Envolta nas brumas dos movimentos financeiros derivados da crise emanada dos Estados Unidos, a progressiva queda das cotações do suco de laranja no mercado internacional não encontra nos fundamentos de oferta e demanda desse mercado, há décadas dominado pelo Brasil, sinais de reversão significativa no curto prazo.
Ainda que a doença conhecida como greening seja uma ameaça crescente à saúde dos pomares de São Paulo e da Flórida - que abrigam, nesta ordem, os dois maiores parques citrícolas do planeta -, não há no horizonte próximo sinais de um tombo da oferta global como em 2004 e 2005; ao mesmo tempo, o consumo da bebida claudica e apresenta poucas perspectivas de reação.
O cenário preocupa produtores de laranja e indústrias de suco brasileiros e americanos. Ajuda a tumultuar as já historicamente complicadas relações entre fornecedores e empresas e exige, conforme analistas e representantes da cadeia produtiva, uma mudança de foco capaz de ampliar o portfólio e reduzir a dependência das oscilações dos preços da commodity.
Os primeiros sinais de restrições da demanda já eram visíveis em 2004, sobretudo pela disseminação global dos refrescos, néctares e sucos prontos para beber, mais baratos e variados. A oferta era polpuda, e em 25 de maio de 2004, antes que duas temporadas seguidas de furacões nos EUA golpeassem a produção na Flórida, os contratos futuros de segunda posição de entrega (normalmente os de maior liquidez) do suco congelado e concentrado (FCOJ) negociados na bolsa de Nova York atingiram o piso histórico de 56,80 centavos de dólar por libra-peso.
Mas vieram os furacões, e a safra de laranja da Flórida, que na safra 2003/04 havia alcançado 242 milhões de caixas de 40,8 quilos, caiu para 150 milhões de caixas em 2004/05, para 148 milhões em 2005/06 e para 131 milhões em 2006/07. Segundo dados do Cepea/Esalq, no mesmo intervalo a produção de suco do Estado americano caiu 36,2%, para 665 mil toneladas (em equivalente de suco congelado e concentrado, ainda o mais exportado) na temporada 2006/07.
Foi uma época em que a produção em São Paulo ficou relativamente estável, com a produção de laranja variando entre 327 milhões e 361 milhões de caixas e a de suco, entre 1,159 milhão e 1,353 milhão de toneladas. Os preços internacionais, assim, reagiram, até alcançarem o pico histórico de US$ 2,0665 por libra-peso em Nova York.
Como o consumo já preocupava, nesta época de bons preços as indústrias exportadoras, sobretudo as gigantes radicadas no Brasil - Cutrale, Citrosuco, Citrovita e Louis Dreyfus -, elevaram investimentos em logística e passaram a apostar nas vendas de suco não concentrado (NFC), mais apreciado pelos consumidores, especialmente na Europa, o maior mercado importador.
Pelo menos 20% mais caro no varejo, e com margens igualmente melhores para os exportadores, o NFC já representa boa parte dos embarques brasileiros, que cobrem mais de 80% das exportações globais de suco. Mas o mercado reagiu à alta de preços, inclusive do NFC, que acompanha a tendência, e o tombo que se seguiu foi forte e rápido, deixando como conseqüência mais visível uma concentração da produção de laranja nas mãos de menos citricultores, em São Paulo e na Flórida.
Os movimentos de fundos de investimentos ainda deram fôlego extra às cotações em Nova York em 2007, mas com o recrudescimento da crise financeira e a fuga desses players das commodities, a erosão voltou a se acelerar. Na quinta-feira, foi alcançado o valor mais baixo do ano (85,25 centavos de dólar por libra-peso), e apesar da leva alta de sexta, a queda acumulada em 2008 superou 40%, segundo o Valor Data.
No Brasil, fontes das indústrias admitem que o quadro é preocupante, e os citricultores, também pressionados pelo aumento do custo dos insumos, afirmam que as contas não vão fechar nesta safra 2008/09. "A citricultura vive uma das crises mais importantes da sua história. É preciso haver união entre os interesses dos elos da cadeia, porque eles vivem do mesmo negócio", afirma Maurício Mendes, presidente da consultoria AgraFNP. "O mercado ainda está tentando encontrar um novo patamar de consumo", diz.
Há 20 anos, lembra Mendes, havia poucas opções ao consumo do suco de laranja, e se a produção conjunta de laranja em São Paulo e na Flórida ficasse abaixo de 550 milhões de caixas, fatalmente os preços subiam. Para 2008/09, ambos devem produzir menos de 500 milhões de caixas, mas os preços seguem em queda.
Veículo: Valor Econômico