A alma verde da Nespresso

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Com forte investimento em sustentabilidade e uma ousada estratégia de marketing em Paris, a marca de café em cápsula da Nestlé tenta manter sua liderança mundial

O verão parisiense deste ano tem novas cores e novo aroma. Às margens do rio Sena, a população local e os milhares de turistas que visitam Paris nesta época do ano se surpreendem com enormes outdoors colocados estrategicamente entre a rive gauche e a droite, com belas imagens do fotógrafo franco-iraniano Reza. A inspiração do retratista são os cafeicultores e os trabalhadores da lavoura que plantam e colhem os grãos pelos quatro cantos do mundo. Com estilo que lembra o do brasileiro Sebastião Salgado, Reza enquadrou mãos calejadas, olhares profundos, sombras, luzes e cores do cotidiano de uma gente curtida de sol e esculpida pela roça.

A exposição ao ar livre, batizada de Soul of Coffee, atrai a atenção de um grupo de jovens americanos de regata, orientais com suas câmeras digitais e nativos em horário de almoço, com seus sanduíches na baguete. Em todos eles, a memória olfativa sugere um aroma de café, forte e tão encorpado quanto a alma daqueles agricultores enquadrados. Pronto, o recado está dado. A mostra que enfeitará o Sena até setembro foi encomendada pela Nespresso, marca de café em cápsulas da suíça Nestlé, para divulgar seu Programa AAA de Qualidade Sustentável, que completou uma década de existência, em 2013 – mais de dois terços do grão utilizado têm como origem o “Green coffee”, fornecido por produtores ligados ao AAA.
 
A ação reflete a estratégia da companhia de se manter relevante no competitivo mercado premium. Reza pôde conferir, orgulhoso, a repercussão de sua obra a bordo de um bateau-mouche, navegando pelo rio que banha a capital francesa, em meados de julho. Ao seu lado, o CEO da marca, Jean-Marc Duvoisin, e seu garoto-propaganda, o ator americano e ativista político George Clooney, que recebe um cachê de US$ 10 milhões anuais. A DINHEIRO acompanhou o passeio do trio e de mais um seleto grupo de convidados a bordo. No discurso oficial, o pioneirismo da empresa que visa uma cadeia produtiva limpa, com a adoção de medidas “verdes”, como a reciclagem das cápsulas usadas e a redução da pegada de carbono em até 20% por xícara de café.

Além disso, o programa oferece um estimulante incentivo financeiro aos países produtores de café, entre eles Brasil, Colômbia, México, Nicarágua, Guatemala, Costa Rica, Etiópia e Índia. Para os colombianos, por exemplo, serão destinados mais de US$ 50 milhões até 2017, em ações como a construção de um moinho central na cidade de Jardín, no norte do país, que garante uma melhor moagem e secagem dos grãos do café. Iniciativas como essa são importantes não apenas para os trabalhadores, mas também para a Nespresso, já que dessa maneira a qualidade do café é garantida. A sustentabilidade é conquistada também pela tecnologia desenvolvida pela Nestlé, que conseguiu fazer com que o consumo de água dos 37 mil fazendeiros da Colômbia fosse reduzido a um terço do habitual.
 
Estudos realizados pela organização colombiana Crece com mil fazendeiros do Programa AAA revelaram que 87,4% dos participantes da iniciativa obtiveram aumento em suas receitas, em comparação aos trabalhadores que ainda não aderiram. Além do dinheiro, os fazendeiros recebem treinamento de gestão financeira e de cuidados com o grão. Em troca, o café que atende ao nível de exigência da Nespresso recebe um pagamento de 30% a 40% maior do que o comercializado no mercado. Outro país que deve se beneficiar do programa de sustentabilidade da Nespresso é o Sudão do Sul. Durante a reunião que antecedeu a inauguração da exposição Soul of Coffee, foi revelado o investimento no país africano e a criação de um conselho de sustentabilidade, do qual fazem parte representantes de entidades sustentáveis como a Rainforest Alliance e a Technoserve, além de George Clooney.
 

Em um primeiro momento, a participação do astro pode parecer estranha, mas foi ele o responsável por incluir o Sudão do Sul, que costumava exportar café de qualidade 40 anos atrás, nos planos futuros da marca. “Depender de petróleo pode ser uma maldição para um país”, afirma Clooney. “Já vimos isso acontecer em outros lugares.” O ator, que visitou plantações de café do programa na Costa Rica, em 2010, aparenta estar cada vez mais envolvido com a filosofia da Nespresso e com o próprio Duvoisin, que não esconde as intenções da marca. “Claro que esses projetos são importantes para os 52 mil fazendeiros que participam do programa em todo o mundo”, diz o executivo. “Mas também faz diferença para a Nespresso, pois precisamos cada vez mais de café para a nossa produção e é necessário garantir o futuro de nossa matéria-prima.”
 
Para a Nespresso, sustentabilidade não significa deixar de lado a qualidade do produto, ainda que tenha de continuar utilizando alumínio em suas cápsulas para manter a excelência do café moído – embora esse material não seja exatamente sustentável, é o único a oferecer uma vedação total de oxigênio, garantindo a excelência da bebida. Na fábrica, em Avenche, na Suíça, por exemplo, o café passa por 32 testes de qualidade antes de chegar ao consumidor final. Isso significa que somente de 1% a 2% de todo o café produzido no mundo consegue passar pelos seletivos critérios da Nespresso. “Sustentabilidade não é voto de pobreza, mas, sim, uma atitude responsável da marca perante a natureza e a sociedade”, diz Silvio Passarelli, diretor do MBA em Gestão do Luxo da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). Com a bandeira da sustentabilidade, a Nespresso pretende manter sua hegemonia no mercado de cápsulas de café.
 
Em 2012, a marca, comercializada em 48 países, obteve uma receita estimada em US$ 4 bilhões, o equivalente a pouco mais de 4% das receitas globais da Nestlé, de US$ 98,4 bilhões. Mesmo com a concorrência batendo à sua porta, a Nespresso demonstra confiança em seu produto, seja com o investimento de US$ 300 milhões em uma nova fábrica, seja com o reforço de suas ações de marketing. É o caso da loja conceito de dois andares e 1,5 mil m2 de área, localizada na avenida Champs Elysées, um dos endereços mais sofisticados do planeta, a menos de 50 metros do Arco do Triunfo, em Paris. E se ainda faltar alguma coisa para se manter no topo do mercado de café de luxo, os suíços podem contar com o charme de Clooney para garantir as vendas. Afinal de contas, quem recusaria beber um cafezinho com ele?
 


Veículo: Istoé Dinheiro


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