Estudo da Unifesp conclui que 69% dos anúncios de álcool na TV são feitos em atrações esportivas
Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) analisaram 420 horas da programação dos quatro canais de TV de maior audiência no Brasil e concluíram que a publicidade de bebidas alcoólicas está concentrada nos programas de esporte. Segundo os autores, esse tipo de programação é mais frequente nos períodos da manhã e da tarde e tem forte apelo entre o público menor de idade, que fica exposto à propaganda de bebida.
"Diversos estudos já mostraram que quanto maior a exposição à publicidade, maior o consumo de álcool", afirma a psiquiatra Ilana Pinsky, vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead) e coordenadora do estudo. Para Ilana, a autorregulamentação publicitária não é suficiente para evitar abusos e seriam necessárias restrições à propaganda de álcool tão rígidas quanto as existentes para o cigarro.
O presidente do Conar, Gilberto Leifert, discorda. "Podem restringir a publicidade ao máximo, mas o acesso à geladeira vai continuar franqueado", diz ele, afirmando que o problema é a falta de fiscalização da venda para menores de idade. "A sociedade tem direito à informação de produtos lícitos", defende. A entidade argumenta que sem publicidade livre não há imprensa livre e que a indústria da comunicação é a base da democracia.
A posição dos pesquisadores, no entanto, coincide com um documento aprovado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) na semana passada para reduzir o abuso no consumo de álcool - terceiro fator de risco para problemas de saúde e morte prematura no mundo. A OMS propõe que a publicidade não tenha como alvo os jovens, mesmo os que têm idade legal para beber.
"Quanto mais o jovem se identifica com a propaganda, maior é a influência no consumo de álcool", explica Ilana. "Por isso é preocupante ver os jogadores da seleção fazendo propaganda de cerveja durante a Copa do Mundo."
Para o especialista em marketing esportivo Erich Beting, isso acontece porque não há no Brasil especialistas na gestão da imagem dos atletas. "O David Beckham (jogador de futebol ) e a Maria Sharapova (tenista) não renovaram o contrato com a Pepsi para não estimular seus fãs a consumir refrigerante. Mas eles têm uma equipe por trás pensando o que devem ou não fazer", diz. "Aqui os jogadores fazem propaganda de cerveja porque a grana é boa, mas não percebem o alcance que isso tem."
A Brahma se tornou este ano a primeira marca brasileira de cerveja a patrocinar a Copa do Mundo. Procurada pela reportagem, a Ambev afirmou em nota que as campanhas da Brahma respeitam as normas do Conar. "Para a Ambev não interessa nenhum tipo de consumo inadequado, seja no excesso, entre menores e ou na direção", diz o texto.
Cerveja. Nas 420 horas de programação analisadas, foram encontradas 7.359 peças publicitárias. Dessas, 438 (7,6%) eram de bebida alcoólica - o sexto produto mais anunciado. As bebidas não alcoólicas ficaram em 10.º lugar, com 3,4%. Os programas de esportes concentraram 69,2% dos anúncios de álcool. As novelas ficaram com 19,6% e os humorísticos com cerca de 11%.
O autor principal do estudo, Nelson Fragoso, explica que foram gravados apenas programas que tinham ao menos 10% de audiência de adolescentes, de acordo com dados do Ibope. Cerca de 80% da propaganda de bebida encontrada era de cerveja. "A publicidade usa elementos da cultura nacional, como o futebol, para atingir o jovem", diz Fragoso. Essa e outras pesquisas sobre o tema serão apresentadas hoje no seminário Álcool, Tabaco e a Publicidade, da Abead. / K.T.
Para entender
Governo tentou regulamentar bebidas
Pela lei atual, só bebidas com alto teor alcoólico, como uísque, têm restrição de publicidade: só podem anunciar na TV das 21 às 6 horas. Cervejas podem anunciar em qualquer horário. No início do governo Lula, o Ministério da Saúde elegeu como prioridade a regulamentação das bebidas alcoólicas, inclusive da propaganda. Temendo restrição, o setor criou um código de autorregulamentação que veta, por exemplo, anúncios com personagens infantis. A Advocacia Geral da União assinalou que a Anvisa não era competente para determinar restrições, e o governo sepultou o projeto.
Veículo: O Estado de São Paulo