Vendas de tintos finos produzidos no país avançam 14,6% em 2009, ante alta de 2% da bebida proveniente do exterior
Setor projeta que, até 2025, vinhos finos ampliarão fatia de mercado de 18% para 80%; uva usada em tinto de mesa focará produção de suco
Os vinhos finos nacionais estão em alta e ganharam mercado sobre os importados. O consumo de vinhos tintos finos (feitos de uvas vinífera, de melhor qualidade) produzidos em solo nacional cresceu 14,6% em 2009, ante uma alta de apenas 2% do produto do exterior.
As vinícolas gaúchas, que representam 90% do mercado nacional, produziram 13 milhões de litros de vinhos finos tintos, ante uma comercialização de 59 milhões de litros de vinhos finos de procedência internacional. Incluindo vinho de mesa (de menor qualidade), além das variedades branca e rosada, a produção gaúcha de vinhos sobe para 240 milhões -alta de 12% ante 2008.
"O setor vive um momento de recuperação", diz Júlio Fante, presidente do Ibravin (Instituto Brasileiro do Vinho). "Nos últimos dez anos, foi feito um investimento forte na viticultura, no plantio da uva, na escolha dos terrenos e em termos de variedade das mudas."
Dados inéditos compilados pelo Ibravin mostram que a indústria nacional de vinhos e espumantes movimentou R$ 2,5 bilhões no ano passado -considerando como base os valores pagos pelo consumidor final.
A importação de vinhos somou R$ 345 milhões, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento. Considerando os valores pagos pelo consumidor, o faturamento da categoria de importados sobe para quase R$ 900 milhões, de acordo com estimativas do Ibravin.
Além de ganhar mercado em relação aos importados, os vinhos finos conquistam espaço dentro da produção nacional. O Ibravin projeta que a participação dos vinhos finos em relação ao total dos vinhos produzidos no país deve passar dos atuais 18% para 80% até 2025. Mas isso não significa o fim do plantio das chamadas uvas híbridas, ou americanas, usadas para produzir vinho de mesa. Estas continuarão sendo plantadas, mas com foco na produção de suco.
Produto saudável
Com apelo de produto saudável, o suco de uva tem crescido a taxas de 40% ao ano. Tradicionalmente, 30% da safra de uva americana é destinada à produção de sucos. Mas, no ano passado, essa fatia subiu para 45% e a expectativa é que, neste ano, 60% da safra seja transformada em suco. Além da crescente demanda pelo produto, o suco de uva garante retornos financeiros melhores para as vinícolas.
Enquanto o vinho tinto de qualidade garante prestígio para as vinícolas, o suco de uva e os espumantes (que crescem 20% o ano) impulsionam o crescimento e os novos investimentos no setor.
A cooperativa Garibaldi reúne 340 produtores localizados em dez municípios da Serra Gaúcha e pretende investir R$ 7 milhões em aumento de capacidade nos dois segmentos. Segundo o presidente da Garibaldi, Oscar Ló, a produção de espumantes, que foi de 1,2 milhão de garrafas no ano passado, deve crescer 30%. O suco deve avançar na mesma proporção, para 2,1 milhões de litros. "Os vinhos de uvas viníferas também estão crescendo, mas é um mercado mais difícil, com forte concorrência com as estrangeiras", diz Ló.
Com um faturamento de R$ 44 milhões no ano passado, a Garibaldi pretende alcançar o time das grandes vinícolas como Miolo, Salton ou Aurora, cujo faturamento, com vinhos, é da ordem de R$ 100 milhões. "Nós somos grandes no Rio Grande do Sul, mas nossa ideia, para este ano, é conquistar o mercado de São Paulo."
A cooperativa já fechou com algumas redes de supermercados, como Sonda e Hirota, e está investindo em degustação no ponto de venda.
Estratégia similar tem a vinícola Perini, que faturou R$ 40 milhões no ano passado e planeja investimentos de R$ 4,5 milhões para este ano. A intenção de Benildo Perini, presidente da vinícola, é triplicar o faturamento em cinco anos.
Há hoje 1.200 vinícolas em atividade no Brasil, o dobro de cinco anos atrás. A maioria é formada por vinícolas de pequeno porte. Juntas, elas faturaram R$ 1,2 bilhão no ano passado, alta de 60% em relação a 2007. "O volume de uvas se manteve praticamente igual nos últimos dois anos. O crescimento, portanto, representa aumento do valor agregado."
Vinícolas-butiques se unem para conquistar SP
Enquanto na Itália e na França diversas vinícolas correm o risco de fechar as portas, no Brasil elas começam a colher os frutos de investimentos em qualidade realizados nos últimos cinco a dez anos. "A produção nacional de vinhos finos tem melhorado muitíssimo", diz Didú Russo, autor de "Nem Leigo Nem Expert" e vice-presidente da Confraria dos Sommeliers. "Se degustados às cegas, diversos vinhos brasileiros ficariam à frente de diversos vinhos importados."
Na sua opinião, o grande desafio é equacionar os problemas de preço e distribuição. As garrafas nacionais mais premiadas não costumam sair por menos de R$ 80. Mas o mais difícil é encontrá-las.
"Como é possível que no Uruguai se produza vinho fino de R$ 4,00? Por que nós não conseguimos?", questiona Russo. "Há uma visão limitada e muitos preferem se proteger dos importados com impostos e selos fiscais em lugar de procurar melhorar a qualidade."
Das 1.200 vinícolas existentes no Brasil, 220 se dedicam aos vinhos finos. Nessa categoria, há desde as grandes Miolo, Salton, Aurora e Casa Valduga, que produzem de 5 milhões a 10 milhões de litros de vinho por ano, até vinícolas de autor, como Nathan Churchill, Vinhos Bettú e Marco Danielle, com produção artesanal limitadíssima, de não mais de 5.000 garrafas/ano.
A grande maioria é formada de pequenas butiques, com produção média inferior a 100 mil litros por ano.
A maneira mais fácil de encontrar esses vinhos é nas lojas das próprias vinícolas. "Vendemos 38% da nossa produção diretamente ao consumidor", diz Juliano Carraro, da Lídio Carraro, vinícola localizada no Vale dos Vinhedos (RS) e que faturou R$ 1,7 milhão no ano passado. Para alcançar o mercado paulista de restaurantes e lojas especializadas, a empresa resolveu montar uma estrutura comercial própria.
Para dar suporte às butiques menores, que não têm recursos para tanto, o empresário Márcio Marson, da vinícola Marson, montou em São Paulo uma distribuidora exclusiva de vinhos brasileiros, a Eivin. O catálogo já conta com 12 vinícolas e 200 rótulos, e a ideia é promover eventos de degustação mensais com sommeliers e donos de restaurantes. "Queremos eliminar as barreiras em relação ao vinho brasileiro", diz ele, que tem como meta faturar R$ 1 milhão por mês até 2012.
Algumas poucas vinícolas conseguiram vencer o preconceito e entrar no catálogo de grandes distribuidores de importados. É o caso da Vallontano, representada pela Mistral, e da Angheben, pela Vinci. Com produção anual de 30 mil litros, a Angheben fatura só R$ 500 mil por ano. A intenção, segundo Eduardo Angheben, é incrementar o faturamento, mas sem aumentar de tamanho.
Veículo: Folha de São Paulo