A briga que se estende há cerca de uma década entre os irmãos Benedito e Luiz Augusto Muller, herdeiros da Companhia Muller de Bebidas - dona da Cachaça 51 - ganhou mais um capítulo. O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que o caçula Luiz pague uma indenização de cerca de R$ 13 milhões à empresa. Esse é o valor aproximado da causa e pode ser alterado, já que o processo ainda seguirá para o Supremo Tribunal de Justiça.
Benedito Muller é o autor do processo judicial que deu origem a essa longa batalha, que já teve inúmeras idas e vindas por conta recursos e hoje é um calhamaço com 17 volumes e mais de 3 mil páginas. Ele acusa o irmão de ter cometido várias irregularidades em 2004, quando foi o gestor da empresa. Entre elas estariam o aluguel de um Boeing e gastos de hospedagem com celebridades e autoridades convidadas para uma festa no Maranhão, que somariam despesas de R$ 472 mil.
Luiz Muller também é acusado de ter patrocinado uma festa para 300 "colunáveis" no apartamento de Donata Meirelles, da Daslu, em Paris. A festa, idealizada para divulgar a marca premium de cachaça Terra Brazilis no país da champanhe, recebeu um patrocínio de R$ 134 mil da Companhia Muller. Benedito também questiona uma parceria de R$ 447 mil para importação e distribuição de cachaça na Itália pela Campari Itália SPA. Porém, consta no processo que esse pagamento foi assinado pelo próprio Benedito. Procurado pelo Valor, o advogado de Benedito não respondeu aos pedidos de entrevista.
Outro questionamento é a divulgação da Cachaça 51 na São Paulo Fashion Week (SPFW) nos desfiles de 2005, 2006 e 2007. Para concretizar esse contrato, Luiz teria burlado um acordo de acionistas que exigia a assinatura de dois executivos da empresa para pagamentos entre 250 mil e R$ 500 mil. Segundo os autos do processo, "por tal raciocínio, o réu teria instrumentalizado um negócio único como sendo diversos contratos autônomos no valor de R$ 240 mil, escapando, assim, do teto de sua autonomia exclusiva para obrigar a empresa em quantia muito superior a que estaria legitimado a decidir, escapando da segunda assinatura".
"A acusação do contrato com a Luminosidade, dona da SPFW, não é verdadeira. O contrato foi rescindido, só patrocinamos um desfile", afirmou ao Valor Alex Costa Pereira, advogado de Luiz.
Também segundo os autos do processo, Luiz alega que todas essas ações fizeram parte da estratégia de marketing adotada na época para tornar a Cachaça 51 uma marca global e ampliar o consumo da bebida entre os públicos das classes A e B. "Discordamos da decisão. Entramos com recurso especial no STJ porque todos os pagamentos foram feitos em benefício da empresa. Estão querendo sufocar meu cliente financeiramente", disse Pereira.
As ações de marketing foram criadas pela agência África, de Nizan Guanaes, que teria cobrado R$ 3 milhões pelos serviços e que também estão sendo questionados.
Segundo os autos, Luiz alega que após a empresa ter encerrado as campanhas de marketing, como consequência do seu afastamento da gestão, houve uma queda de R$ 70,4 milhões no faturamento em 2008. Desde 2007, a Companhia Muller é administrada por Ricardo Gonçalves, ex- Nestlé e Parmalat. O nome do executivo foi escolhido pelo Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá. A decisão de profissionalizar o comando foi tomada pela família em 2004, um ano antes da morte do fundador, que já vinha acompanhando a disputa entre os irmãos. Luiz, porém, discorda da nomeação de Gonçalves.
Diante das desavenças entre os herdeiros, a empresa vem amargando resultados negativos e perdendo participação de mercado. Apesar de ser líder, com uma fatia de 30%, a dona da Cachaça 51 - lembrada pelo slogan "uma boa ideia" - não distribui dividendos desde 2006. O mercado de cachaça movimenta cerca de 600 milhões de litros por ano, segundo o Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac).
O próximo e último capítulo desse imbróglio é a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). É essa instância que vai definir o processo, descrito pelo juiz relator do Tribunal de Justiça de São Paulo, João Carlos Garcia, como "o flagelo bíblico de dois únicos irmãos pelo controle do patrimônio herdado do pai, segundo eles, um emigrante alemão que construiu um império econômico a partir de produção e venda de aguardente e bebida alcoólica (...) o curso de anunciada tragédia que somente o retorno à razão e ao bom senso de ambos poderá evitar."
Veículo: Valor Econômico