Eugene Shepherd admite não ser um grande especialista em cervejas, mas diz que a garrafa de Eagle Lager que se permite beber uma vez por semana é um avanço em relação às opacas marcas de produção caseira que costumavam ser sua opção de bebida. Agora, economiza os trocados durante toda a semana para ter no sábado 1,20 cedi (US$ 0,61) para comprar uma Eagle, cerveja feita de mandioca que a SABMiller lançou em Gana em março. "A Eagle é minha primeira experiência com cervejas [não caseiras]", diz o estudante de 20 anos enquanto se senta em uma cadeira de plástico no bar de beira de estrada em Sogakope, uma empoeirada cidade de 88 mil pessoas, a 150 quilômetros de Accra, capital de Gana. "Realmente gosto desta bebida".
Para a SABMiller, o gosto recém-descoberto por Shepherd é prova do sucesso da mudança estratégica da empresa na África. Para produzir a Eagle Lager, a cervejaria trocou a maior parte do malte de cevada no processo de fermentação por mandioca, mais barata e disponível na região. A fabricante da marca Miller Lite conta com a mandioca e outras culturas locais, como o sorgo, para alimentar sua expansão na África, onde estima que as cervejas feitas em casa ou os destilados de baixo preço representam cerca de 75% das bebidas alcoólicas consumidas.
Nos últimos anos, as cervejarias reforçaram as marcas de alto padrão para levar os consumidores a gastar mais em cada cerveja que consomem e elevar as margens de lucro. Embora a Eagle Lager esteja longe de ser um produto premium, ainda assim custa mais que o dobro das cervejas caseiras, amplamente consumidas.
Os países emergentes são fundamentais para as cervejarias. As três maiores do mundo, Anheuser-Busch InBev, SABMiller e Heineken, têm sede na Europa Ocidental, onde a austeridade e a depressão econômica duradoura reduziram o consumo. A SABMiller, de Londres, tem raízes na África do Sul e obtém mais vendas fora da Europa e da América do Norte do que suas concorrentes. Cerca de 70% de seu lucro é gerado em países emergentes. Sua primeira cerveja de mandioca, a Impala, foi lançada em Moçambique em novembro de 2011. A Impala agora representa mais de 5% da produção de sua unidade de Moçambique.
"Há muitas oportunidades na África, mas o que se quer é ser o primeiro no mercado e entrincheirar-se como participante predominante", diz De Wet Schutte, analista da Avior Research, na Cidade do Cabo. "A SABMiller foi amplamente bem-sucedida nisso".
A mandioca, tubérculo cultivado extensamente na África, é um alimento básico em muitos países. Enquanto a cevada não cresce bem em climas tropicais, a mandioca é tão fácil de cultivar que Gana e Moçambique têm excesso do produto. O tubérculo não vinha sendo usada em cervejas porque começa a degradar-se 24 horas depois da colheita. A SABMiller, contudo, usa uma máquina portátil que faz o processamento inicial das raízes no próprio campo, permitindo um armazenamento por semanas.
Gana, onde a economia deverá crescer 7,7% neste ano, cobra imposto de 47,5% sobre o consumo de cervejas que tenham menos de 30% de conteúdo local. Para cervejas com mais ingredientes domésticos - como a mandioca - esse imposto cai para 10%. Isso ajuda a tornar a margem de lucro quase igual ao de suas outras cervejas, segundo a SABMiller. "Essas cervejas de baixo preço fazem sentido", diz Wynand Van Zyl, analista do Macquarie Group, em Joannesburgo. "É muito importante para as cervejarias internacionais demonstrar comprometimento com a economia local."
A SABMiller, que vende 46 marcas locais na África, prevê investir entre US$ 300 milhões e US$ 500 milhões por ano no continente, sem contar a África do Sul, na construção de cervejarias e engarrafadoras, segundo Mark Bowman, diretor-gerente da SABMiller na África. Em Uganda e Zimbábue, a empresa já produz a Eagle Lager usando sorgo.
As novas cervejas têm um gosto mais amargo do que as feitas de malte de cevada e Bowman diz que "não se pressupõe que sejam tão boas quanto as cervejas tradicionais". A diferença pode desapontar consumidores acostumados a bebidas mais suaves e caras.
Ainda assim, as novas cervejas ajudaram a SABMiller a elevar em 9% a produção da bebida na África, excluindo a África do Sul, no trimestre encerrado em março. E as vendas de bebidas locais de baixo custo poderiam crescer e "dobrar ou triplicar o mercado de cervejas premium", à medida que as pessoas deixem as cervejas caseiras, diz Bowman. "Essas cervejas são um caminho claro para chegar a um mercado que quer beber cerveja, mas não pode arcar" com o preço.
Veículo: Valor Econômico