Grupo japonês abandona a gestão 'intuitiva' da Schincariol e investe em pesquisas para se antecipar às demandas do consumidor
"O que japonês entende de cerveja?" Foi com essa pergunta que muita gente no mercado cervejeiro nacional recebeu, no fim de 2011, a compra da Schincariol pela japonesa Kirin, por mirabolantes R$ 6,2 bilhões. De fora, concorrentes, varejistas, publicitários e até distribuidores ficaram apreensivos para saber o que a multinacional iria fazer com a segunda (às vezes terceira) maior cervejaria nacional em vendas.
Hoje, um ano após ter assumido a presidência da companhia, que mudou de nome em novembro para Brasil Kirin, Gino Berninzon Di Domenico dá risada de tudo que já foi dito. A companhia, segundo ele, conseguiu superar as principais metas impostas por Tóquio para o ano passado: o faturamento, que em 2011 foi de R$ 3,2 bilhões e deveria chegar a R$ 3,5 bilhões, alcançou R$ 3,6 bilhões; e o Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização), que deveria chegar a R$ 550 milhões, fechou o ano em R$ 602 milhões.
"O que estamos fazendo agora é buscando entender o consumidor", diz Domenico. A Schincariol, segundo ele, tinha uma postura diferente da utilizada pela Brasil Kirin. "Antes o discurso era: eu, cervejeiro, sei qual é a melhor cerveja para o mercado. Agora queremos entender o consumidor, suas necessidades e as tendências do mercado. A partir daí, vamos traduzir tudo isso para as categorias e as marcas que temos na companhia."
Todos os produtos da empresa passaram a ter posicionamento de mercado e estratégia definidos - o que não acontecia na antiga gestão. Os lançamentos, segundo Domenico, eram mais orientados pelo que a concorrência fazia. "Agora não vai sair daqui nenhuma embalagem sem ter o crivo do mercado consumidor", afirma.
Foi assim com a nova cerveja Schin No Grau, lançada em julho somente nos Estados do Norte e Nordeste do País - onde a cerveja Nova Schin é uma das marcas mais fortes do mercado. "A Schin No Grau foi o primeiro passo que a gente deu desenvolvendo o conceito da marca e do produto em função do consumidor", explica o presidente.
O produto foi definido a partir de pesquisas que, segundo ele, apontaram que o consumidor nordestino queria uma cerveja mais refrescante, mais suave e que pudesse ser tomada mais devagar, por mais tempo, sem provocar a sensação de saciedade. O nome também veio de pesquisas. Nesses Estados, é comum o consumidor chegar ao bar e pedir uma cerveja 'no grau'.
A rival Ambev também lançou a Skol 360°, com o mesmo apelo. Mas, diferente da marca concorrente, a No Grau não tem distribuição nacional. Ela foi desenvolvida para ser vendida apenas no Norte e Nordeste, regiões que, segundo fontes de mercado, já responderam por 80% das vendas da Schincariol.
Concentração. Apesar do lançamento focado nas regiões de maior sucesso da marca, uma das missões de Domenico nesse primeiro ano de trabalho foi justamente diminuir a concentração das vendas nessas partes do País. "Já conseguimos reduzir. Agora temos apenas metade das vendas no Norte e Nordeste", afirma Domenico.
A estratégia que permitiu esse resultado foi inspirada na Unilever, empresa na qual o presidente iniciou sua carreira e onde trabalhou por 12 anos. A fabricante do sabão Omo, lançado em 1957, sempre comemorou o sucesso do produto. Mas a companhia, teve, por muito tempo, dificuldade de emplacar a marca no Nordeste, onde muita gente ainda preferia o sabão em pedra, bem mais barato. Em 1997, a Unilever lançou o sabão em pó Ala só no Nordeste, e com preço menor. Não demorou muito para a marca se tornar uma das mais vendidas na região.
Na Brasil Kirin, a mesma estratégia foi adaptada, mas com foco no Sul e Sudeste, onde a marca Schin sofre rejeição. Nos Estados mais ricos do País, o rótulo de combate da empresa deixa de ser a Nova Schin para dar lugar à Devassa Bem Loura - versão pilsen e de massa da marca artesanal carioca adquirida em 2007.
"Como é que se traduz a força de uma marca? Por seu posicionamento de preço e pela pedida. Nova Schin é forte no Norte e no Nordeste. Lá, seu preço está bem próximo ao da concorrência. No Sudeste, a Nova Schin tem que brigar pelo preço", justifica Domenico.
Dois 'Brasis'. A separação de territórios das duas marcas se reflete também nos anúncios de TV comprados pela empresa. Conforme fontes do mercado, o pacote de patrocínio da Kirin à Fórmula 1, transmitida pela Rede Globo, prevê a divisão do sinal de transmissão. No Nordeste, o telespectador verá a marca Nova Schin. No Sudeste, verá Devassa Bem Loura.
"É uma estratégia inovadora e é interessante ver que a Kirin está assumindo a necessidade de se fazer gestão de portfólio", analisa o especialista em mercado de bebidas, Adalberto Viviani. Ele explica que boa parte da força de uma marca de cerveja está no status que ela transfere ao consumidor.
No Sudeste, ser visto tomando uma Nova Schin não é lá uma coisa muito charmosa. A percepção muda para melhor se a cerveja for uma Devassa. "O que o consumidor entende de uma marca, o que ele traduz em termos de atributos e vontade de compra, é diferente conforme a região", confirma Domenico.
Os bares Devassa também ganham importância na estratégia da Kirin de se reposicionar. "Os bares ajudam a promover essa experiência diferente com a marca num campo em que a empresa não se confronta com nenhum concorrente", diz Viviani. "Não existe, por exemplo o bar Skol ou o bar Heineken", completa. No início do ano, a empresa anunciou que pretende ampliar em 30% sua rede de franquias neste ano.
Reputação. Embora tenha todo esse estigma no Sudeste, a marca Schin continuará a ser usada pela Brasil Kirin nas linhas de refrigerantes e outras bebidas não alcoólicas, mas com embalagens "repaginadas". O nome Schin, nas latas de refrigerantes, por exemplo, deixou de ser escrito na diagonal. "Isso, na prateleira do supermercado, não era fácil de visualizar, como o logo atual agora é", explica Domenico.
Embora a marca Schin permaneça, o nome Schincariol vai ao poucos desaparecendo. Ele já está sendo tirado das embalagens dos produtos, onde aparecia logo abaixo de todas as logomarcas. Na sede da empresa, em Itu, as plantas que formavam o sobrenome da família fundadora no jardim da empresa estão sendo tomadas pela grama. "A Kirin encomendou uma pesquisa de reputação e a rejeição ao nome corporativo e à marca Schincariol foi enorme", afirma uma fonte do mercado, que preferiu não se identificar.
Oficialmente, a Brasil Kirin não comenta a informação. Mas é fato que a empresa iniciou no fim do ano passado a promoção da nova marca corporativa. Nos comerciais de TV, o último segundo de todos os filmes mostram o logo da empresa sendo formado e o nome Brasil Kirin.
Marca corporativa. "Aos poucos, estamos colocando o pezinho na sala de estar do consumidor e dizendo: isso aqui agora é diferente", diz Domenico, que recentemente contratou Juliana Nunes, ex-diretora de assuntos corporativos e de sustentabilidade da Unilever, para exercer a mesma função na Brasil Kirin. Juliana trabalhou na fabricante de bens de consumo na equipe responsável pela construção da marca corporativa da companhia - um projeto pioneiro no Brasil que acabou sendo adotado mundialmente pela empresa.
Para os concorrentes, toda essa movimentação da Brasil Kirin é bem-vinda. "Trabalhar marca, o nome corporativo, tudo isso faz parte do negócio. É o arroz com feijão que a Schincariol não fazia", afirma o executivo rival. "É bom ter uma empresa mais profissional no mercado."
Veículo: O Estado de S.Paulo