Nos 80 anos desde que Paul Ricard preparou a primeira leva do licor de anis que levaria seu nome, a receita para servi-lo não mudou em nada: misture uma parte de Ricard com cinco de água e terá criado a poção opaca e levemente amarelada que é tradicionalmente bebida como aperitivo.
Ao gosto dos mais jovens, não se trata de uma receita que tenha envelhecido muito bem. "Quando saio com meus amigos, bebo cerveja ou uísque com Coca-Cola", diz Mathieu Camilleri, de 27 anos, que trabalhar em uma escola de ensino médio na cidade de Solliès-Pont, no sul da França. "Lembro que meu avô bebia Ricard quando eu era criança."
Os tempos modernos levaram a Pernod Ricard, a empresa parisiense que produz a bebida, a promover uma remodelação da marca, depois de as vendas do licor na França terem recuado 8% neste ano, também afetadas por um aumento nos impostos sobre bebidas. Em 2011, A Pernod lançou uma nova garrafa para o aperitivo, com a parte debaixo quadrada e o nome da marca realçado nos lados. Também atualizou os copos e jarras promocionais que fornece aos bares, que originalmente eram usados por restrições a anúncios impressos nos princípios da marca.
A empresa, no entanto, manteve a as cores características, azul e amarela, da marca Ricard em seus materiais de promoção. "Você tem mais condições de comunicar o espírito da marca quando remete às raízes", afirmou o presidente do conselho de administração, Patrick Ricard (cujo pai inventou a bebida em sua cozinha em Marselha, em 1932), que participava de exibição sobre as publicidades e designs da Ricard, no Musée des Arts Décoratifs, em Paris.
Mas de certa forma, a marca Ricard está se afastando de sua herança. A Pernod vem indicando novas maneiras de beber o licor, como em coquetéis de morango, batidas e até acrescentando sabores como menta ou amêndoa na própria garrafa. "Há alguns anos, dizíamos 'Ricard - apenas Ricard'", conta Philippe Savinel, administrador da marca na Pernod. "Mas temos de considerar novas formas de bebê-lo."
A Ricard é uma das marcas mais famosas - e benquistas - da França. Seu logotipo adorna cinzeiros, espelhos e jarras de água em milhares de bares e seu nome evoca lembranças como as férias de verão na França, o sul e longos almoços ao ar livre em praças de pequenas cidades do país.
As vendas gerais de licor de anis na França, de todas as marcas, caíram 1,1% nos últimos cinco anos, em comparação ao aumento de 1,6% observado nas bebidas destiladas, de acordo com números da empresa de pesquisas Euromonitor International.
"É uma categoria em declínio", diz o analista Trevor Stirling, da Sanford C. Bernstein, que acompanha o desempenho da empresa de bebidas, também dona de marcas como a vodca Absolut, o uísque Chivas Regal e o conhaque Martell. "É algo de gerações. As pessoas mais velhas bebem muito pastis [como também são conhecidos os licores de anis]".
Concorrentes já se beneficiaram ao indicar novas formas de consumo de suas bebidas. A Davide Campari-Milano, por exemplo, rejuvenesceu sua marca Aperol ao promover coquetéis como o "Aperol Spritz", uma mistura do licor amargo, prosecco, suco de laranja e água com gás.
A estratégia ajudou a elevar a receita da marca de € 23 milhões, quando a Campari a comprou, em 2003, para cerca de € 152 milhões, segundo a Nomura Securities International. "Com o Aperol Spritz, eles pegaram uma bebida bastante peculiar e criaram um coquetel", diz o analista Ian Shackleton, da Nomura.
Também há poucas chances de aumentar as exportações. Países em que há costume de beber bebidas de anis já produzem suas próprias versões, como o raki, na Turquia, e o ouzo, na Grécia. E consumidores em países emergentes, como China e Índia, consideram o gosto do anis como algo medicinal, o que exclui a perspectiva de aproveitar a crescente demanda por outros destilados típicos do Ocidente, diz Savinel. Restam, portanto, seus atuais mercados, onde a Pernod precisa "interromper o declínio, pensar no futuro e rejuvenescer a marca".
Veículo: Valor Econômico