Muitos afirmam que Luís XIV foi quem o chamou de "rei dos vinhos e vinho dos reis". Isso teria acontecido em 1703, quando o rei da França recebeu do príncipe da Transilvânia, Ferenc Rákóczi, algumas garrafas da bebida extraordinária feita em Tokaj, no nordeste da Hungria, quase na fronteira com a Ucrânia. Outros sustentam que a frase foi proferida no fim do século XVIII por Voltaire. O escritor e grande pensador dedicou-lhe até um poema, qualificando-a de "Uma bebida ambarina com cores brilhando que tece linhas douradas da mente e faz o mais sagaz das palavras cintilar..." Independentemente de quem tenha sido o autor da frase, ela faz sentido. Com seu aroma que passa do damasco ao mel e o sabor aveludado, o branco e doce Tokaji é um dos vinhos mais espetaculares do mundo. Ao longo dos séculos, tem fascinado muitas cabeças coroadas. Além de Luís XIV, conquistou seu sucessor, Luís XV; os russos Pedro, o Grande, e Catarina II; e o prussiano Frederico II. Sem contar o vasto elenco de personalidades da literatura, música e das artes em geral: os alemães Goethe, Beethoven e Heine; o austríaco Schubert; o italiano Rossini; o holandês Erasmo de Roterdã.
Convém esclarecer que, em húngaro, o "j" tem o som de "i". Portanto, a pronúncia correta para a palavra Tokaji é " Tokai’’. Além disso, o sufixo "i" equivale a "de". Logo, Tokaji significa "de Tokaj", uma região de solo vulcânico, extraordinariamente fértil, quase toda murada pelos Montes Cárpatos.
E qual é a origem do maravilhoso néctar elaborado ali? Os húngaros garantem que surgiu por acaso, em 1650. Diante da iminência da invasão turca, um religioso da região, Máté Sepsi Laczkó, convenceu os produtores a atrasar a colheita da uva. Dessa forma, eles poderiam escapar a tempo, e os inimigos não se aproveitariam da produção. A tática acabou gerando uma uva perfeita para o vinho originalíssimo feito até hoje em Tokaj. Com a colheita tardia, os cachos foram atacados pela Botrytis cinerea, um fungo que causa a denominada "podridão nobre". Sob determinadas condições ambientais e climáticas, ele perfura microscopicamente a casca da uva, alimenta-se dos ácidos contidos nela e provoca a saída da água, sem deixar entrar ar na polpa. A fruta se desidrata, diminui a acidez e concentra o açúcar natural. Fica enrugada, como se estivesse estragada, mas na verdade se encontra perfeita para o Tokaji. A colheita também ocorre à luz da tradição. Com tempo bom ou ruim, só inicia a 28 de outubro, festa de São Simão e São Judas.
Situada a 200 quilômetros de Budapeste, às margens dos rios Tisza e Bodrog, a região de Tokaj abrange uma área de 6 000 hectares, com 26 centros produtores. Os Tokaji mais famosos são doces. Porém, os secos também desfrutam de elevado prestígio. Numa escala de qualidade, Zita Rojhovich, diretora de exportação da Oremus, vinícola controlada desde 1993 pela bodega espanhola Vega-Sicilia, coloca no primeiro lugar o Tokaji Szamorodni. Este vinho, segundo ela, é feito com todas as castas, sem seleção prévia. Podem ser atacadas ou não pela Botrytis cinerea. "Ele também pode ser doce", explica Zita. "Entretanto, destaco o seco." Na seqüência, vem o Tokaji Furmint, responsável por quase 50% dos vinhedos da Oremus. Este, no seu entender, é o que apresenta melhor capacidade de ser afetado pela Botrytis cinerea. A seguir, aparecem os Tokaji Hárslevelu e o Tokaji Yellow Muscat. O último é levemente doce e bastante aromático.
Entretanto, os astros mais luzidios da família são os Tokaji Aszú e o raríssimo Tokaji Eszencia, ambos doces. O primeiro é classificado em 3, 5 e 6 puttonyos. Aqui também se faz necessária uma explicação. Puttony designa o recipiente de madeira, com capacidade de 25 quilos, usado para transportar as uvas botritizadas. Depois da colheita manual, elas são esmagadas e colocadas, na forma de pasta, em pequenos barris de madeira de 136 litros, chamados de gönc, com outras uvas não atacadas pelo fungo. Ali, o produto permanece de dois a quatro anos. Após esse período, o vinho adquire corpo e um intenso bouquet. A classificação em puttonyos vai depender da quantidade de uvas botritizadas misturadas com as outras uvas. Para um Tokaji 3 puttonyos, são incorporados aos göncs três puttonyos delas, ou seja, 3 x 25 quilos; no 5 puttonyos, 5 x 25; e 6 x 25 para os 6 puttonyos.
No alto do pódio figura o Tokaji Eszencia, considerado crème de la crème. Produzido com 100% de uvas botritizadas, também colhidas à mão, é um vinho artesanal e só elaborado em anos excepcionais, sendo raro até em seu país de origem. O método de vinificação é paciente e lento. As uvas são colocadas em um recipiente afunilado, hoje de aço inox. O próprio peso delas libera gota a gota um néctar que chega a ser um pouco enjoativo, de tão doce. Terminado esse processo, fermenta naturalmente em barris de carvalho húngaro, onde matura por um período mínimo de sete anos.
Voltemos aos Tokaji Aszú de 3, 5 e 6 puttonyos. Eles também são cuidadosamente tratados. No primeiro ano de barril, são transferidos uma vez para outro barril; no segundo, duas vezes; e, no terceiro, três vezes. Todo esse processo parece simples. No entanto, alguns segredos da elaboração de cada vinho são guardados como tesouros e transmitidos há séculos de pai para filho.
Além do vinho, as velhas adegas de Tokaj encantam os visitantes. Pelas contas dos moradores, a cidade tem aproximadamente 40 quilômetros de labirintos em seu subsolo vulcânico, com níveis constantes de temperatura e umidade. A cave de Oremus apresenta uma profundidade de 80 metros, dividida em três níveis, por 4 quilômetros de extensão. A mais famosa da região é a de Rákóczi, construída no começo do século XIII, no centro de Tokaj. Pertenceu a reis, príncipes e a generais. Com os vinhos, uma atração à parte constitui o fungo preto que cobre os tetos e as garrafas depositadas, algumas com mais de 300 anos. É o Cladosporium cellare. Alimenta-se do açúcar e do álcool exalados lentamente das garrafas. Não é à toa que os deliciosos vinhos de Tokaj são os mais longevos do mundo.
Veículo: Gazeta Mercantil