Bebidas: Washington diz que nova regra ajudaria a evitar risco de calote
De um escritório em Milwaukee com vista para a fábrica original da Miller Brewing, Craig R. Reiners regateia melhores condições em contratos futuros de cevada, principal grão usado na cerveja Miller Genuine Draft. Também negocia futuros de alumínio, usado nas milhões de latas de cerveja que a companhia produz a cada ano, e formula acordos mais esotéricos como swaps e " collars " (operações de proteção financeira estruturadas com opções) para o gás natural que alimenta a cervejaria à frente de sua janela. O trabalho de Reiners é isolar a MillerCoors das flutuações de preço das commodities e, em última análise, salvar o " maravilhoso consumidor americano de cervejas " de ter de pagar mais pelo pacote de seis latinhas.
A MillerCoors e outras cervejarias também compra quantidades enormes de trigo, arroz, malte, açúcar e milho. Os preços de todas essas commodities podem variar desenfreadamente. Portanto, os produtos financeiros conhecidos como derivativos - contratos de hedge para a alta ou queda dos preços - ajudam as cervejarias a garantir uma faixa de preços que deixe o caminho mais livre para os lucros. Agora, o governo de Barack Obama busca impedir outra crise financeira regulamentando os derivativos que a MillersCoors usa. Reiners diz que Washington poderá tornar seu trabalho bem mais complicado. " É uma pena que estejamos sendo pintados da mesma forma que as pessoas que realmente abusaram do sistema " , afirma.
A cerveja não é a primeira coisa que vem à mente quando os parlamentares falam sobre engenharia financeira. Cervejarias como a MillerCoors e Anheuser-Busch, no entanto, valem-se pesadamente de derivativos e estão no centro do complexo debate sobre como deve ser o rigor na regulamentação das crescentes operações com derivativos no mercado de balcão, que ocorrem fora das bolsas de commodities. Um valor estimado em US$ 605 trilhões de contratos privados está em circulação.
Esse tipo de contrato financeiro foi o motivo do naufrágio global, com a American International Group (AIG) subscrevendo bilhões em swaps de crédito, contratos de derivativos para proteção contra calotes de bônus hipotecários ou empresariais que desmoronaram junto com os preços do mercado residencial.
As cervejarias fazem lobby para impedir a proposta do presidente Barack Obama, que as obrigaria a negociar derivativos publicamente em bolsas ou operar por meio de câmaras de compensação - uma empresa que executa a operação e faz a liquidação do contrato em seu vencimento. A Casa Branca exigiria, na prática, que os usuários de derivativos comprometessem seu dinheiro na forma de garantias, que seriam arrecadadas pelas câmaras de compensação. Obama diz que isso reduziria o risco de calotes em cascata desestabilizarem o sistema financeiro e ajudaria a evitar uma repetição do resgate de US$ 182 bilhões da AIG.
As cervejarias sustentam que as garantias podem ser custosas e imprevisíveis, variando de acordo com as oscilações de preço das commodities e travando milhões de dólares de seus recursos. Reiners, juntamente com Richard Crawford, lobista da MillersCoors, viajou a Washington para apresentar os argumentos aos parlamentares. " Essa proposta comprometerá bem mais de US$ 100 milhões por trimestre " , afirma. " É dinheiro que fica parado e não se pode usar em mais nada. "
Em dezembro, a Câmara dos Representantes eximiu as cervejarias e outros usuários finais (não especulativos) de derivativos das exigências de garantias e câmaras de compensação. Agora, o governo pressiona o Senado, que ainda não aprovou a medida, a restringir essa isenção, potencialmente obrigando as cervejarias a entrar com o dinheiro das garantias. A Comissão Bancária do Senado não eximiu os usuários finais em projeto de lei aprovado em março; as cervejarias esperam poder mudar isso.
Os lobistas das cervejarias reuniram-se com representantes da Comissão de Agricultura do Senado em várias ocasiões nos últimos meses, argumentando haver justificativas para a isenção. Voltarão ao Capitólio, no fim de abril, agora que o Senado está para debater a questão dos derivativos como parte do projeto de lei de regulamentação financeira.
" Não causamos o problema " , diz Dorothy Coleman, vice-presidente de política tributária da Associação Nacional dos Manufatureiros (NAM, na sigla em inglês). " Isso não é especular. Não estamos ganhando dinheiro com essas transações. "
Como parte de seu discurso, as cervejarias recordam aos congressistas que elas compram bilhões de dólares de commodities agrícolas e empregam milhares de funcionários sindicalizados.
As cervejarias planejam chegar com folhetos mostrando o impacto de seu setor em cada Estado, diz um representante do setor envolvido nas visitas ao Congresso. O folheto sobre o Iowa, por exemplo, mostra a indústria da cerveja como responsável por 14.325 empregos e uma atividade econômica de US$ 704 milhões em 2008 no Estado.
A Anheuser-Busch controla quase metade do mercado de cerveja nos EUA e opera 12 cervejarias. Possui 11 distribuidores e trabalha com 600 atacadistas independentes. Compra arroz no Arkansas e Califórnia, cultiva lúpulo em Idaho e fabrica garrafas de vidro no Texas. A MillerCoors, que controla cerca de 30% do mercado de cerveja nos EUA, tem plantações em nove Estados. Compra todo seu milho e a maior parte de sua cevada - cerca de US$ 500 milhões por ano - nos Estados Unidos.
As cervejarias também são doadoras generosas. O comitê de ação política da Anheuser-Busch e funcionários da cervejaria doaram US$ 471 mil a candidatos federais e partidos políticos para o ciclo de eleições em 2010, de acordo com o Center for Responsive Politics. O comitê similar da MillerCoors contribuiu com US$ 79 mil no mesmo período. A Associação Nacional de Atacadistas de Cerveja doou US$ 1,7 milhão.
A Anheuser-Busch InBev tinha mais de US$ 1 bilhão em swaps de alumínio, US$ 69 milhões em swaps de milho e mais de US$ 80 bilhões em swaps de taxas de juros - usados para amenizar o impacto cambial -, de acordo com seus balanços financeiros. Representantes da Anheuser-Busch não retornaram as ligações para comentar as informações.
Se os swaps de alumínio - basicamente contratos privados entre duas partes - tivessem de passar obrigatoriamente por uma câmara de compensação, a Anheuser-Busch teria de entrar com até 6% do custo do contrato. " Se são impostas exigências de margem para essas empresas, ou estão privando-as de sua capacidade para administrar o risco ou estão privando-as de seu capital de giro " , afirma Coleman, da NAM. O US$ 1 bilhão de swaps de alumínio da Anheuser-Busch exigiriam garantias cujo valor poderia oscilar em US$ 10 milhões por dia, se o preço do metal variasse 1%, segundo Craig Pirrong, professor de finanças na University of Houston.
Gary Gensler, presidente da Comissão Reguladora de Operações a Futuro com Commodities (CFTC), que supervisiona a maioria dos swaps, diz que as vantagens de um mercado de capital mais seguro superam essas preocupações. " Temos um risco real que a sociedade está sustentando " , afirma. O que isso tem a ver com o preço da cerveja em Buffalo? Muito. (Tradução de Sabino Ahumada)
Veículo: Valor Econômico