As bebidas da casa

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Na esteira de uma excessiva padronização de sabores nas marcas mais conhecidas do mercado, percebida por consumidores mais exigentes, as bebidas artesanais - especialmente cervejas e cachaças - estão ganhando cada vez mais espaço nos bares e restaurantes. Com sabores diferenciados e uma ampla variedade, elas atraem um público que não se importa em pagar um pouco mais por sua bebida preferida. Para os donos de bares e restaurantes, o resultado é uma receita média por mesa bem maior, ainda que o investimento na produção pese.

 

Se a oferta de cervejas e cachaças artesanais já é um elemento comum em bares mais bem estruturados, menos comum é a prática adotada pelo Gattopardo, Petisco da Vila e Devassa, que resolveram fabricar suas prórpias bebidas. Segundo os lojistas, a estratégia está funcionando.

 

As cervejas artesanais - também chamadas premium, termo que abrange todas as variedades voltadas para um público mais refinado - possuem sabor e aroma mais pronunciados do que aquelas produzidas em larga escala pelas grandes empresas que dominam o setor. Muitas buscam seguir a Lei da Pureza Alemã de 1516, que limita os ingredientes utilizados na fabricação da bebida a malte, lúpulo, água e levedura, cuja função é transformar o açúcar em álcool através da fermentação. As fábricas artesanais até produzem cervejas leves, do tipo pilsen - as mais consumidas -, mas investem principalmente nos sabores mais fortes.

 

Qualidade é fundamental. Para o consultor de varejo e diretor da Automacom Consultoria de Operações de Varejo. Antônio Galvão, produtos com marca própria são sempre uma proposta interessante. Porém, é preciso que tenham realmente qualidade. "Nem todos os clientes vão demandar esse produto específico do lugar que frequentam. Por isso, é recomendável uma pesquisa ampla para traçar o perfil do público de cada bar. Definida a forma e a extensão da mudança, é preciso implementar uma estratégia que dê confiabilidade ao produto de fabricação própria", avalia.

 

Outra coisa importante é ser de fato um produto diferente do que é o mais consumido no mercado. Segundo Galvão, o consumidor exigente, que é o que vai usufruir desses produtos, não olha o fator preço, mas busca qualidade. "O produto se bem feito reforça a identidade da marca. Também é preciso verificar se a demanda realmente compensa o investimento numa linha de produção própria. Uma bebida fabricada pela própria loja sempre custará mais caro do que o produto industrial", garante o consultor.

 

A marca Devassa, pioneira nesse movimento, procura atingir um público mais moderno. Isso se sente a partir do nome. Criada em 2002, a União das Devassas Cervejaria (UDC) possui hoje uma marca bem posicionada, com produtos que procuram se destacar do padrão das cervejas regulares. Os fundadores da empresa, Marcelo do Rio e Cello Macedo apostaram na plataforma de bares e na experimentação como ferramentas para a construção da marca.

 

A ideia deu tão certo que as filiais se multiplicaram com velocidade, por meio de associações com outros empreendedores. Hoje, além dos 13 bares Devassa, a UDC conta com uma fábrica localizada no município do Rio. De olho no filão das cervejas premium, desde agosto de 2007, o Grupo Schincariol associou-se à União das Devassas Cervejaria (UDC) no sistema de franquias e adquiriu as marcas da empresa, a unidade de produção e a estrutura de distribuição.

 

Segundo Marcio Mello, gerente de Marketing da empresa, a ideia surgiu durante as viagens para o exterior que os sócios faziam. Lá eles viram o crescimento de várias marcas de cervejas caseiras. "A estratégia para vender o produto não estava montada desde o começo, na verdade. Simplesmente vendíamos a cerveja no bar, e ela ficou famosa aos poucos, na base do boca a boca", conta.

 

Como no começo o dinheiro era pouco para investir em marketing, os donos forneciam graciosamente a cerveja para eventos e festas, com a intenção de divulgar a marca para o público mais específico que desejavam atingir. "O investimento pesado foi mais na qualidade da cerveja, que é feita de puro malte. É um produto caro e o principal objetivo é mesmo ter um produto diferente do que é encontrado no mercado. Tenho certeza que essa diferença é o que nos deixa na frente da concorrência e foi fundamental para criar a identidade hoje já estabelecida da marca", diz Mello.

 

Seguindo este mesmo caminho, a Gattopardo Cervejaria, inaugurada em janeiro deste ano, já ganhou um espaço no circuito boêmio da cidade. A casa também conta com uma cerveja de marca própria, que leva o nome da casa. São três tipos: Lager Bossa, Ale Bossa e Strong Bossa - todas fazendo referência ao movimento da bossa nova, trilha sonora habitual da casa.
Gattopardo é uma marca tradicional da noite carioca, já tendo denominado uma pizzaria na Lagoa. Nessa nova encarnação, a casa se apresenta como bar/cervejaria e pretende resgatar os lendários bares e restaurantes genuinamente cariocas.

 

Atualmente, são produzidos seis mil litros de cerveja por mês. O carro-chefe da casa é a do tipo Pilsen. Denominada Gattopardo Lager Bossa, é uma cerveja clara (dourada), sabor levemente amargo e refrescante e com médio teor alcoólico. O estilo Pilsen surgido na República Tcheca, é o mais popular do mundo.

 

A segunda versão é a Gattopardo Ale Bossa. Pertencente ao estilo Brown Ale, é uma cerveja de coloração fortemente dourada (quase marrom), sabor e aroma encorpados. Já o terceiro tipo é a Gattopardo Strong Bossa, que se enquadra no estilo belga Strong Ale. É uma cerveja de coloração bem dourada e levemente avermelhada, encorpada, sabor e aroma de caramelo, com alto teor alcoólico.

 

De acordo com o dono da casa, o empresário Orlando Diniz, essa ideia já vinha sendo trabalhada desde o ano de 2006. "Fiquei estudando e formatando a ideia durante esse tempo. Só escolhi ingredientes puros, porque prezamos a qualidade acima de tudo. Estou tendo um resultado muito positivo com essa experiência", ressalta.

 

A empresa é pequena, por isso, segundo Diniz, a divulgação também vem sendo semelhante à do Devassa, no boca a boca. "O Gattoparto sempre teve a cara do Rio, desde os anos 50; é isso que faço questão de preservar. Ter um produto da casa é um diferencial que vale a pena. O mercado está crescendo, e as pessoas querem cada vez mais produtos diferentes e com qualidade", observa Orlando.

 

Já o tradicional bar Petisco da Vila, casa marcante do bairro de Vila Isabel, também apostou num produto de fabricação própria, mas deu preferência à mais emblemática das bebidas nacionais: a cachaça. Há dois anos, foi criada a cachaçaria Petisco da Vila, que possui um alambique artesanal e está instalada no Shopping Nova América, Del Castilho, no Rio de Janeiro. Depois de fermentada e destilada, a cachaça é armazenada em tonéis de carvalho francês (ouro), jequitibá (prata) e inox.

 

Segundo Amadeu Souza, sócio do Petisco, tudo começou devido à vontade de associar uma cachaçaria de qualidade à marca Petisco da Vila, que tem tradição de 40 anos. "A ideia se concretizou com a oportunidade de um espaço que pudesse abrigar o primeiro alambique urbano do Rio de Janeiro, em 2006. Encomendamos um projeto de arquitetura, entramos com todas as autorizações no Ministério da Agricultura, contratamos um consultor técnico em processos sucro-alcooleiros e pedimos um projeto a uma empresa especializada em rótulos e embalagens para bebidas", conta.

 

Souza tem a certeza de que a cachaça agregou valor à marca Petisco da Vila. "Nossa cachaçaria possui um produto de altíssima qualidade, podendo ser comparada à dos melhores produtores nacionais. A bebida está sendo fabricada visando à exportação, bem como atender aos requisitos dos apreciadores da boa cachaça. No momento, estamos trabalhando o lançamento de um "blend" em carvalho francês. Nisso tudo, só vejo uma desvantagem, é um produto de alto investimento e alto custo de manutenção com retorno a longo prazo", acrescenta.

 

Veículo: Jornal do Commercio - RJ


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