$ 52 bilhões (destes, R$ 21 bilhões foram arrecadados pelo Rio Grande do Sul, R$ 17 bilhões, pelo Paraná, e R$ 12 bilhões, por Santa Catarina). Dos mais de R$ 326 bilhões obtidos pela União a partir do ICMS, o montante de São Paulo representa mais de 30% do total, enquanto estados como Roraima, com a menor arrecadação do País (R$ 417 milhões), alcançou 0,12% do total.
Proposta busca equiparar diferenças

Apesar da diferença relevante, o protocolo que impôs nova incidência sobre o ICMS, garantindo uma fatia do bolo para o estado de destino, apenas onerou ainda mais as empresas, repercutindo negativamente para os consumidores. “A gente já tem uma carga tributária entre as maiores do mundo e agora enfrentamos a bitributação. Isso inviabiliza o comércio para os consumidores desses estados”, argumenta o diretor de Comunicação da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (Câmara-e.net), Gerson Rolin. “Se uma empresa do Rio Grande do Sul faz venda virtual pelo site, ela paga o ICMS integralmente para o Estado. Se vender para o Norte, vai ser cobrado mais 7%. Só que esse adicional não é constitucional. É um caso típico de bitributação”, exemplifica o assessor jurídico tributário do Sindilojas, Eduardo Plastina.

Com perspectiva de crescimento, que deve chegar a 24% em 2013, segundo estimativa da e-bit, o comércio eletrônico deve faturar, neste ano, R$ 28 bilhões. Enquanto as vendas alavancam, os debates sobre o ICMS prosseguem. Em trâmite no Congresso Nacional, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 197/2012 desponta como medida para equilibrar a conta de arrecadação nos estados. O texto em apreciação define o pagamento da diferença entre a “alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual, quando o consumidor final for contribuinte do imposto” (com recolhimento sob responsabilidade do destinatário) e da diferença entre a “alíquota interna do Estado remetente e a alíquota interestadual, quando o consumidor final não for contribuinte do imposto” (com recolhimento a cargo do remetente).

“Esses produtos estão sendo remetidos, consumidos pelos estados de destino, onde não está sendo arrecadado nada. É uma forma de remediar, e eu acho que vai passar, porque são muitos estados que estão com esse problema”, pondera Cristiano Xavier, advogado tributarista da Xavier Advogados. Para o assessor jurídico tributário do Sindilojas, o protocolo ICMS 21 foi uma decisão equivocada que não soluciona o impasse. “Essa PEC é legitima para fazer a troca da sistemática atual”, afirma, defendendo mudanças na política de arrecadação fiscal do tributo.
Regras estaduais exigem controle

Quando o assunto é tributação, a prática das empresas que atuam com vendas não presenciais e de seus contadores deve ser a de controle sobre a comercialização de cada produto, orienta o contador Vicente Sevilha Junior. A nova modalidade de negociação revela as deficiências da legislação que trata do ICMS, explica o contador. “Trata-se de um imposto estadual, ou seja, o dinheiro arrecadado com ICMS fica no estado. Na mesma linha, o estado tem algumas liberalidades para criar leis sobre ICMS, já que o dinheiro é seu”, detalha.

“Quando vendedor e comprador estão em estados diferentes, ocorre um fenômeno no qual o dinheiro sai do estado comprador, Bahia, por exemplo, mas vai alimentar os cofres apenas do estado vendedor, São Paulo”, destaca Sevilha Junior. “Como os estados não conseguem chegar a um acordo, os legisladores vão fazendo emendas na legislação, na tentativa de diminuir os danos”, acrescenta.

“Essa colcha de retalhos que é nossa legislação tributária transforma o cotidiano das empresas e dos contadores em um verdadeiro pesadelo. É preciso controlar, para cada tipo de produto, dependendo do estado de origem e do estado de destino, quais são os valores de imposto a ser pago para cada união federativa”, avalia. Outro problema a ser enfrentado pela classe é a ausência de um banco de dados nacional que concentre todas as legislações estaduais. “No final das contas, o simples ato de buscar uma lei para saber como fazer vira uma tarefa hercúlea”.
Tributação complexa é problema a ser enfrentado

A contadora pós-graduada em Direito Tributário Empresarial, Roberta Salvini, lembra que a discussão sobre cobrança interestadual do ICMS é antiga. “É uma situação que se refere a todo nível de comércio em que houver venda de produtos entre estados diferentes, e a maior dificuldade que nós temos é a cobrança de 27 legislações diferentes – uma para cada estado”, atesta. Roberta reforça que tanto empresários como advogados e contadores precisam compreender a regra aplicada na comercialização para cada estado. “O nosso problema é o excesso e a complexidade da legislação”, ressalta.

O argumento da complexidade tributária também é encarado como ponto negativo para o crescimento das empresas pontocom, segundo o diretor de comunicação da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (Câmara-e.net), Gerson Rolin. “Já há varejistas pensando em restringir as vendas para os estados signatários do Protocolo ICMS 21”, aponta. “Sem sombra de dúvidas essa é uma iniciativa que só tem a inibir o desenvolvimento de um segmento que cresce a uma velocidade maior do que os demais da economia”.

Rolin reforça que não acredita em soluções paliativas para sanar a guerra fiscal entre os estados e amenizar o impacto tributário para empresas e consumidores. “Países que definitivamente perceberam que o comércio eletrônico é uma alavanca para economia eliminaram o imposto pago aos estados pelas empresas de comércio eletrônico, pois é um setor que está gerando emprego, girando a economia e que, no Brasil, está criando multinacionais”, certifica. A Câmara-e.net defende redução de impostos e reforma tributária, acrescenta. “A gente precisa diminuir e descomplicar o sistema tributário”.

“Há muito tempo se discute uma mudança na sistemática de cobrança. Um modelo adotado em países como Argentina e Estados Unidos é o Imposto sobre Valor Adicionado (ou Agregado) – IVA, com alíquota única para todos os estados. Ainda assim, a receita ficaria no estado de origem, mas o valor cobrado seria o mesmo, independente dos estados envolvidos na negociação”, demonstra Roberta.

A venda não presencial – que engloba também vendas por telefone e catálogos – ganhou força com a internet e é caminho sem volta até para empresas cujas opções de negócio não priorizam o e-commerce. As lojas Thithãs, por exemplo, que têm 20 anos de atuação no mercado gaúcho de vestuário, aderiu à modalidade de comercialização pela internet há um ano. “É um mercado ainda bastante tímido para o nosso setor, que ainda não se firmou para o consumidor final, mas a gente precisa acompanhar as tendências de mercado e oferecer canais diferentes de consumo”, assegura o proprietário Thiago Gomes.

Com alcance nacional garantido pelo e-commerce, a rede também está atenta à discussão tributária, mas diz não ter enfrentado problemas com envio de mercadorias para outros estados. “Mesmo com as vendas para todo País, nosso principal mercado ainda é o Rio Grande do Sul”, destaca Gomes, ressaltando que a orientação jurídica obtida até o momento é a do recolhimento do ICMS para o Estado, pelo menos até que a legislação acompanhe as mudanças promovidas pelo mercado eletrônico.



Veículo: Jornal  do Comércio - RS


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