Depois da paz, a guerra

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Por muito tempo, a Redecard e a Visanet desfrutaram de um duopólio com pouca competição. Agora, antes mesmo de o governo mudar as regras do setor, elas se preparam para o confronto
 


A vida sem concorrência é quase sempre uma maldição no longo prazo. Mas pode ser uma bênção no curto. Criadas há pouco mais de uma década, Redecard e Visanet, as duas maiores credenciadoras de cartões do país, viveram durante anos as delícias de um mercado pouco competitivo. Graças a um contrato de exclusividade, hoje somente a Visanet pode realizar os pagamentos feitos com os cartões Visa. Embora a Redecard, não tenha um acordo semelhante com a Mastercard, a outra principal bandeira no país, na prática somente ela aceita seus cartões. Trata-se, em suma, de um duopólio no qual as duas companhias convivem em relativa paz. Agora, esse cenário parece ter -- afinal -- chegado ao fim. "Vamos avançar no território da concorrente. É hora da faca na boca", diz Roberto Medeiros, presidente da Redecard. A direção da Visanet. (que se negou a falar com a reportagem de EXAME) também está se preparando para os novos tempos. Pessoas próximas à empresa dizem que, internamente, a Visanet já declarou guerra à concorrente e que um programa de corte de custos foi colocado em andamento para aumentar a competitividade. Novos fornecedores estão sendo contratados e existe a possibilidade de a Visanet ganhar um novo nome -- para refutar a imediata associação com a Visa e passar a disputar os clientes da Redecard.

 

A movimentação é fruto da intenção do governo federal de mudar as regras do setor de processamento de cartões. No mês passado, a secretaria do Ministério da Justiça responsável pela análise da concorrência determinou o fim do contrato de exclusividade entre a Visa e a Visanet, mas, como era esperado, a credenciadora recorreu ao Cade, órgão antitruste do país. (Até o fechamento desta edição, a decisão ainda não tinha sido anunciada.) Por si só, o fim da exclusividade entre Visa e Visanet não garante um setor competitivo. Se nenhuma das empresas atacar o mercado da concorrente, tudo fica como está. Isso, na opinião de Medeiros, da Redecard, é impossível. "Ter a Visa no nosso portfólio seria espetacular", diz. O governo estuda outras medidas para incentivar a competição, como permitir aos varejistas dar desconto para os pagamentos feitos em dinheiro, o que pode reduzir o uso do cartão. "A estrutura atual do mercado inibe a concorrência e o lojista fica sem alternativa para discutir taxas", diz José Antonio Marciano, chefe do departamento de operações bancárias e de sistema de pagamentos do Banco Central, que fez um alentado estudo sobre o setor recentemente.

 

Mesmo antes de qualquer definição, Redecard e Visanet já começaram a se preparar para um ambiente de competição mais dura. O sinal mais visível dos novos tempos é a postura da Redecard. Com a ajuda da consultoria McKinsey, a companhia dividiu os clientes em três grupos: os 100 maiores, o grande varejo e as pequenas e médias empresas das principais regiões do país. A partir dessa separação, as equipes de vendas da Redecard passaram a atender clientes de um mesmo perfil. Setores que tradicionalmente não aceitam cartões, como saúde e educação, tornaram-se alvos prioritários. Em julho, funcionários da Redecard foram ao Congresso Internacional de Odontologia, realizado no Rio de Janeiro, e conseguiram credenciar 1 800 dentistas.

 

Alexandre BattibugliDias, da Visanet: o mercado espera a troca do nome da companhia Disposta a desfazer a imagem de credenciadora restrita à bandeira Mastercard, a Redecard está investindo, pela primeira vez, em uma campanha institucional para mostrar aos consumidores que já aceita diversos cartões -- são 12 no total. As parcerias com novas bandeiras foram aceleradas -- neste ano, a Redecard, fechou contratos com a bandeira argentina de cartões Cabal e com a empresa paulista de refeições corporativas Sapore. Em breve, deve anunciar oficialmente duas novas parcerias: uma com o BNB Clube, que oferece cartões de alimentação em Fortaleza, e outra com a rede de cartões americana Discover Card. No seu blog interno, Medeiros, que antes de assumir a Redecard. foi presidente do braço voltado para o segmento corporativo da Telefônica, tem caprichado nas mensagens para despertar o instinto animal de sua equipe. "Quando o telefone de seu colega estiver tocando e ele não estiver na mesa, atenda" foi uma das mensagens postadas recentemente. "Após minha experiência no setor de telefonia, comecei a acreditar que o ambiente mais competitivo tende a deixar as pessoas mais criativas", afirma Medeiros.

 

Na Visanet, os planos para enfrentar o cenário de maior concorrência são menos visíveis, mas profissionais de mercado dizem que a empresa estuda oferecer outros serviços aos comerciantes por meio da máquina que realiza os pagamentos com cartão -- como recarga de telefone celular, compra de ingressos e serviços bancários. "É uma maneira de fazer com que o aluguel da máquina, que não é bem visto pelo mercado, gere receita para o estabelecimento", diz Rodrigo Mendes, vice-presidente da consultoria AT Kearney.

 

Caso as medidas do governo, de fato, se materializem, a competição não deve ficar restrita à Visanet (cujos principais acionistas são Bradesco e Banco do Brasil) e à Redecard (empresa na qual o Itaú Unibanco tem a maior fatia). Bancos com pouca ou nenhuma participação no mercado de processamento de pagamentos com cartões, como o espanhol Santander, a Caixa Econômica Federal e o britânico HSBC, podem ser os primeiros interessados a entrar nesse mercado.

 

O Santander, que já possui uma licença da Mastercard, estaria negociando parcerias com competidoras menores como a GetNet, com sede no Rio Grande do Sul. Presente em quase 170 000 estabelecimentos comerciais, a GetNet presta serviços a 21 bandeiras regionais. (Os executivos do Santander não comentam o assunto.) Além disso, concorrentes internacionais de peso também estão acompanhando o desenrolar dos acontecimentos por aqui. Os executivos da First Data, uma das líderes nos Estados Unidos, já declararam ter interesse no mercado brasileiro. Pelo andar dos fatos, Redecard e Visanet. podem se preparar para a guerra.

 

Veículo: Revista Exame


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