Tradicionalmente, as vendas de cerveja no Brasil se concentram em bares e restaurantes, os chamados "pontos de dose", como dizem os especialistas do setor. Os supermercados ficam com apenas um terço do volume vendido. Por isso, nunca mereceram a mesma atenção que as cervejarias dão aos primeiros. Mas, em 2008, o comportamento do consumidor chacoalhou essa ordem. Diferentemente do que vinha acontecendo há pelo menos cinco anos, o consumo nos bares e restaurantes ficou estável. Só houve elevação no autosserviço, como são chamados os supermercados. Segundo a Nielsen, no ano passado, o mercado total de cervejas cresceu 5%, de 6,9 bilhões de litros em 2007 para 7,2 bilhões de litros. As vendas em supermercados dispararam 10%. Em bares e restaurantes, a alta ficou em 1,6%.
"Nossa previsão era crescer 8%", diz Paulo Solmucci Júnior, presidente da Abrasel, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes. "O verão foi curto, porque o Carnaval aconteceu no início de fevereiro. Aí, no fim de junho, veio a Lei Seca." Em julho, agosto e setembro, as vendas caíram 25% em volume e em outubro, 15%. "Nos meses seguintes, retomamos o movimento. Deu para empatar com 2007", acrescenta ele, lamentando os efeitos da regra que proibiu o consumo de praticamente qualquer quantidade de bebida alcoólica por condutores de veículos.
"A lei realmente empurrou o consumidor para dentro de casa", diz o diretor de marketing da Schincariol, Marcel Sacco. Segundo ele, as pessoas continuaram tomando cerveja, mas não a servida no bar. Passaram a preferir a do supermercado.
Por isso, os comerciantes do autosserviço comemoram. "Nunca tivemos um aumento de vendas de cerveja tão expressivo", afirma o vice-presidente da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Martinho Moreira. "Em muitas lojas, o espaço da cerveja até aumentou. A indústria, que nunca deu bola para esse canal de venda, agora está investindo."
A maior variedade de formatos em lata é um exemplo. Diferentemente dos "pontos de dose", que vendem tanto latas quanto a bebida em garrafas de 600 ml, os supermercados só vendem as latinhas (no máximo, também as long neck). "Passamos a oferecer para os supermercados pacotes de 12, 18 e até 24 latas, além de termos variado o formato de 350 ml, para a versão mais comprida, de 473 ml", diz o executivo da Schincariol.
Mas esse não foi o único reflexo dessa migração do consumo. "No supermercado o consumidor é mais racional. Ele prefere a marca que oferece a melhor relação-custo benefício. Nos bares, aceita o que lhe é oferecido", explica Martinho. Por isso, marcas como Itaipava e Crystal, da Petrópolis, e Nova Schin, da Schincariol, ganharam mercado, em detrimento de cervejas da AmBev, líder de vendas.
A Schincariol, por exemplo, saltou de 11,1% para 13% e a Petrópolis, de 8,5% para 9,9% , entre janeiro e novembro de 2008, segundo dados Nielsen. Sob os mesmos critérios, a Femsa caiu de 8,3% para 7,4% e a AmBev encolheu de 68,2% para 67,4%. "A AmBev é craque em conquistar exclusividade dos bares. Muitos só vendem as marcas da empresa. Nos supermercados, ao contrário, todas as marcas estão na prateleira, lado a lado", diz Martinho. Procurada pelo Valor, a AmBev não quis se pronunciar.
Veículo: Valor Econômico