Em busca da cerveja perfeita
A nova regulamentação para a produção de cervejas aprovada ontem será um divisor de águas para a indústria nacional. Dentro de pouco tempo, as cervejarias nacionais poderão usar matérias-primas variadas na fabricação da bebida mais querida dos brasileiros. Atualmente, as empresas do setor são impedidas de ousar em fórmulas que não se encaixem na receita tradicional da loira gelada, celebrizada pelos germânicos e adotada como padrão de qualidade e paladar no país. Mas, com a medida aprovada ontem, é possível que, já a partir de 2015, a indústria esteja liberada para ousar em suas combinações. Tim-tim!
Sabe a tal da Lei de Pureza da Cerveja, uma norma alemã criada há cinco séculos e conhecida pelos íntimos como Reinheitsgebot? Esqueça-a. Para a felicidade geral dos paladares brasileiros, o Ministério da Agricultura aprovou ontem uma instrução normativa que reduz as amarras na fabricação das brejas.
Vencidos os trâmites legais – o que inclui uma discussão com os hermanos do Mercosul –, será possível encher taças e canecos com cervejas produzidas a partir de ingredientes como frutas, especiarias, mel e leite. E encontrar alternativas ao modelo germânico, simbolizado pelo trio água pura, malte e lúpulo.
Na mesa de bar, isso irá significar que, em pouco tempo, será possível pedir cervejas de chocolate, laranja ou cravo e canela, por exemplo, e ouvir do garçom um animado “sim” . Basta haver voluntários, a partir de 2015 – expectativa do governo para a normativa vigorar –, dispostos a produzi-las.
E não falta gente assim. Segundo Marcelo Carneiro da Rocha, dono da Colorado, de Ribeirão Preto, existem mais de 200 microcervejarias no país. Com produção inferior a 500 mil litros por mês, elas são responsáveis, segundo Rocha, por uma fatia de mercado inferior a 1%. Mesmo assim, valiosa.
As artesanais têm alto valor agregado e são encontradas nas gôndolas a preços na casa de R$ 5 por uma long neck (355 mililitros) e de R$ 12 por uma garrafa (600 mililitros), como a família da Colorado. Será esta a principal faixa agraciada com a alteração na lei.
– É um divisor de águas. Tínhamos uma legislação muito engessada dentro do modelo germânico. E a história da cerveja não se limita à Alemanha – diz Rocha.
Com regras menos sisudas – mas atentas à qualidade, claro –, os cervejeiros poderão investir em diversidade. Ou, em bom português, poderão desenvolver sabores mais apurados e sofisticados.
É nisso que acredita o presidente da Associação Gaúcha das Microcervejarias (AGM), Micael Eckert, sócio da cervejaria Coruja. Segundo ele, cervejas assim já são tradicionais em outros países e, inclusive, aparecem em nossos supermercados – mas porque é permitido importá-las, e não porque sejam produzidas no Brasil.
– Belgas e americanos fazem muitas inserções de outros produtos, ao contrário dos alemães – explica.
O que muda com normativa é a maneira de os cervejeiros brasileiros investirem em produtos alternativos. Até a nova lei valer, eles não podem fermentar ingredientes que fujam aos tradicionais. Vez por outra isso acontece e, acredite, passa pela diligente fiscalização do governo. Um produtor criou uma cerveja com mel, “que é como se faz”, ele sublinha. Registrado pelo Ministério da Agricultura, o produto acabou “descoberto” tempos depois. Os agentes propuseram uma solução:
– Vamos deixar você continuar, mas vai adicionar o mel com a cerveja pronta – disseram.
A cerveja de mel perdeu parte do charme, até no batismo. Para efeito legal, virou uma burocrática “bebida mista de cerveja com mel”. Mas segue à venda, arrebatando adeptos.
Tanto Eckert quanto Rocha são unânimes em apostar na expansão do mercado, empurrado por consumidores dispostos a pagar mais por um produto melhor. Parêntese oportuno: das cervejas mais elaboradas às comuns, o Brasil engarrafou 13,7 bilhões de litros em 2012.
– Quem começa a tomar cerveja artesanal não volta atrás. Aguça a curiosidade – garante Rocha.
Veículo: Zero Hora - RS