Estratégia: Programa desenvolvido pela companhia prevê investimentos de R$ 150 milhões em três anos
Máximas como "o cliente tem sempre razão" e "o consumidor é o rei" são velhas conhecidas do pessoal de marketing das companhias de varejo. Mas o que Joaquim Dias Garcia e Alexandre Vasconcellos estão provando, agora, é que esses conceitos começam a modificar radicalmente outro departamento vital para os grandes varejistas: o de tecnologia da informação (TI).
Garcia e Vasconcellos comandam o que é, talvez, o mais profundo processo de transformação tecnológica da história do grupo Pão de Açúcar e, seguramente, um dos maiores programas de automação de processos do país.
Batizado de "O Futuro do Varejo", o programa prevê o investimento de R$ 150 milhões em três anos e inclui a troca de equipamentos, substituição de programas de gestão e criação de novos serviços. A força de trabalho envolvida nessas tarefas reúne quase 500 pessoas e inclui tanto o efetivo da divisão de tecnologia, de 300 profissionais, como um time adicional de quase 200 pessoas orientadas a um projeto específico, com o qual o Pão de Açúcar espera mudar seu relacionamento com os clientes.
"A companhia estava sendo conduzida por um fusquinha, mas com o tamanho que assumiu ao longo do tempo o veículo ficou pequeno", compara Garcia, diretor de TI do grupo Pão de Açúcar.
Até 2011, a companhia planeja substituir seu parque de 10 mil computadores por "thin clients", terminais que não têm disco rígido. Todos os programas e dados ficam armazenados na rede da empresa. Serão 3,5 mil máquinas este ano, o mesmo tanto em 2010 e mais 3 mil em 2011. Como os "thin clients" consomem menos energia, a previsão é de uma economia de R$ 4,5 milhões em energia elétrica no ano que vem, chegando a R$ 15 milhões em 2013.
A empresa também começou a adotar uma norma que prevê o uso de equipamentos que não usam chumbo, entre outras substâncias consideradas perigosas ao ambiente, e limitou o número de impressoras nos seus escritórios a uma máquina por andar. A cópia só é feita quando o usuário digita sua senha na impressora. Caso isso não ocorra no período de três horas, o pedido é excluído - uma forma encontrada para impedir o desperdício de papel e de suprimentos como toner.
Mas a maior transformação do grupo é na área de software. Em janeiro, o Pão de Açúcar completou o processo de migração de seu programa de gestão, substituindo um sistema construído dentro de casa por software da alemã SAP. "O sistema tinha uma idade média de 20 anos", conta Garcia. "Alguns [programas] chegavam a ter 26 ou 27 anos."
Com a mudança para o software da SAP - um produto de mercado em vez de um sistema próprio - o Pão de Açúcar facilita o processo de integração com o Ponto Frio, adquirido em junho, e garante a chamada retaguarda ou "fundo de loja", que engloba uma longa lista de funções, principalmente de caráter financeiro.
Com essa parte resolvida, o grupo também se habilita a dar o passo mais ambicioso do processo: montar uma estrutura capaz de coletar informações detalhadas sobre os hábitos de consumo e orientar as ações da empresa em meio à guerra acirrada contra outros peso-pesados, como o Carrefour e o Wal-Mart, que também investem fortemente em TI.
O movimento é considerado tão importante que no ano passado Alexandre Vasconcellos deixou o cargo diretor de TI do grupo, ocupado atualmente por Garcia, para assumir a posição de diretor específico dessa iniciativa. Chamado de Oracle Retail - uma referência à americana Oracle, fornecedora do software escolhido -, o projeto tem três etapas de trabalho. "Em vez da modalidade 'big bang', que prevê uma substituição completa do dia para a noite, vamos fazer uma implementação gradativa", diz Vasconcellos.
A primeira fase, que prevê a automação do sistema de abastecimento, já começou. O sistema analisa as estatísticas de venda de dois anos para trás, avalia o impacto de promoções e outros fatores sazonais e faz os pedidos automaticamente aos fornecedores. O objetivo: evitar a escassez ou o excesso de estoque, item a item, nas lojas do grupo.
Pelo cronograma, as categorias de produto começam a migrar para o sistema em janeiro de 2010, num trabalho que vai se desenrolar durante todo o primeiro semestre do ano que vem.
Em janeiro, começa também a implantação da segunda fase: a automação dos estoques das 18 centrais de distribuição do Pão de Açúcar e dos dez centros do Ponto Frio. Paralelamente, será adotado um novo sistema de gerenciamento de transportes, que vai englobar a frota do grupo de 1,1 mil caminhões. A implantação começa em 2011 e prossegue até 2012, quando começa a terceira e última etapa, que envolve a melhoria de imagem e das campanhas promocionais.
Paralelamente, o Pão de Açúcar trabalha em dois outros pontos sensíveis: a formação de preço dos produtos e a segmentação do público. No caso dos preços, o Pão de Açúcar vai adotar o programa DemandTech. Com base em parâmetros pré-estabelecidos, o software sugere o preço que um produto deve ter, levando em consideração a época do ano, o local em que está a loja e o perfil do público daquela unidade.
Com o dunnhumby, outro programa que o Pão de Açúcar começa a implantar neste ano, a meta é segmentar o perfil do consumidor para criar ofertas sob medida a diferentes tipos de público. O sistema estabelece perfis baseados no estilo de vida do consumidor, identificando semelhanças entre os compradores, independentemente da região em que eles vivem ou da loja que frequentam, explica Vasconcellos.
É uma parafernália inimaginável anos atrás, mas que visa o mesmo objetivo da frase estampada nos prosaicos saquinhos de supermercado de outrora: "servimos bem para servir sempre."
Veículo: Valor Econômico