Goethe faz vinho no sul de Santa Catarina

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O imigrante italiano José Trevisol foi quem iniciou a produção dos primeiros vinhos de uva goethe, na comunidade de rio Caeté, em Urussanga, no sul de Santa Catarina. O negócio de José passou para seu filho Pedro, que deixou então o cultivo e o conhecimento de vinificação para seu filho Angelim, que, aos 74 anos, toca os negócios com os filhos Geraldo e Gilmar Trevisol e mais dois netos, que formam já a quinta geração que se dedica ao ramo da uva. Em Urussanga, a história da uva e da vinificação como a tradição familiar dos Trevisol: passam-se as parreiras e o conhecimento no cultivo de pai para filho.

As parreiras de goethe dos Trevisol, plantadas no mesmo terreno da vinícola, têm mais de 74 anos, mas Angelim entende que a uva goethe agora está se tornando um ramo mais importante porque pode atrair outros consumidores e ampliar as vendas da família, que tem uma produção própria de uva, fabrica sucos de uva (seu carro chefe, atualmente, em vendas), vinhos tintos e brancos.

O novo impulso vem do reconhecimento, pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), em 16 de fevereiro, desta localidade como a primeira área de indicação geográfica de Santa Catarina na modalidade indicação de procedência. Denominada de "Vales da Uva Goethe", foram reconhecidas as características únicas do tipo de vinho feito a partir da uva goethe colhida em municípios de uma área delimitada: Urussanga, Pedras Grandes, Cocal do Sul, Morro da Fumaça, Orleans e Treze de Maio. Atualmente, trata-se de uma produção bem pequena, de apenas 40 hectares.

"A grande conquista foi conseguir um selo desses para uma área de somente 40 hectares", diz Stevan Arcari, enólogo da Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária (Epagri).

A uva goethe é uma uva branca, resultado do cruzamento de moscatéis com a isabel, uma uva comum. Anos atrás, a goethe era parte da composição do então chamado "vinho branco de Urussanga", mas tinha um aspecto bem menos nobre, não só pelo menor volume de conhecimento na elaboração de vinhos, mas também porque era comum ela receber cortes de Niágara (uva também comum) compondo um vinho colonial.

Criada pelo pesquisador americano Edward Roger, esta uva recebeu o nome em homenagem ao escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe. Ela chegou ao sul de Santa Catarina a partir de uma produção em viveiros em São Paulo, que teria interessado Giuseppe Caruso, dono das Indústrias J. Caruso, que morava em Urussanga. Ele comprou mudas e foi o primeiro a plantá-las na região e a criar a primeira vinícola.

Conta o historiador Sérgio Maestrelli, da Epagri, que os primeiros registros de goethe neste local são do fim do século XIX. Os imigrantes italianos que colonizaram a região, contudo, não a chamavam de goethe, mas de uva branca e sua produção de "vinho branco de Urussanga". O auge deu-se entre 1935 e 1950.

Em 1939, este vinho chegou a ganhar uma premiação internacional, com medalha de ouro na exposição internacional de Nova York. O vinho branco de Urussanga era apreciado no Palácio do Catete e servido no jóquei clube do Rio de Janeiro. Segundo Maestrelli, o presidente Getúlio Vargas era um entusiasta da vitivinicultura da região. Ele criou uma estação de pesquisa e produção de vinhos em 1942, num casarão que atualmente é ocupado pela Epagri.

A produção de vinhos, então, começou a encolher. Na Segunda Guerra Mundial, o carvão passou a ser uma fonte de energia estratégica e os moradores da região foram trabalhar nas minas de carvão. Em 1950, foi a vez das empresas de cerâmica, que começaram a recrutar mão de obra. A produção de vinho estancou.

Hoje, com pouca exploração de carvão e redução no volume de pessoas empregadas pelas cerâmicas em relação ao ápice dos anos 1960, a produção de vinhos goethe, embora pequena, vive um novo capítulo. "Há um resgate do vinho do sul de Santa Catarina. A vitivinicultura local deu um pulo e vai dar um pulo ainda maior.", diz Onévio Colombo, dono da Borgo Gava, cantina localizada em Nova Veneza, que compra uvas da área delimitada como indicação geográfica para produzir seus vinhos.

O salto foi dado com a criação da Progoethe, uma associação de produtores que teve como um dos seus principais objetivos conseguir o reconhecimento dos diferenciais dessa produção. "Queríamos levar o vinho branco a um grau de excelência", diz Renato Damian, dono da vinícola Casa Del Nonno e presidente da Progoethe. Para isso, teve apoio do Sebrae, da Epagri e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

A primeira safra de vinho certificada pela própria Progoethe sairá em abril. Para receber o selo, os vinhos passarão por uma banca de avaliadores. Além disso, terá que ser comprovada a rastreabilidade do produto. Todo esse processo está sendo definido. "Dizer que todos os vinhos serão bons (e terão o selo) seria uma heresia, mas tenho convicção de que a indicação geográfica leva todos a buscar tecnologia e conhecimento para fazer um vinho melhor", diz Damian.

Todo processo de busca do reconhecimento da goethe, em grande medida, contribuiu para uma mudança na forma de se fazer vinhos na região. Há cerca de 5 a 10 anos, colhia-se a uva, ocorria o esmagamento e ela era colocada num tanque. A fermentação era controlada a olho e não com um densímetro. Também trouxe evolução em termos de cuidados técnicos e de higiene. Antes, usava-se sabão em pó para lavar os tanques, geralmente, de madeira. Hoje, usa-se ácido peracético, produto utilizado também para limpar material hospitalar. A madeira cedeu lugar ao inox e ao polipropileno. E já há empresas contratando enólogos.

Ao mesmo tempo em que alterou a produção, o vinho goethe começou a mudar também a rentabilidade dos negócios. O produtor e dono de uma cantina em Içara, Haroldo Quarezemin, usa seu próprio parreiral, de maior qualidade, para fazer o vinho puro (com 75% só de uva goethe). A goethe de menor qualidade, que ele compra de terceiros, é misturada à uva niágara para produzir o vinho colonial de uva branca. A garrafa deste é vendida, em supermercados da região, por R$ 6. A garrafa do goethe puro, a R$ 13.

Para Giselda Mazon, da Vigna Mazon, "vale mais a pena vender uma garrafa de goethe do que duas das outras (vinho branco colonial)". A produção da Mazon oscila entre 40 mil litros e 50 mil litros por ano, e os vinhos da uva goethe representam já 40% deste volume e até 50% do faturamento.

O vinho goethe vem levando essas vinícolas a um novo patamar de preços. O consumidor final paga entre R$ 10 e R$ 25 a garrafa de 750 ml, praticamente o dobro dos vinhos coloniais, pelos quais boa parte das vinícolas regionais era conhecida até então. O valor se assemelha aos preços de vinhos nacionais e importados de cabernet sauvignon e merlot que atingem a classe média brasileira.

A goethe produz vinho branco, que corresponde à menor fatia do consumo atual de vinhos no país. De acordo com o Sindivinhos-SC, cerca de 70% do consumo nacional ainda é de tintos, sendo o restante de vinhos brancos. Mas o consumo de brancos vem crescendo, por conta, principalmente, das vendas maiores de espumantes.

Arcari diz que a estratégia dos produtores de goethe é realizar o lançamento de novas linhas, aos poucos, enquanto vão aumentando os preços. Recentemente, por exemplo, as vinícolas começaram a desenvolver espumantes com a uva goethe, vendidos na faixa de R$ 30.

Mazon e Quarezemin, por exemplo, se preparam para lançar espumantes de goethe ainda neste ano, seguindo um caminho que foi inicialmente trilhado pela Casa del Nonno.


Produtores pesquisam uva premium


A última colheita da goethe começou em janeiro e foi até o dia 15 de fevereiro. A safra atingiu apenas 500 toneladas de um total de 2,5 mil toneladas de uva que são colhidas na região, considerando as mais diversas variedades como niágara e isabel.

Apesar de ainda ser pequena, esta foi uma das melhores safras de goethe colhidas na região em qualidade, pois o clima colaborou. Houve uma quantidade satisfatória de frio para brotação (são necessárias 231 horas-frio abaixo de 7,2 graus celsius), houve boa quantidade de sol e pouca chuva no período da colheita.

A produção de goethe da região é plantada em diferentes solos (há solos mais argilosos e outros mais arenosos) e em áreas de altitude também distintas, que variam de 35 metros a 400 metros de altitude superior ao nível do mar e isso interfere na sua acidez (quanto mais alto, mais ácida). Busca-se a plantação em encostas, de forma que se acumule menos água no solo.
 
A região tem um clima quente e úmido, o que faz com que os cuidados na produção de uva sejam redobrados. A temperatura média em Urussanga, cidade localizada entre a serra geral e o mar, é de 19 graus celsius, um clima mais quente do que os 12 graus celsius, em média, de São Joaquim (SC), área de produção de uvas e vinhos finos de altitude. A umidade é de cerca de 80% no ano e, por estar plantada em uma área de alta umidade, a goethe está mais suscetível a doenças fúngicas.

As principais características da goethe, segundo a enóloga Daiana Neres, são de uma uva ácida, de aroma intenso e alta sensibilidade. "No ano passado, com muita chuva, houve muita perda na colheita porque ela é bastante sensível", diz.

Sobre a coloração, a goethe estaria classificada como amarelo palha. "Mas consigo trabalhar na coloração com clarificação e controle de temperatura na fermentação para ficar com um amarelo mais fraco, que é o que o mercado trabalha", explica Daiana.

De acordo com Stevan Arcari, da Epagri, a goethe tem aroma característico frutado, lembrando frutas amarelas como pêssego, melão, nêspera, laranja e a própria uva. Seu aroma é floral: de laranjeira, lírio e mel.

Aos poucos, os produtores também acreditam que criarão uma espécie de goethe "reserva especial". A própria Epagri tem pesquisado, a partir de cruzamentos da goethe, uma "goethe premium", que já tem alguns interessados.

Raul Savio, dono da Comercial de Pneus Urussanga, por enquanto um produtor artesanal, que faz vinhos como hobby, pode se tornar um produtor industrial. Diz que tem feito testes de um vinho a partir desta nova muda da Epagri, e se resultar em um vinho de boa qualidade, ele pretende se engajar mais no negócio de vinhos. (VJ)

 

Veículo: Valor Econômico


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